AINDA SOBRE A LEI N. 14.285/2021

No dia 29 de dezembro de 2021 foi publicada a Lei n. 14.825/2021 que, alterando alguns dispositivos das Leis 12.651/2012 e 6.766/79 (Código Florestal e Lei do Parcelamento do Solo, respectivamente), previu a possibilidade de delimitação, por parte dos Municípios, das chamadas “APPs de curso d’água”.

Em breve síntese, o que a nova Lei propõe é a possibilidade de que os Municípios, observadas as peculiaridades ambientais de cada cidade e mediante a observância de alguns critérios/etapas (dos quais já falamos aqui: https://buzaglodantas.adv.br/2022/01/12/sancionada-nova-lei-que-permite-que-o-municipio-defina-novos-parametros-para-afastamento-de-edificacoes-dos-cursos-dagua-naturais/), possam prever, em seus planos diretores, os limites das APPs de curso d’água em áreas urbanas consolidadas, de acordo com o seu interesse local (at. 30, I, da CF/88).

A normativa aplica-se tanto para situações consolidadas (ocupação antrópica ao longo dos anos, não raro, com descaracterização completa das APPs), como para situações futuras (estas que, nos termos da normativa, deverão se ater às obras/atividades de utilidade pública, interesse social e baixo impacto – art. 4º, §10, III).

A essência da nova regra, embora venha sendo alvo de críticas, apresenta-se como absolutamente salutar: quanto às áreas consolidadas (sem função ambiental), busca tentar compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento urbano/segurança jurídica. Já quanto às “novas construções”, a normativa nada mais fez do que replicar regramento já existente na própria Lei Florestal, que autoriza a utilização das APPs apenas para os casos de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental (art. 8º da Lei 12.651/2012).

Ou seja: ao contrário do que se tem dito, não há “retrocesso”, tampouco os Municípios terão “em suas mãos” competência para legislar a seu “bel-prazer” acerca do tema, já que deverão seguir critérios e situações específicos [descritos na Lei], aptos a garantir a plena preservação ambiental.

Em que pese isso, no dia 18 do corrente mês foi proposta, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e outros, Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da nova lei (14.285/2021). Os fundamentos para tanto são, em brevíssima síntese, os seguintes: a) a nova lei seria “materialmente inconstitucional” por contrariar dispositivos da CF/88 (arts. 5º, caput, 23, caput e incisos VI e VII, 24, c/c 30, inciso II, e 225); b) o município não deteria competência para legislar sobre o tema “APP”, pois as normas “[…] estaduais e municipais em meio ambiente somente podem ser mais protetivas do que as nacionais”; c) as alterações da nova lei trariam prejuízos ao meio ambiente.

Recebendo a referida ação, o Min. Relator, André Mendonça, determinou a notificação das autoridades para apresentação de informações. Além disso, intimou Advogado-Geral da União e Procurador-Geral da República para manifestação.

Tão logo essas informações e manifestações sejam apresentadas junto à ADIN, ter-se-á um panorama mais seguro acerca da questão. O que se espera é que o STF profira entendimento razoável, não de maneira a imiscuir direitos, mas garantir a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e desenvolvimento urbano sustentável.

Por: Fernada de Oliveira Crippa

2022-04-28T17:11:18+00:0028 de abril de 2022|

A AQUISIÇÃO DE TERRENOS DE MARINHA

O governo federal anunciou no ano passado a possibilidade de aquisição de terrenos em área de marinha em todo o país. Isso porque, a União tem como objetivo o aumento na arrecadação, junto à Secretaria de Patrimônio da União (SPU) e Ministério da Economia.

Como é sabido, os terrenos de marinha são os imóveis de propriedade da União localizados a 33 (trinta e três) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831, conforme conceitua o Decreto-Lei n. 9.760/46.

Contudo, com o passar do tempo, as mencionadas áreas acabaram por perder sua originalidade ambiental e urbanística, e foram sendo assimiladas pela urbanização e progressão das cidades litorâneas.

Em todos esses casos, há dois regimes que regulamentam o uso dessas áreas, são eles: ocupação e aforamento. O primeiro diz respeito ao direito pessoal conferido ao particular pela União, que permite o uso de seus imóveis mediante o pagamento de uma taxa de ocupação. Essa relação pode ser revista pela União a qualquer tempo, excetuadas as ocupações consideradas de boa-fé.

Já o regime de aforamento, também conhecido como de enfiteuse, o particular passa a ter um domínio útil sobre o terreno de marinha. Em linhas gerais, é como se o bem fosse compartilhado entre o particular e a União.

A fim de estabelecer um novo regime consistente na aquisição dessas áreas, a SPU lançou a “Proposta de Manifestação de Aquisição” (PMA), por meio da Portaria n. 19.832/2020, que regulamenta o recebimento de proposta de aquisição de imóveis da União que não estejam inscritos em regime enfitêutico.

A referida proposta pode ser apresentada por qualquer pessoa física ou jurídica, e em contrapartida, não gera qualquer obrigação para a administração pública federal de alienar o imóvel ou direito subjetivo à aquisição (artigo 1º, § 2º, da Portaria n. 19.832/2020).

Feita a proposta pelo particular, a SPU se manifestará acerca da possibilidade de venda do imóvel em até 30 dias corridos após o recebimento do requerimento, por intermédio do endereço de e-mail.

Se o imóvel não possuir avaliação dentro do prazo de validade, o interessado pode providenciar, por conta própria, a avaliação, desde que elaborada por avaliador habilitado ou empresa especializada. Nesses casos, a SPU irá homologar os laudos de avaliação e iniciar o processo de alienação do imóvel.

Ainda, caso tenha havido licitação do imóvel objeto da proposta, o interessado que tiver custeado a avaliação poderá adquirir o imóvel, em condições de igualdade com o vencedor da licitação. Por sua vez, o vencedor da licitação ressarcirá os gastos com a avaliação diretamente àquele que a tiver custeado, observados os limites de remuneração da avaliação estabelecidos pela SPU.

Na prática, o ponto incerto desse procedimento é que, na maior parte dos casos, o particular que se encontra nos terrenos de marinha já compraram a posse de um terceiro em oportunidade anterior. Ou seja, o interessado teria que efetuar uma segunda aquisição de um mesmo imóvel, mas dessa vez pagando à União.

Isso sem contar com a possibilidade de aquisição dos terrenos de marinha por um terceiro, o que acaba gerando uma grande insegurança jurídica aos envolvidos.

Neste cenário, como a propriedade é da União, o que a pessoa comprou lá atrás foi apenas a possibilidade de uso, podendo, portanto, qualquer interessado ser o novo proprietário do imóvel.

A prática nos mostrará como esses conflitos irão ser dirimidos, mas, desde já, destaca-se a necessidade de revisão da legislação a fim de a preferência de compra recaia sobre quem já ocupa, como é de praxe, evitando, assim, novas situações de insegurança jurídica.

Por: Monique Demaria

2022-04-13T17:19:39+00:0013 de abril de 2022|

CRISE CLIMÁTICA E A PAUTA VERDE DO STF: ENTENDA O QUE ESTÁ EM DEBATE

Na quinta-feira passada, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento da pauta verde.

Sob relatoria das Ministras Dra. Carmen Lúcia e Dra. Rosa Weber, foi dado início ao julgamento de 07 (sete) ações ajuizadas por diferentes partidos políticos em face do governo, devido ao aumento do desmatamento ilegal e o desmantelamento dos órgãos de fiscalização, com o consequente abandono de políticas públicas climáticas, como o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal – PPCDAm.

O objetivo das referidas ações é discutir de que maneira o atual governo vem enfrentando a crise climática, em especial diante dos compromissos adotados na Conferência do Clima das Nações Unidas em Glasgow, Escócia – a COP26, na qual o governo brasileiro se comprometeu a mitigar 50% de suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2030, usando como linha de base o ano de 2005 e como referência o Quarto Inventário Nacional de Emissões.

Além da mitigação, o governo também se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal até 2028 e restaurar e reflorestar cerca de 18 milhões de hectares de florestas até 2030.

No entanto, devido ao aumento das emissões de GEE, ocasionado, em grande parte, pelo  desmatamento na Amazônia, foram ajuizadas ações com o objetivo de discutir a omissão do Brasil no enfrentamento da crise climática.

A primeira ação e mais importante (ação mãe) é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 760 ajuizada pelos partidos PSB, Rede Sustentabilidade, PDT, PT, Psol, PCdoB e PV que questiona a ausência de execução do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), uma das políticas públicas mais complexas brasileiras, conhecida como uma verdadeira policy mix ambiental, e a substituição de órgãos de fiscalização, como o IBAMA, pelas forças armadas.

A segunda ação é a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão – ADO 54 ajuizada pela Rede Sustentabilidade que discute a omissão do governo e do Ministério do Meio Ambiente no controle do desmatamento na Amazônia.

Por sua vez, a terceira ação é a ADPF 735 ajuizada pelo Partido Verde contra o Decreto presidencial n. 10.341, de 6.5.2020, que autorizou o emprego das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem e em ações subsidiárias na faixa de fronteira, em terras indígenas, nas unidades federais de conservação ambiental e em outras áreas federais nos Estados da Amazônia Legal, e a Portaria n. 1.804 do Ministério da Defesa, de 7.5.2020.

Já a quarta ação é a ADPF 651 ajuizada pela Rede Sustentabilidade em face do governo, que, por meio do Decreto 10.224/2020, que regulamenta o Fundo Nacional do Meio Ambiente, excluiu a participação da sociedade civil do conselho deliberativo.

A quinta ação é a ADO 59 ajuizada pelo PSB, PSOL, PT e Rede Sustentabilidade em face do governo pela paralisação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima), sem a adequada destinação dos valores para projetos de preservação da Amazônia.

A sexta ação é a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6148 ajuizada pela Procuradoria Geral da República em face do Presidente do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), contra a Resolução CONAMA n. 491/2018, que dispõe sobre padrões de qualidade do ar, sob a alegação de que a matéria não foi adequadamente regulamentada.

E, por fim, a sétima ação é a ADI 6808 ajuizada pelo PSB em face do governo e do Congresso Nacional, contra a MP n. 1040/2021, atual Lei Federal n. 14.1986/2021, alegando a sua inconstitucionalidade, visto que, no âmbito da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), autorizou a concessão automática, sem análise humana, de alvará de funcionamento e licenças — inclusive licenciamento ambiental — para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio, além da impossibilidade de os órgãos de licenciamento solicitarem informações adicionais àquelas já informadas pelo solicitante através do sistema da Redesim.

Todas essas ações, assim, buscam levar ao STF a discussão acerca da necessidade de controle jurisdicional das políticas públicas ambientais adotadas pelo atual governo no enfrentamento da crise climática.

Assim, o julgamento que se iniciou na semana passada será retomado hoje e o que se espera é que a garantia ao meio ambiente ecologicamente equilibrado seja resguardado, independentemente de questões de ordem política, na linha do que tem decidido nas cortes internacionais.

Por: Gabriela Giacomolli

 

2022-04-06T12:41:59+00:006 de abril de 2022|

A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NAS AÇÕES DECORRENTES DE DANOS AMBIENTAIS

A norma processual civil brasileira determina que o ônus da prova recaia sobre o autor, pois é este que tem o dever de comprovar suas alegações, ou seja, os fatos “constitutivos de seu direito”, ao passo que cabe ao réu demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de direito, conforme estabelece o art. 373, incisos I e II, do CPC.

Todavia, a lei admite a possibilidade de inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas: (i) à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo; ou (ii) à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário (art. 373, § 1º, do NCPC)

Isto posto, apenas o preenchimento destes dois requisitos justificaria a atribuição de ônus da prova diverso do estabelecido no caput do art. 373 do NCPC.

Não bastasse isso, ainda vige no direito ambiental a Súmula 618 do STJ, estabelecendo que “a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.

Porém, não é incomum nos depararmos com decisões que invertem o ônus da prova, aplicando incondicionalmente a referida súmula, sem respeitar os devidos requisitos legais, ferindo veementemente os princípios e garantias fundamentais processuais, apenas sob a justificativa da preservação ambiental.

O resultado da aplicação indevida é um encargo desproporcional ao réu, aliado à insegurança jurídica, ferindo, assim, a isonomia processual e ampla defesa, tão importantes para o ordenamento jurídico brasileiro.

Nesse sentido, inclusive, recente posicionamento da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo corrobora a necessidade de um olhar diferente à questão em debate, ao dar provimento ao Agravo de Instrumento n. 2229313-56.2021.8.26.0000, para afastar a inversão do ônus da prova deferida em ação civil pública de matéria ambiental.

Nos referidos autos, o réu havia sido acusado de poluição sonora, tendo sido invertido o ônus da prova requerida pelo Ministério Público de São Paulo com base no art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e no art. 21, da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), bem como nos princípios da prevenção, precaução e poluidor-pagador, além da súmula 618 do STJ.

Segundo a Relatora, Desembargadora Estadual Dra. Maria Laura Tavares, “ é forçoso concluir que a responsabilização do réu pela prática de conduta que caracterize dano ao meio-ambiente artificial, no caso a poluição sonora, não modifica a sistemática de divisão do ônus da prova estabelecida pelo Código de Processo Civil”.

E de fato! As situações que verificam a possibilidade de inversão do ônus da prova são excepcionais, não sendo possível exigir que a parte ré comprove fatos que não são de sua incumbência provar, mas sim da parte autora, “sobretudo em se tratando de poluição sonora que, em princípio, não deixa vestígios permanentes, como ocorre em outras formas de dano ambiental, como o desmatamento, o lançamento de gases poluentes na atmosfera, resíduos contaminantes no solo, etc.

Assim, reconhece-se a importância da Súmula 618 nas demandas ambientais, todavia a sua aplicabilidade deve se dar com parcimônia, visto que a distribuição do ônus da prova deve seguir a dinâmica processual civil, mas de maneira a garantir às partes suas garantias fundamentais de forma justa e equilibrada.

Dessa maneira, o princípio da precaução, prevenção e do poluidor-pagador não são suficientes para que, isolados, se possa atribuir o ônus probatório à outra parte senão à autora.

O tema ainda é controverso, de forma que ainda existem diversas demandas perante o STJ para discutir acerca da aplicabilidade do instrumento da inversão do ônus da prova nas ações de degradação ambiental e justamente por isso, a distribuição de tal ônus deve ser feita de forma equilibrada, preservando-se os direitos das partes.

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto

2022-04-11T17:24:11+00:0030 de março de 2022|

APONTAMENTOS SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL

Como amplamente se sabe, a responsabilidade civil pelo dano ambiental é de natureza objetiva. Ou seja, a responsabilização do causador de dano ambiental independe da comprovação de sua culpa (em sentido amplo). Tal entendimento, positivado no art. 14, 1 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n 6.938/1981), decorre da teoria do risco integral, segundo a qual é reparável o dano ambiental mesmo que produzido de forma involuntária, tendo em vista a assunção pelo agente do risco de causá-lo.

A natureza objetiva da responsabilidade, no entanto, embora exclua da discussão a existência ou não de culpa, não exime o acusador de comprovar a incidência dos outros pressupostos da responsabilidade civil: 1) ato ilícito; 2) dano e 3) nexo de causalidade.

Explico:

Em primeiro lugar, para que determinada situação ambiental seja indenizável é necessária a prática de ato antijurídico, ou seja, que desrespeite algum dispositivo legal. É por esse motivo, por exemplo, que não há como requerer a indenização de um motorista de caminhão pela emissão dos gases produto da combustão do diesel. Afinal, muito embora se saiba que a produção de CO2 causa danos ao ambiente, o mero ato de dirigir não detém qualquer antijuridicidade. Portanto, ainda que lesivo – mesmo que em menor monta – ao meio ambiente, a condução do caminhão não configura dano ambiental indenizável.

Em segundo lugar, inexiste obrigação de reparar (indenizar) dano quando inexiste … o dano. Ao passo que nas esferas penal e administrativa o objetivo é punir e coibir a reincidência de certa conduta, a responsabilização civil tem como objetivo retornar a coisa ao seu estado pretérito ao ato repreensível. Ou seja, não se condena a indenizar pela mera conduta, mas apenas pela ocorrência de dano, e apenas na extensão do prejuízo. Nesta toada, ainda que repreensível pela lei ambiental, uma conduta não ensejará responsabilização civil se não for causadora de dano. Tome-se por exemplo a operação de uma fábrica sem as devidas licenças ambientais. De pronto, pode-se observar que a conduta da industria é ilegal, tendo em vista a obrigatoriedade do licenciamento ambiental para atividades efetiva ou potencialmente poluidoras (art. 3o, Resolução CONAMA 117). Essa postura poderá – e deverá – ser punida na esfera administrativa. No entanto, se dessa operação não resultar qualquer dano ao ambiente – seja ele na forma de poluição, supressão vegetal etc. – não será cabível qualquer indenização cível, porquanto não haverá mudança no estado do bem que se busca recuperar: o ambiente. Em outras palavras, não existirá situação fática a corrigir, de sorte que se torna impossível até mesmo a quantificação de uma eventual indenização.

Em terceiro e último lugar resta o ponto mais controvertido desta discussão. Toda responsabilização civil demanda a relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano efetivamente causado. No entanto, em inúmeras situações, a identificação da causa (ou das causas) de algum prejuízo não é de fácil resolução. Desse imbróglio nasceram duas teorias opostas de compreensão do nexo de causalidade no âmbito da responsabilidade civil. A primeira, denominada “equivalência de condições” tem como preceito fundamental que “[…] considera-se causa toda condição do resultado, todo o fato que concorra para produzi-lo, todo o fato sem o qual o resultado não se teria produzido” (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. 7ª ed. Saraiva, São Paulo: 2020). Ou seja, qualquer ação sem a qual o resultado não teria acontecido (conditio sine qua non) torna-se apta a caracterizar uma responsabilidade de reparar o eventual dano. Esse entendimento, embora existente, é pouco adotado no ordenamento pátrio. Afinal, dele decorrem armadilhas lógicas inconcebíveis, como o caso do dano causado pela queda de um avião da qual não restaram sobreviventes: não faria sentido colocar ao lado da companhia aérea e da fabricante da aeronave, no polo passivo da demanda, o taxista que levou um dos comissários ao aeroporto, sob a justificativa de que a conduta dele foi condição sem a qual a morte do tripulante não aconteceria. É por isso que a teoria mais adotada no Brasil é a da “causalidade adequada” que consiste naquela onde “nem todas as condições que concorrem para o resultado são equivalentes […], mas somente aquela que foi a mais adequada a produzir concretamente o resultado. Ou seja, só a causa de mais imprescindível para a ocorrência do dano é considerada para a caracterização da responsabilidade civil” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. Atlas, São Paulo: 2012). É esse, inclusive, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ no célebre caso do navio Vicuña, acidentado no porto paranaense de Paranaguá. No precedente, proferido em causa na qual se buscava a responsabilização civil da compradora de carga química derramada pelo navio na Baía de Paranaguá, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva homenageou a teoria da causalidade adequada ao exigir a efetiva demonstração de nexo causal para aferir a obrigação de indenizar. Nas palavras do magistrado, “em que pese a responsabilidade por dano ambiental seja objetiva […], faz-se imprescindível, para a configuração do dever de indenizar, a demonstração da existência de nexo de causalidade apto a vincular o resultado lesivo efetivamente verificado ao comportamento (comissivo ou omissivo) daquele a quem se repute a condição de agente causador” (REsp n. 2016/0108822-1, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Segunda Seção, j. 25-10-2017, DJe 22- 11-2017).

Portanto, embora seja pacífica a natureza objetiva da responsabilidade civil ambiental em nosso país, é importante que a sociedade civil e os operadores do direito tenham em vista que essa natureza afasta única e exclusivamente a discussão acerca da culpa. A relativização dos outros pressupostos da responsabilização civil (ato ilícito, dano e nexo causal) contribui apenas para a construção de uma atmosfera de tensão e insegurança jurídica em meio ao setor produtivo nacional. Nesse sentido, a observância ao entendimento dos tribunais superiores não representa apenas um ato de respeito aos precedentes, mas um verdadeiro ato de compatibilização da proteção do meio ambiente com o desenvolvimento social sustentável e com as garantias estabelecidas da ordem jurídico-civil brasileira.

Por: João Pedro Carreira Jenzura

2022-03-24T17:51:15+00:0024 de março de 2022|

A DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO ICMBIO QUANDO NÃO SE TRATAR DE ATIVIDADE PASSÍVEL DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL

Não é novidade que nos termos da legislação em vigor (Lei Federal n. 9.985/2000 – Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC), o órgão competente para criar, implantar, gerir e fiscalizar unidades de conservação federal é o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Como no nosso País virou moda a criação de unidades de conservação federal – algumas com grande importância, outras consideradas de “papel” –, sempre que a instalação ou operação de empreendimentos de significativo impacto ambiental tenha o potencial de afetá-las ou suas zonas de amortecimento, o licenciamento ambiental dependerá de prévia “autorização” do ICMBio (art. 36, §3º).

Sem adentrar no alcance da palavra “autorização” a que alude a norma, se com poder vinculante ou apenas opinativo/sugestivo, tendo em vista o aparente conflito existente entre a norma e o disposto no art. 13, §1º, da Lei Complementar n. 140/2011, o fato é que a manifestação prévia do órgão gestor não deve ocorrer em todos os casos, mas apenas quando se tratar de atividade a ser licenciada mediante EIA/RIMA (Estudo Prévio de Impacto Ambiental).

Regulamentando o tema, a Resolução CONAMA n. 428/2010 (com alteração ditada pela Resolução CONAMA n. 473/2015) definiu os casos em que há necessidade expressa de autorização do órgão gestor (art. 1º, caput). Previu, também, que se a unidade de conservação não tiver instituída zona de amortecimento (o caso de muitas unidades de conservação, mas, por exemplo, pode-se se citar a Estação Ecológica Carijós (ESEC), situada em Florianópolis, ou a APA da Baleia Franca, que abrange alguns munícipios catarinenses), o órgão gestor dever ser ouvido previamente, caso o empreendimento esteja situado a menos de 3 quilômetros dos limites da UC, ressalvando quando se tratar de RPPNs, APAs e Áreas Urbanas Consolidadas (§2º).

Percebe-se, portanto, que a autorização prévia, a simples anuência ou a ciência do órgão gestor da unidade de conservação federal somente deve ocorrer nos casos de obra potencialmente poluidora de significativo impacto ambiental ou quando exigível licenciamento ambiental.

Assim, em se tratando de atividades que não dependam de licenciamento ambiental (entenda-se aquelas expressamente constantes do art. 10 da Lei n. 6.938/81, com nova redação dada pela LC n. 140/11, Resolução CONAMA n. 237/97 e eventuais normas existentes em âmbito estadual/municipal que disciplinem a matéria), não há obrigatoriedade de qualquer manifestação do órgão gestor, ainda que dentro dos limites da UC, em sua zona de amortecimento ou mesmo quando puder vir a afetá-la.

Corrobora este entendimento o teor da IN n. 10/2020, do ICMBio (comentário a ela já foi publicado em nosso site – https://buzaglodantas.adv.br/2020/08/20/icmbio-regulamenta-procedimentos-para-autorizacaociencia-de-atividades-que-afetem-unidades-de-conservacao-federal/), que expressamente fez constar que o órgão somente se manifestará em casos de “processos de licenciamento ambiental”, ou seja, se a atividade não exige licenciamento, não há qualquer disciplina normativa que exija a manifestação do órgão gestor.

Assim, ao contrário do que costumaz se verifica na prática, não há qualquer irregularidade ambiental quando uma atividade não passível de licenciamento ambiental é implantada dentro dos limites de unidade de conservação ou em sua zona de amortecimento sem autorização/anuência/ciência do ICMBio, pois as normas que tratam da matéria não exigem seu consentimento.

A tese, bastante sólida e sustentável juridicamente, em sua grande maioria não é aceita pelos principais atores envolvidos, o Ministério Público Federal ou o ICMBIo, razão pela qual, não raras vezes nos deparamos com estas situações no âmbito do Poder Judiciário, que no final das contas é quem terá a última palavra.

Por: Lucas Dantas Evaristo de Souza

2022-03-16T17:08:06+00:0016 de março de 2022|

COMPENSAÇÃO AMBIENTAL

Embora a compensação em Área de Preservação Permanente não esteja textualmente prevista na legislação federal, o instituto da compensação surgiu na legislação brasileira há muitos anos, mais precisamente em meados de 1987, com a Resolução CONAMA n. 10, que exigia, na época, a implantação de estações ecológicas como contrapartida pela instalação de obras de grande porte.

Ao longo do tempo a legislação foi evoluindo, até que em 2000, a Lei Federal n. 9.985, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), passou a estabelecer a necessidade de pagamento de um valor a título de compensação ambiental pela implantação de empreendimentos de significativo impacto ambiental, mediante elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA).

Segundo a referida normativa, empreendedores passaram a ter que pagar uma indenização a fim de compensar os impactos ambientais ocorridos ou previstos no processo de licenciamento ambiental, seja através de indenizações financeiras, serviços ambientais ou estabelecimento de espaços protegidos.

Trata-se de pagar pelos custos sociais e ambientais identificados no processo de licenciamento ambiental, a fim de “ressarcir” o meio ambiente dos efeitos negativos não mitigáveis provenientes da atividade que se deseja exercer.

No Estado de Santa Catarina, a Portaria n. 156/2018, do IMA, passou a regulamentar a matéria, de modo que a compensação ambiental será exigível para os empreendimentos de significativo impacto ambiental, no percentual máximo de 0,5% (meio por cento) dos custos totais para a sua implantação, assim informados no procedimento de licenciamento ambiental – ainda que essa porcentagem tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que deixou a cargo de cada ente defini-lo, desde que em patamares razoáveis.

De acordo com a referida normativa, são utilizados critérios específicos para definição dos percentuais a serem aplicados no cálculo do valor da compensação ambiental. Com isso, a empresa se utiliza de determinados recursos naturais e retorna recursos para o ambiente, como uma forma de prevenção e/ou ressarcimento ao impacto ambiental causado.

Demais disso, é importante destacar que, a depender dos recursos naturais que a instalação do empreendimento irá impactar, poderá ser exigida também outro tipo de compensação, como, por exemplo, quando se tratar de supressão de vegetação do Bioma Mata Atlântica (Lei n. 11.428/06).

Daí a importância da orientação de um profissional especializado para que se tome a melhor decisão e se esteja ciente das medidas compensatória necessárias de modo a corroborar os termos da lei.

Por: Renata d’Acampora Muller

 

2022-03-09T18:53:38+00:009 de março de 2022|

CÂMARA DOS DEPUTADOS APROVA PEC QUE ALTERA PROPRIEDADE SOBRE TERRENOS DE MARINHA

No último dia 22 de fevereiro, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, a Proposta de Emenda à Constituição n. 39/2011 (PEC) que pretende extinguir o instituto do terreno de marinha e seus acrescidos e dispor sobre a propriedade desses imóveis.

Como é sabido, os terrenos de marinha são imóveis de propriedade da União, que são identificados com base na linha média das marés de 1831, até 33 metros em direção ao continente. Também os aterros, denominados acrescidos de marinha, e as margens de rios e lagoas que sofrem influência das marés foram classificados como de marinha e integrados ao patrimônio federal.

Atualmente, os ocupantes desses imóveis pagam uma taxa de ocupação, que corresponde a 2% do valor do terreno, a partir de uma autorização pela Secretaria de Patrimônio da União. A taxa de foro, cobrada daqueles proprietários imóveis que formalizam a aquisição do terreno perante a União, por meio do contrato de aforamento, é no percentual de 0,6% sobre o valor atualizado do imóvel. E, por fim, o laudêmio é de 5% sobre o valor do imóvel, cobrado apenas no caso de venda do bem.

A partir da publicação da futura emenda constitucional, passarão para o domínio pleno do Estados e Municípios os terrenos de marinha onde estão instalados serviços públicos sob concessão e permissão e, mediante pagamento, aos ocupantes particulares. Para os foreiros e ocupantes regularmente inscritos, serão deduzidos os valores pagos a título de foro ou de taxas de ocupação nos últimos 5 anos, corrigidos pela taxa Selic.

No entanto, a PEC prevê para aos ocupantes não inscritos, a exigência de que ocupação tenha ocorrido pelo menos 5 anos antes da data de publicação da Emenda Constitucional e a comprovação de boa-fé.

Ainda, segundo a proposta de emenda aprovada, a União ficará apenas com as áreas afetadas pelo serviço público federal, as unidades ambientais federais e as áreas não ocupadas.

Deste modo, a partir da publicação da emenda, a União não mais poderá cobrar foro ou taxa de ocupação dessas áreas, bem como o laudêmio quando da transferência de domínio, em razão da revogação do inciso VII do art. 20 da Constituição Federal e o §3º do art. 49 do Ato das Disposições Transitórias.

A PEC gera polêmicas, alguns afirmam que a população poderá fazer investimentos e melhor uso dos imóveis, outros entendem que tal iniciativa aumentará a pressão urbana sobre a zona costeira.

A emenda passará agora pelo mesmo trâmite no Senado.

Por: Elisa Ulbricht

 

2022-03-02T23:27:36+00:002 de março de 2022|

ESPÉCIES AMEAÇADAS DE EXTINÇÃO: BREVES DIGRESSÕES ACERCA DO SEU MANEJO

Muito se tem discutido acerca da possibilidade, ou não, de realizar-se intervenções e/ou proceder-se ao licenciamento ambiental em imóveis que abriguem espécies ameaçadas de extinção.

Como o próprio nome já sugere, “espécies ameaçadas” são ecossistemas cujos exemplares encontram-se em verdadeiro risco de extermínio, pelo uso indiscriminado. Daí a necessidade de que seu manejo se dê de maneira diferenciada.

Apesar da controvérsia, a existência dessas espécies, por si só, não impede a supressão de parte da vegetação que as abrigue, tampouco há restrição quanto ao uso do imóvel, desde que se faça nos termos da legislação federal aplicável.

A esse respeito, vale dizer que a Lei Federal n. 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica, art. 11, I, ‘a’), veda o corte/supressão de espécies ameaçadas de extinção caso a intervenção tenha o condão de pôr em risco a sobrevivência dessas espécies. Isso quer dizer: o corte/supressão apenas estará vedado se a intervenção, de fato, puser em risco a sobrevivência da espécie ameaçada – caso contrário, não.

De maneira mais específica estabelece o Decreto Federal n. 6.660/2008 (art. 39), ao determinar que a supressão da vegetação poderá ser autorizada, desde que não haja alternativa técnica e locacional e fique demonstrado que os impactos do corte e/ou supressão serão adequadamente mitigados e não agravarão o risco à sobrevivência in situ da espécie.

A Lei Federal n. 12.651/2012 (Código Florestal) também trata do tema, ao autorizar a supressão de vegetação que abrigue espécie de flora ou fauna ameaçada de extinção mediante a adoção de medidas compensatórias e mitigatórias (art. 27).

Portanto, à luz da legislação federal aplicável, conclui-se ser possível a intervenção em áreas que abriguem exemplares de espécies ameaçadas de extinção, desde que, em resumo, se faça de maneira racional e a preservação da espécie não seja, em hipótese alguma, colocada em risco.

Diante disso, na prática, é necessário que se comprove: a) a exploração racional da vegetação; b) a adoção de medidas de mitigação dos eventuais danos; c) a existência de evidência técnica de que a retirada não impactará na sobrevivência da espécie; d) e a inexistência de alternativa técnica e locacional.

Por: Fernanda de Oliveira Crippa

2022-02-23T17:29:49+00:0023 de fevereiro de 2022|

PUBLICADA INSTRUÇÃO NORMATIVA QUE ESTABELECE NORMAS E PROCEDIMENTOS PARA A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA NO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC

Foi publicada no final do ano passado, a Instrução Normativa SMDU n. 5 de 15/12/2021, que dispõe sobre os procedimentos administrativos relativos à regularização fundiária urbana e rural, no âmbito da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano no município de Florianópolis.

A citada instrução visa a regulamentar a já conhecida Lei Federal n. 13.465/2017, que dispõe sobre regras que tratam da Regularização Fundiária Urbana, e o Decreto n. 9.310/2018. A propósito, em âmbito regional, o Estado de Santa Catarina também promulgou o Decreto nº 1.468/2018, que instituiu o Programa Estadual de Regularização Fundiária Urbana (REURB-SC).

Com o advento da nova normativa, Florianópolis dá um grande passo para tentar viabilizar a regularização das diferentes situações de informalidade existentes no município.

A existência de núcleos urbanos informais, sob os mais diversos prismas (leia-se, ambiental, urbanístico, registral, fundiário etc.) é realidade latente em nosso país, fruto de um crescimento urbano desordenado ao longo dos anos. Daí a necessidade e importância de o Município de Florianópolis, em complemento à legislação federal existente, em editar essa normativa, que certamente será de grande valor para a aplicação correta do instrumento da REURB e para o bom funcionamento desse grande centro urbano.

Importante mencionar que os municípios que publicarem suas normas em relação à temática estão saindo na frente, em relação aos outros que ainda não as editaram– já que a lei federal certamente não abarca as peculiaridades de cada região, cabendo aos município prever normas específicas aplicáveis, no âmbito de seu interesse local.

Dessa forma, espera-se que o Município de Florianópolis sirva de incentivo para que outros municípios se organizem no sentido de  publicar seus próprios ordenamentos, regulamentando o instituto, também em âmbito local – e à luz da peculiaridade de cada região –, dando uma maior segurança para toda a sua população e aos demais bens jurídicos envolvidos – meio ambiente, bom funcionamento das cidade etc..

Por: Marcela Dantas Evaristo de Souza

2022-02-17T12:08:45+00:0017 de fevereiro de 2022|
Go to Top