O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), por meio do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, emitiu a Nota Técnica n. 1/2022/CME, definindo orientações a ser observadas para a aplicação da Lei n. 14.285/2021, que promoveu significativas mudanças no regime de áreas de preservação permanente criado pelo Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012).

Em suma, a nota técnica tem por objetivo orientar a atuação dos Promotores de Justiça com atribuição na área de defesa do meio ambiente, em relação às referidas alterações legislativas, em especial considerando o julgamento do Tema 1010 do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu pela aplicação retroativa dos parâmetros estabelecidos pelo Novo Código Florestal sobre a extensão da faixa não edificável a partir das margens dos cursos d’água naturais, de 30 a 500 metros, em perímetro urbano ou rural, em detrimento da Lei do Parcelamento do Solo Urbano, que estabelece o distanciamento mínimo de 15 metros em áreas urbanas.

Acerca do Tema 1.010, a orientação da nota técnica é de que intervenção em área de preservação permanente (APP) constitua medida excepcional, observando-se as hipóteses previstas no art. 8º do Novo Código Florestal, quais sejam, as de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental. Contudo, em regra, deverá haver a flexibilização destas áreas nos casos de regularização fundiária urbana (REURB), desde que cumpridos os seus requisitos legais.

Importante destacar, também, a orientação de que as edificações em construção ou com pretensão de construção devem observar, em regra, as margens de APP previstas no art. 4º, inciso I, do Novo Código Florestal – 30 a 500 metros –, todavia, no que se refere às edificações já concluídas devem ser ressalvadas as hipóteses de: I) Direito Adquirido; II) Compromissos de Ajustamento de Conduta; III) Ato Jurídico Perfeito; IV) Coisa Julgada; e V) REURB.

Isso significa que deverá ser respeitado o direito adquirido das construções regularmente edificadas de acordo com a legislação vigente mais protetiva ao meio ambiente à época da edificação, além dos compromissos de ajustamento de conduta regularmente cumpridos ou em cumprimento, firmados entre o MPSC e proprietários de imóveis urbanos.

O ato jurídico perfeito – ou seja, aquele realizado de forma válida sob vigência de uma lei posteriormente modificada ou revogada –, a coisa julgada e a REURB também devem ser respeitados, não devendo ser afetados pelo julgamento do Tema 1.010 do STJ.

No que se refere à aplicação das alterações promovidas pela Lei 14.285/2021 no Novo Código Florestal e na Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que passou a permitir que os municípios legislem de forma a flexibilizar as áreas de preservação permanente em zonas urbanas, o MPSC entendeu que a legislação é absolutamente aplicável, eis que não há qualquer suspensão de sua vigência pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas desde que haja o prévio cumprimento de todos os requisitos mínimos, tais como: (I) oitiva dos conselhos estadual e municipal de meio ambiente; (II) não ocupação de áreas com risco de desastres; (II) observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; (IV) observância dos casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental; (V) existência de instrumento de planejamento territorial; e (VI) estudo técnico socioambiental, com indicação de reserva de faixa não edificável para cada trecho de margem.

Caso inexista legislação municipal que observe os requisitos mínimos estabelecidos pela Lei 14.285/2021, a orientação é de que se aplique a tese fixada pelo STJ, respeitando-se as faixas de preservação permanente de 30 a 500 metros, ressalvadas as exceções legais.

Destarte, a publicação desta nota técnica pelo MPSC traz mais segurança à sociedade e principalmente aos proprietários dos imóveis que estavam apreensivos devido à não modulação dos efeitos do julgamento do Tema 1.010 do STJ – ou seja, a aplicação do distanciamento mínimo de 30 metros para áreas urbanas e rurais frente as situações pretéritas, presentes e futuras – de forma que, agora, é certo que seu direito adquirido deve ser respeitado e preservado para que mantenha-se a função social e econômica de sua propriedade.

Ainda, verifica-se positivo o reconhecimento da aplicabilidade da Lei 14.285/2021, eis que em pleno vigor, de forma que cabe aos poderes municipais promulgarem as respectivas leis específicas que prevejam qual o distanciamento da faixa não edificável a partir das margens dos cursos d’água naturais, respeitando-se os requisitos legais para tanto.

Nesse sentido, nota-se que a nota técnica não implica na flexibilização indistinta do que foi decidido pelo STJ, até porque caso sejam editadas leis ou emitidos alvarás de autorização de obras ou edificações com base em legislação em desacordo com a Lei 14.285/2021, serão ajuizadas as respectivas ações civis públicas com vistas à reparação ambiental.

Observa-se, portanto, que, embora com alguns pontos controvertidos, a Nota Técnica n. 1/2022/CME traz maior segurança jurídica na medida em que regulamenta o regime jurídico a ser observado nas áreas de preservação permanente.

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto