Competências ambientais

As maiores polêmicas envolvendo a questão ambiental no Brasil nas últimas décadas sempre estiveram vinculadas à competência dos órgãos públicos para o licenciamento e a fiscalização.  Havia dúvidas sobre quem deveria licenciar um empreendimento ou atividade que pudesse causar impacto ao meio ambiente, se o IBAMA, o órgão do Estado (no PR, o IAP) ou o do Município. Do mesmo modo, era intenso o debate sobre quem poderia fiscalizar uma obra ou atividade licenciada, se somente a entidade que expediu a licença ou qualquer outra.

Tudo isto devia-se ao fato de não haver uma legislação específica válida tratando sobre o tema, uma vez que a Constituição Federal de 1988 exigiu que a matéria fosse regulada através de lei complementar – cujo quórum de aprovação é mais elevado do que aquele necessário para a votação de uma lei ordinária. Na ausência desta lei, existiam interpretações de todo tipo, chegando-se alguns até a sustentar poder ser necessárias três licenças para um único empreendimento.

Neste contexto, a expedição de uma licença ambiental pelo IAP, por exemplo, não significava, em absoluto, que não se pudesse exigir que o IBAMA e/ou o Município também licenciassem a atividade, o que não raro redundava em esforços e gastos públicos absolutamente desnecessários.

Também isto se dava no tocante à fiscalização, em que o empreendedor ficava a mercê de que outro órgão que não aquele que expediu a licença viesse a questionar os seus termos.

Ou seja, a insegurança jurídica imperava.  Na verdade, havia um verdadeiro caos no SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente (formado pelos órgãos ambientais da União, Estados e Municípios).

Esta lamentável situação tende a se alterar de maneira significativa com o advento da Lei Complementar n. 140, de dezembro de 2011, que estabelece regras de cooperação entre os entes federados em matéria ambiental. Trata-se da regulamentação do art. 23, da Constituição de 1988 e que, passadas mais de duas décadas, finalmente veio a traçar um rumo a ser seguido no tormentoso tema do licenciamento e da fiscalização.

De maneira precisa, a nova lei estabelece critérios para o licenciamento de atividades potencialmente causadoras de danos ao meio ambiente. O parâmetro utilizado, a grosso modo, foi o da localização do empreendimento. Além disso, são definidas as situações que ensejam atuação do IBAMA (art. 7o), dos Estados (art. 8o) e dos Municípios (art. 9o), bem como se prevê as hipóteses de atuação supletiva (art. 15) e subsidiária (art. 16) dos órgãos ambientais. E, sepultando de vez qualquer tipo de polêmica a respeito, estabeleceu, em seu art. 13, que “os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo”. Termina-se, assim, com qualquer pretensão de se exigir mais de uma licença.

Em relação à fiscalização, a lei, no art. 17 e em seus parágrafos, adotou critério misto: a prioridade é do órgão licenciador, mas os demais podem atuar se para evitar, fazer cessar ou mitigar a degradação. Havendo mais de uma autuação, contudo, prevalece o auto imposto pelo órgão licenciador, tornando sem efeito a autuação imposta pelo órgão incompetente. Da mesma maneira, a autuação do órgão incompetente também perderá seus efeitos, caso o órgão licenciador, após analisar os motivos que levaram a autuação, conclua por sua invalidade.

Como se vê, a nova lei traçou um norte a ser seguido pelos órgãos integrantes do SISNAMA. A tendência, com a sua aplicação correta, é que se diminuam os casos de conflitos de competência administrativa. De todo modo, não se pode subestimar aqueles que são partidários do caos e, mesmo diante do novo regime, tentem imaginar hipóteses que possam gerar controvérsias a ser dirimidas pelo órgão licenciador e pelo Judiciário. Por isso, o novo texto merece atenção, para evitar que distorções indesejáveis venham a minimizar os inequívocos avanços que o mesmo representa para a sociedade como um todo.

por Marcelo Buzaglo Dantas

2012-10-03T16:09:37+00:003 de outubro de 2012|

Projeto do Novo Código Florestal

O projeto do novo Código Florestal, que já passou pela Câmara dos Deputados e pelas Comissões de Constituição e Justiça, Reforma Agrária, Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente do Senado Federal, será encaminhado ao Plenário para votação nos próximos dias. Se aprovado, retornará à Câmara dos Deputados para nova apreciação. A proposta divide-se, basicamente, em disposições permanentes, que regulamentarão a proteção das reservas florestais para o futuro, e transitórias, que buscam corrigir os erros do passado.

Das disposições permanentes do novo Código Florestal, destacam-se as inovações na regulamentação das áreas de preservação permanente (APP) De um lado, o conceito de APP atualmente em vigor é ampliado, passando também a abranger os manguezais em toda sua extensão. Do outro, o critério para definição de topos de morro como APP foi restringido, prevendo altura mínima de 100 metros e declividade média superior a 25 graus. Ainda não está claro quais serão as atividades afetadas por essa nova regulamentação.

As hipóteses que autorizam a intervenção e supressão em APP – interesse social, utilidade pública e atividades eventuais e de baixo impacto ambiental – não foram alteradas em relação à legislação em vigor, porém seus conceitos foram ampliados, especialmente o de utilidade pública.

No conceito de utilidade pública, além das obras de infraestrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e a mineração, foram incluídas as obras relacionadas às concessões e serviços públicos de transporte, sistema viário, gestão de resíduos, salineiras, telecomunicações e radiodifusão. Em consideração à Copa do Mundo de 2014 e às Olimpíadas de 2016, também foram considerados de utilidade pública os estádios e demais instalações necessárias à realização de competições esportivas municipais, estaduais, nacionais ou internacionais. Há mais uma mudança significativa: a possibilidade de outras atividades ou empreendimentos serem considerados de utilidade pública somente por ato do Chefe do Poder Executivo Federal, sendo essa faculdade vedada aos governadores e prefeitos – prática recorrente à luz da atual legislação.

Ainda quanto à intervenção e supressão em APP, vale ressaltar que o projeto não impôs a necessidade de caracterizar essas hipóteses excepcionais em procedimento administrativo próprio ou demonstrar a inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, como faz a Lei n. 4.771/65, simplificando assim esse procedimento.

A proposta regulamenta de forma mais clara o processo de aprovação da supressão de vegetação para uso alternativo do solo, pois será expedida por um único ente federativo, que em regra será o órgão estadual, deixando de haver previsão quanto à anuência dos demais entes, salvo quando autorização couber aos municípios. Vale lembrar, no entanto, que leis de biomas específicos podem tratar essa e outras matérias de forma diferente, como já o faz a Lei da Mata Atlântica e como poderá fazer os projetos de lei sobre a Amazônia, Cerrado, Caatinga, Pantanal e do Pampa, que deverão ser enviados ao Congresso Nacional no prazo de 3 anos pelo Poder Executivo Federal, nos moldes do que prevê a proposta.

A supressão de vegetação que abrigue espécie da flora ou da fauna ameaçada de extinção – que exige a adoção de medidas compensatórias e mitigadoras que assegurem a conservação de espécie – também foi tratada de forma diferente pelo projeto do novo Código Florestal. Ele expressamente indicou qual é o instrumento legal adequado para elencar essas espécies ameaçadas, qual seja: lista oficial publicada pelos órgãos federal, estadual ou municipal do SISNAMA. Assim, corrigiu lacuna da atual legislação, reduzindo a insegurança jurídica dos empreendedores.

Como principal inovação, o projeto sugere a incorporação ao Código Florestal de instrumentos econômicos para estimular a proteção ao meio ambiente, prevendo a integração dos sistemas em nível nacional e estadual, com objetivo de criar um mercado de serviços ambientais. Com efeito, autoriza o Poder Executivo Federal a instituir, no prazo de 180 dias, programa de apoio e incentivos a preservação e recuperação do meio ambiente, bem como adoção de tecnologias e boas práticas agropecuárias que conciliem na recuperação de áreas degradadas, no aumento da produtividade agropecuária e florestal, com redução dos impactos ambientais, observando-se sempre os critérios de progressividade. Desses instrumentos, destaca-se a possibilidade de estabelecer diferenciação tributária para empresas que industrializem ou comercializem produtos originários de propriedades ou posses rurais que cumpram os padrões e limites da legislação ambiental ou que estejam em processo de cumpri-los.

Por fim, as disposições transitórias preveem Programas de Regularização Ambiental (PRA) para (i) autorizar a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008; (ii) efetuar a regularização fundiária de interesse social dos assentamentos inseridos em área urbana de ocupação consolidada em APP; e (iii) efetuar a regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam APP, na forma da Lei n. 11.977/09. Os proprietários ou possuidores que desejarem regularizar sua situação por meio do PRA deverão firmar um Termo de Adesão e Compromisso (TAC) com o órgão ambiental competente e, enquanto este estiver sendo cumprido, ficam suspensasas sanções administrativas e a punibilidade dos crimes relacionadosàsupressão irregular de vegetação em APP, de Reserva Legal e de uso restrito.

No texto aprovado no Senado, remanescem ainda 77 destaques que, antes de seguir para o Plenário da casa, deverão ser analisados. Se aprovado no Plenário, o projeto retorna à Câmara dos Deputados. Lá os deputados devem optar pelo texto encaminhado pelo Senado ou pelo texto original aprovado pela própria Câmara.

Por: Buzaglo Dantas

2011-11-25T18:21:02+00:0025 de novembro de 2011|
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