OBRIGAÇÃO PROPTER REM VERSUS RESPONSABILIDADE CIVIL: PARALELOS E DIFERENÇAS

Existem dois tipos de obrigações que geram o dever de reparar no direito ambiental: a obrigação na modalidade propter rem e responsabilidade civil ambiental. A obrigação propter rem está ligada à propriedade. No contexto ambiental, isso significa que, ao adquirir um imóvel com passivos ambientais, o proprietário poderá vir a ser responsável pela reparação de eventuais danos, mesmo que não tenha contribuído de nenhuma forma para a ocorrência da irregularidade.

Tanto o Código Florestal (Art. 2º, § 2º) quanto o STJ já definiram essa regra, que culminou na edição da Súmula 623, que reúne julgados de 2009 até 2017, com a seguinte redação: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

Também restou definido no Tema 1.204 do STJ que, além do que a Súmula 623 já tinha estabelecido, fica isento da obrigação de reparar dano ambiental aquele que deixou de ser proprietário antes da ocorrência do dano, e não tenha contribuído para este. Ou seja, a obrigação propter rem atinge o proprietário atual e os anteriores, mas não pode atingir quem era proprietário antes da ocorrência do fato danoso.

Já a responsabilidade civil ambiental, embora possua traços próprios, advém significativamente da lógica civilista, e envolve uma ação ou omissão que cause dano e uma ligação (nexo causal) entre a conduta e o esse dano. Nesse caso, a responsabilidade firmada atribui ao responsável a condição de poluidor, por ser o efetivo causador do dano ambiental.

É importante distinguir que, enquanto a obrigação propter rem vem apenas da condição de proprietário, a responsabilidade civil exige esses elementos adicionais (conduta, nexo de causalidade e dano). Proprietários que não causaram danos não são considerados poluidores, mas ainda assim podem ser responsáveis pela recuperação do ambiente. Assim como poluidores que já deixaram de ser proprietários, continuam a ser responsáveis pelos danos por eles causados.

Além disso, recentemente, firmou-se no STJ o entendimento de que penalidades administrativas por infrações ambientais não podem ser aplicadas ao proprietário não poluidor, como é o caso de quem herda uma propriedade:

O entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 623 e reiterado na apreciação do Tema 1. 204 de que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem versa sobre a responsabilidade civil ambiental, estruturada para a reparação de danos ecológicos e a eliminação de suas fontes, diferentemente da multa por infração ao meio ambiente, que é aplicada com fundamento no poder sancionador do Estado e tem caráter pessoal (STJ – REsp: 1823083 – 18/06/2024)

Isso se dá pela característica do direito administrativo ambiental que confere aos infratores ambientais a nomenclatura de “transgressores” (art. 14, caput, da Lei 6.938/81), diverso do conceito de “poluidor” (art. 14,  § 1º, da Lei 6.938/81). Nesse sentido, o transgressor jamais poderá responder por ofensas ambientais cometidas por outra pessoa. E também em razão disso, a obrigação propter rem não pode ser atribuída ao proprietário que não causou o dano, mas pode tornar o proprietário civilmente responsável pela obrigação de reparar – simplesmente pela sua qualidade de proprietário.

Por: Luna Rocha Dantas

 

2025-05-19T17:30:54+00:0019 de maio de 2025|

A DEFINIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SOBRE A OBRIGAÇÃO DE NATUREZA PROPTER REM EM MATÉRIA AMBIENTAL

Noticiamos no final do ano passado (link) que o Superior Tribunal de Justiça, ao proceder a afetação dos Recursos Especiais ns. 1.962.089 e 1.953.359 sob o rito dos recursos repetitivos, definiria o alcance da obrigação propter rem em matéria ambiental, através do Tema 1.204.

A temática já era objeto da Súmula n. 623, cuja redação era a seguinte: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

Este entendimento, do qual, evidentemente, não se pode concordar integralmente, deriva da responsabilidade civil em matéria ambiental (assunto também já abordado por nós (link) , de natureza objetiva (que independe do elemento subjetivo “dolo ou “culpa”) e solidária.

Porém, ainda que objetiva, os demais elementos da responsabilidade civil clássica (ação ou omissão, nexo de causalidade e dano) precisam estar presentes para que haja um dever de indenizar.

Diferentemente do que se sustenta em livros ou mesmo julgados, mesmo na teoria do risco integral, o Superior Tribunal de Justiça não afasta a necessidade da identificação dos outros requisitos da responsabilidade civil. Por isto, no que toca ao nexo de causalidade, aplica-se a “teoria da causalidade adequada”, ou seja, somente será responsabilizado quem concorreu adequadamente, mediante ação ou omissão, para o resultado lesivo (dano).

Tanto é assim que, recentemente, ao definir a redação do Tema 1.204, realizou-se um adendo à tese sumular no sentido de afastar a responsabilidade do proprietário cujos direitos reais sobre o imóvel tenham cessado antes do acontecimento do dano, desde que o alienante não tenha participado direta ou indiretamente na realização do ato.

Eis a redação: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente”.

Destarte, é notória que a inclusão trazida ao Tema pela 1ª Seção visa resguardar o posicionamento consolidado (em sede de recurso repetitivo, inclusive) do Superior Tribunal de Justiça de adotar a “teoria da causalidade adequada” para as questões de responsabilidade civil, ainda que derivadas da matéria ambiental.

Exatamente por isto a ressalva de não responsabilizar quem não concorreu direta ou indiretamente para o cometimento do dano, já que inexiste um nexo “adequado” que justifique a condenação.

É preciso sempre estar atento ao cenário jurídico, principalmente em Brasília, de modo a evitar que muitas afirmações, que não encontram respaldo na legislação ou mesmo não retratam fielmente o que se decidiu, passem a ser verdades absolutas.

Por: Lucas Dantas Evaristo de Souza

2024-04-10T14:51:21+00:0010 de abril de 2024|

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VAI DEFINIR SE A OBRIGAÇÃO EM MATÉRIA AMBIENTAL É DE NATUREZA PROPTER REM

O eg. Superior Tribunal Justiça procedeu à afetação dos Recursos Especiais ns. 1.962.089 e 1.953.359 para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos representativos de controvérsia, por meio da edição do Tema 1.204. O intuito é que se defina se “as obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores ou, ainda, dos sucessores, à escolha do credor“.

Diante da problemática instalada, foi determinada a suspensão do processamento de todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre a temática em questão.

Tudo começou porque os acórdãos recorridos, que ensejaram o Tema 1.204, vinham de certa forma contrariando o entendimento consolidado no Poder Judiciário.

Vale dizer que, ainda que com ressalvas, a orientação dominante da jurisprudência (que decorre de normativa constante do próprio Código Florestal) é no sentido de que a obrigação de proteção ao meio ambiente, assim como de reparar os danos ambientais é propter rem, possuindo caráter acessório à propriedade, sendo irrelevante que o causador da degradação ambiental não seja o atual proprietário, pois aquele adere ao título de domínio ou posse. Ou seja, a obrigação de reparar o dano ambiental independe do fato de ter sido o proprietário o autor da degradação ambiental.

No entanto, o mais razoável seria somente aplicar esse entendimento [de que o proprietário atual é o responsável, independentemente de ter ou não dado causa ao dano ambiental] quando não se sabe quem foi o efetivo autor da conduta ilícita ou quando o causador não toma qualquer providência.

Assim, estando identificado o causador do dano ambiental, não parece legítimo que o proprietário atual que não praticou qualquer conduta, tenha de responder pelos danos causados por terceiros.

É evidente que não é uma matéria simples de ser equacionada, de modo que, parece-nos, a questão deve sempre ser apreciada sob a ótica da razoabilidade e proporcionalidade, bem como à luz do caso concreto e não aplicada indiscriminadamente. Diante disso é que o julgamento do Tema 1.204 é uma grande oportunidade para rever esse posicionamento.

Por: Marcela Dantas Evaristo de Souza

2023-09-06T17:34:16+00:006 de setembro de 2023|
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