Os desafios da sustentabilidade ambiental na gestão dos recursos hídricos: o papel do Direito e do Poder Público no Brasil e na Espanha
No último dia 09 de abril, o Dr. Marcelo Buzaglo Dantas, em participação no Seminário Espanhol-Brasileiro sobre “Sustentabilidade na Gestão da Água e segurança do abastecimento”, promovido pela Universidade de Alicante, na Espanha, proferiu a palestra “Os desafios da sustentabilidade ambiental na gestão dos recursos hídricos: o papel do Direito e do Poder Público no Brasil e na Espanha” (Los retos de la sostenibilidad ambiental en la gestión de los recursos hidráulicos: El papel del derecho y de los poderes públicos en Brasil y en España).
De fato, dentre todos os recursos ambientais a água é, sem dúvidas, o mais importante, dela dependendo a sobrevivência de todas as formas de vida conhecidas. Além de indispensável à vida, a água doce é a base da maior parte das atividades econômicas e sociais, como agricultura, abastecimento público, geração de energia, indústria e pecuária.
O Brasil detém cerca quinze por cento de toda a água doce existente no mundo e possui bacias hidrográficas de enorme relevância, a exemplo das bacias do Rio Amazonas, São Francisco, Paraguai e Uruguai, possui uma especial responsabilidade nesse tipo de assunto. Ainda, possui a maior rede hidrográfica do mundo e extensas reservas subterrâneas, como o Aquífero Guarani, a principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul.
No entanto, apesar de o Brasil ser privilegiado pela disponibilidade de recursos hídricos, a distribuição no território é desigual e os problemas são alarmantes, mostrando-se fundamental compatibilizar o crescimento econômico e social com a preservação do meio ambiente.
Segundo levantamento do Ministério do Meio Ambiente, 68% do volume de água no Brasil está na região Norte, onde vivem apenas 8,5% da população. Na outra ponta está o Nordeste, que possui a menor disponibilidade hídrica do País: 3%. O Centro-Oeste possui 16%; o Sul, 7%; e o Sudeste, que concentra 42% da população brasileira, dispõe de apenas 6%. Como se percebe, em algumas regiões o potencial hídrico é grande, enquanto em outras há falta crônica de água.
Outra questão que merece ser lembrada é a atual crise de abastecimento vivenciada pelo país e que, consequentemente, reflete no setor elétrico, uma vez que, no Brasil, a maior parte da energia é produzida nas hidrelétricas, que dependem de água em níveis adequados em seus reservatórios para gerar energia.
A crise energética evidenciou ainda um problema que até então não despertara preocupação suficiente pelo poder público: a iminente crise da água, resultado da superexploração e falta de preocupação ambiental com os mananciais.
Como bem assinalou o Supremo Tribunal Federal, “o meio ambiente não é incompatível com projetos de desenvolvimento econômico e social que cuidem de preservá-lo como patrimônio da humanidade. Com isso, pode-se afirmar que o meio ambiente pode ser palco para a promoção do homem todo e de todos os homens” (AgRg na Medida Cautelar na Ação Cível Originária n. 876-0, da Bahia, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, in DJe 31/7/08).
No entanto, para que se promova o desenvolvimento sustentável das comunidades humanas, é imprescindível que a preservação do meio ambiente seja assegurada, garantindo às futuras gerações o uso dos recursos naturais hoje disponíveis.
Nesse contexto, o Direito assume um papel fundamental na gestão dos recursos hídricos.
O Código de Águas (Decreto n. 24.643/1934) foi o primeiro diploma a abordar especificamente a proteção da qualidade da água no Brasil. Na sequência, o tema foi privilegiado pela Constituição Federal de 1988 e, enfim, pela Lei n. 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que concretizou os anseios nacionais, instituindo a Política Nacional de Recursos Hídricos no Brasil, com o intuito de sistematizar os instrumentos de proteção dos recursos hídricos através do princípio da gestão por bacia hidrográfica e desta forma contribuir para a proteção dos recursos naturais.
No Brasil, destaca-se ainda a ANA – Agência Nacional de Águas. Criada como desdobramento da Lei n. 9.443/97 (também conhecida como Lei das Águas), cabe à ANA disciplinar a implementação, a operacionalização, o controle e a avaliação dos instrumentos de gestão criados pela Política Nacional de Recursos Hídricos. Dessa forma, seu espectro de regulação ultrapassa os limites das bacias hidrográficas com rios de domínio da União, pois alcança aspectos institucionais relacionados à regulação dos recursos hídricos no âmbito nacional.
Além do Direito, é primordial ainda a atuação direta e efetiva do Poder Público na gestão dos recursos hídricos, através de políticas públicas que possibilitem inovação e sustentabilidade.
Dentre as atuais ações do Poder Público brasileiro rumo à conservação da água, vale ressaltar o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional. O projeto é um empreendimento do Governo Federal, sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional. Tem objetivo de assegurar oferta de água para 12 milhões de habitantes de 390 municípios do Agreste e do Sertão dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.
As obras do Projeto de Integração do São Francisco estão em andamento e apontam mais de 55,5% de avanço. Estão em construção túneis, canais, aquedutos e barragens na maior obra de infraestrutura hídrica do pais. O empreendimento está previsto para ser concluído no final de 2015.
O Projeto contempla ainda 38 ações socioambientais, como o resgate de bens arqueológicos e o monitoramento da fauna e flora. O investimento nestas atividades é de quase R$ 1 bilhão.
Outrossim, destaca-se o projeto Produtor de Água, iniciativa da ANA – Agência Nacional de Águas – que tem como objetivo a redução da erosão e assoreamento dos mananciais nas áreas rurais. O programa, de adesão voluntária, prevê o apoio técnico e financeiro à execução de ações de conservação da água e do solo, como, por exemplo, a construção de terraços e bacias de infiltração, a readequação de estradas vicinais, a recuperação e proteção de nascentes, o reflorestamento de áreas de proteção permanente e reserva legal, o saneamento ambiental, etc. Prevê também o pagamento de incentivos (ou uma espécie de compensação financeira) aos produtores rurais que, comprovadamente contribuem para a proteção e recuperação de mananciais, gerando benefícios para a bacia e a população.
Na Espanha, por sua vez, a gestão da água se mostra como um elemento fundamental na política de desenvolvimento econômico do país, já que tem reflexos em vários outros setores, como o agrícola e o da produção de energia elétrica, e fatores como secas, poluição dos recursos hídricos e superexploração dos aquíferos são problemas vivenciados no país.
No país ibérico, a Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa de 23 de Outubro de 2000 estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água. Esta política, denominada Diretiva Marco da Água (DMA), introduz uma nova perspectiva sobre a política da água para os Estados-Membros da União Europeia.
Ainda na Espanha, a Lei de Águas de 1985, com a atual regulamentação dada pelo “Real Decreto Legislativo 1/2001”, aborda temas fundamentais como a natureza pública das águas, o planejamento hidrológico e as organizações das bacias.
Essencial, pois, que Brasil, Espanha e demais nações envidem esforços com vistas a promover a sustentabilidade ambiental na gestão dos recursos hídricos, garantindo a conservação de recursos sabidamente escassos e primordiais à vida humana.
Por: Buzaglo Dantas