A vergonha da impunidade

Mesmo num pequeno livro como o “Peso da borboleta”, de Erri de Lucca, pode-se ver um texto denso, reflexivo e realista. É um desses autores que insinuam o colapso de valores e a negativa do direito de sonhar, deduzindo-se que se vive na obscura era das incertezas e dos males da corrupção.

Assim, quando nos deparamos, diária e crescentemente, com um desfile de sucessivos e escabrosos escândalos expostos com regularidade e desnudados cruamente aos olhos do país, chega-se, então, ao cerne da malha de relacionamentos das forças políticas e econômicas que se apropriam criminosamente do dinheiro dos contribuintes. O quadro é alarmante e o nível das revelações ilícitas impressiona. No mais “Qualquer cidadão se apercebe do quão leniente a lei fica ao se aproximar dos poderosos” (Sérgio Telles, O Estado de São Paulo, 23.7.2011, p. D14), embora a contida Justiça já tenha até condenado Cacciola.

Por mais que seja óbvio repetir, imprensa e polícia asseguram com que os escândalos sejam conhecidos por todos, inclusive pela dimensão e gravidade dos métodos utilizados, fazendo com que os sentimentos de insegurança dos cidadãos aumentem em face da constrangedora impunidade. Só nos resta continuar confiando na mídia investigativa como uma luz na escuridão, ocasionada pela nuvem negra e carregada de desencantos provenientes dos votos desperdiçados.

Em nossos tempos, malandramente, os que lesam o patrimônio público se escondem por trás das instituições de que fazem parte, consequência de administrações de má-fé onde tudo é possível aos agentes públicos.

Hoje, quando regras e princípios formam escudos corporativos cheios de imunidades, paternalismos e nepotismos indiretos, veem-se matilhas sempre afiando as unhas e os dentes à espera da hora de refestelarem-se nas engrenagens institucionais, com desprezo à opinião pública que almeja retidão de caráter e decência apesar de, entre nós, já concebam a idéia de que estão apenas no terreno da ficção, pois a sociedade está condenada.

Nesses casos, tornam-se inglórios os embates contra os malfeitos, havendo lógica e mórbida lucidez dos quadrilheiros que agem mediante propinas, motivo suficiente para que todos os tipos de corrupção passem a ser legalizados, dando-lhes legitimidade, cobrando-se impostos e concessão aos benefícios previdenciários. Seria uma nova forma de melhor realizar o Direito, inaugurando-se uma pseudoética política (Max Weber).

A lerdeza do judiciário, fonte primeira de impunidade, facilita o combate à corrupção dos péssimos políticos que vicejam mais que ervas daninhas. A mudança de métodos e gestão de trabalho, além de uma mentalidade adequada aos tempos modernos, poderiam, sem dúvida, trazer credibilidade e confiança ao sofrido cidadão.

Enfim, é inadmissível essa dormência coletiva, criada pela apatia, insensibilidade e acracia, conivente com a incapacidade e oportunismo daqueles que fazem da política a realização da deontologia dos resultados ilícitos.

Por Volnei Carlin