BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DO ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA

Consolidado na Seção XII do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), o instituto do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) representa uma importante ferramenta para o processo de ordenamento e ocupação do espaço urbano. Trata-se de um compilado de informações acerca dos efeitos – sejam eles positivos ou negativos – que eventual empreendimento trará para seus entornos.

Seu objeto, em linhas gerais, abarca todos os aspectos sobre os quais haverá influência do novo edifício, tais como adensamento populacional, necessidade de equipamentos urbanos e comunitários, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte público, ventilação, iluminação, paisagem, patrimônios artístico e cultural, entre outros.

Em outras palavras, na verdade, o EIV não possui outra função senão a avaliação da extensão dos impactos urbanísticos que serão causados por um novo edifício, caso a municipalidade entenda pela existência desses efeitos. E nesse ponto se encontram duas questões fundamentais à compreensão desse instrumento.

O primeiro é que nem todos os projetos de edificação dependem de sua elaboração para que sejam aprovados, mas apenas aqueles que representarem efetivo impacto ao ambiente urbano, nos termos ato regulamentador a ser produzido pela municipalidade. Nos casos em que não existem efetivas repercussões urbanísticas do empreendimento, não há porque o município exigir o EIV, uma vez que seu conteúdo estaria absolutamente esvaziado.

É que esse instituto teve como embrião uma gama de leis municipais que exigiam relatórios de impacto urbanístico para atividades que fossem causadoras de repercussões na esfera ambiental e urbanística. Nesse sentido, na palavra de Hely Lopes Meirelles, “mesmo antes do advento da referida lei, algumas Leis Orgânicas, como a do Município de São Paulo passaram a exigir, para a implantação de obras que tenham significativa repercussão ambiental ou na infraestrutura urbana, a apresentação pelo interessado de Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI)” (Direito de Construir. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 51 – grifo nosso).

A incidência do EIV apenas em algumas situações, inclusive, pode ser depreendida da própria leitura do art. 36 do Estatuto da Cidade, cujo texto disciplina que:

Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

Afinal, se é necessário que o ente municipal defina quais empreendimentos exigem a elaboração do EIV, há de se presumir que o estudo não é exigível a todos.

E aí reside também o cerne do segundo ponto de atenção: se a Lei Federal delega à municipalidade que liste para quais projetos é necessária a elaboração desse instrumento, caso o ente público municipal não exerça seu papel regulamentador, inexiste obrigação de realizar o EIV.

Isso porque, em inexistindo norma que defina quais empreendimentos merecem e quais não merecem a realização do estudo, eventual necessidade de EIV estaria submetida à mera discricionariedade do ente público licenciador, de modo a trazer significativa insegurança à atividade imobiliária.

Esse tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, em mais de uma oportunidade, entendeu incabível a exigência de EIV nos casos em que não há norma municipal regulamentadora. Vide: 1) Agravo de Instrumento 2012.081671-6, Rel. Des. Rodolfo C. R. S. Tridapalli, de São José, Segunda Câmara de Direito Público, j. em 09/12/2014; 2) Apelação Cível n. 2015.023128-5, de Itajaí, rel. Rodolfo C. R. S. Tridapalli, Segunda Câmara de Direito Público, j. 18/8/2015; 3) Apelação Cível n. 2014.054162-6, de Itajaí, rel. Vanderlei Romer, Terceira Câmara de Direito Público, j. 08-09-2015, entre outras.

Há decisão, inclusive, bastante recente em caso em que se discutia a possibilidade de o Município de Itajaí – para o qual ainda não há norma regulamentadora do EIV – exigir a elaboração do referido estudo. No caso em tela, o Desembargador Sergio Roberto Baasch Luz homenageou a jurisprudência da corte estadual catarinense, a fim de suspender os efeitos de decisão que impediu o licenciamento de certos empreendimentos no Município de Itajaí sem a prévia elaboração do estudo.

Portanto, ao passo que o Estudo de Impacto de Vizinhança é instrumento fundamental para o saudável crescimento e ordenamento do espaço citadino, é imprescindível que o Município exerça seu papel de colorir, com as especificidades da realidade local, a moldura oferecida pela legislação federal. Trata-se não apenas de um movimento de aperfeiçoamento desse instituto frente à heterogeneidade do território pátrio, mas, sem dúvida, de adoção da segurança jurídica como política pública.

Por: João Pedro Carreira Jenzura

2022-11-10T10:48:57+00:0010 de novembro de 2022|

ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL NO DIREITO AMBIENTAL

O acordo de não persecução penal (ANPP), novidade no ordenamento jurídico, surgiu no chamado “pacote anticrime”, no início do atual Governo. Previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal, o instrumento é mais uma ferramenta a ser utilizada por aqueles que não desejam levar adiante um processo criminal (como também o são a transação penal e a suspensão condicional do processo – SURSIS).

Por ser algo recente, as questões atinentes à ANPP ainda são objeto de muitas controvérsias e questionamentos. O primeiro caso que ensejou a questão no Supremo Tribunal Federal foi o Habeas Corpus n. 185.913/DF), em que se buscava a aplicabilidade retroativa do acordo de não persecução penal (ANPP) em processo pendente de julgamento.

A possibilidade de aplicação do instituto aos processos em curso tem sido objeto de intensos debates doutrinários e jurisprudencial no que diz respeito à sua natureza e consequente retroatividade mais benéfica. O relator, Ministro Gilmar Mendes, ao proferir seu voto, deixa claro que o marco para análise do cabimento da ANPP deve ser a situação do processo na data da entrada em vigência da legislação.

Ressaltou-se que a questão é de absoluto interesse Constitucional (art. 5º, inc. XL, da CR/88), tendo em vista que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.” Após discorrer a respeito do assunto, fixou entendimento de que: “é cabível o acordo de não persecução penal em casos de processos em andamento (ainda não transitados em julgados) quando da entrada em vigência da Lei 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento. Ao órgão acusatório cabe manifestar-se motivadamente sobre a viabilidade de proposta, conforme os requisitos previstos na legislação, passível de controle, nos termos do Art. 28-A, § 14, do CPP.”

Sob a ótica ambiental, cujo entendimento é inteiramente aplicável, importa ressaltar que, assim como acontece com os outros institutos da lei do juizado especial, independentemente de qual seja a etapa processual, a realização da ANPP pressuporá a reparação do dano causado, salvo se mediante documentação técnica se demonstrar que não é mais possível ou que o impacto ambiental será muito maior do que a manutenção do status, o que ensejará medidas compensatórias alternativas.

O tema ainda é muito novo, as discussões estão fervorosas, resta-nos aguardar para saber de que forma o Poder Judiciário vai aplicar o ANPP e as consequências disto em âmbito criminal ambiental.

Por: Renata d’Acampora Muller

2022-10-26T13:29:31+00:0026 de outubro de 2022|

TJSP REVOGA ORDEM DE DEMOLIÇÃO DE IMÓVEL E APLICA OS FUNDAMENTOS DA LEI 13.465/2017 – LEI DA “REURB”

Desde a edição da Lei n. 13.465/2017 (a conhecida “Lei da REURB”), que acrescentou os arts. 64 e 65 à Lei 12.651/2012 (Código Florestal), possibilitando a regularização de imóveis em áreas de preservação permanente e unidades de conservação de interesse sustentável, tem-se discutido sobre seus parâmetros e formas de aplicação.

Nesses mais de 5 anos desde a publicação dessa política pública, muitos “mitos” têm sido levantados na tentativa de “resistir” à sua plena aplicação: “a Lei da REURB não se aplicaria para áreas de risco”; seria inviável “a regularização de imóveis que se configuram como segunda residência”; “não caberia REURB para imóveis comerciais”; “a regularização não poderia atingir áreas com ordem de demolição (administrativa e/ou judicial)”, e por aí vai.

Afora o fato de que nenhuma dessas questões é efetivamente inviabilizada pela norma (o que por si só já nos permite concluir de forma genuína que, pelo princípio da legalidade, são situações permitidas – e não o contrário) é preciso se atentar para o desígnio da legislação – que, em última análise, é a possibilidade de regularização das esferas urbanística, ambiental, social, edilícia e/ou registral de núcleos urbanos informais.

Nessa ordem de ideias e de maneira a desmistificar um dos impasses acima relatados, o TJSP possibilitou a regularização fundiária urbana em área cuja ordem de demolição já havia sido determinada em sentença transitada em julgado.

Segundo entendeu aquele eg. Tribunal, os arts. 64 e 65 do Código Florestal autorizam “[…] a regularização de núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, desde que aprovado projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana.”

Desse modo, nos termos do que concluiu o julgado em questão, não há “lesão à coisa julgada”, mas sim a plena possibilidade de regularização da área com base em norma legal vigente. Já eventual “recomposição” necessária para salvaguardar os interesses do meio ambiente há de ser estabelecida no âmbito de processo de REURB junto ao Município, após os estudos específicos.

A decisão, a nosso ver, é de todo acertada e vai ao encontro dos fundamentos e objetivos estipulados pela Lei n. 13.465/2017.

Acórdão: TJSP; Apelação Cível 1003464-05.2018.8.26.0642; Relator (a): Mauro Conti Machado; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente; Foro de Ubatuba – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/08/2022; Data de Registro: 01/09/2022.

Por: Fernanda de Oliveira Crippa

2022-10-20T19:44:48+00:0020 de outubro de 2022|

ATIVIDADE EMPRESARIAL POLUIDORA QUE PROVOCOU RISCOS À SAÚDE DE CONSUMIDOR GERA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Em julgamento recente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao recurso especial interposto pela empresa JBS Aves Ltda., que buscava afastar condenação ao pagamento de danos morais à vítima de dano ambiental, gerado por atividade empresarial poluidora a qual provocou riscos à saúde do consumidor.

O caso em análise começou com o ajuizamento da ação contra a JBS, em sua unidade no município de Passo Fundo (RS), requerendo indenização por danos morais e a cessação da atividade poluente, sob o argumento de que a empresa atuava de forma irregular e estaria causando poluição sonora e atmosférica, com produção de ruído intenso, emissão de fuligem, gases e odores fétidos.

Em virtude das emissões geradas, o autor alegou problemas de saúde decorrentes do ambiente insalubre: sintomas de intoxicação causada pela falta de oxigênio, fortes dores de cabeça, fadiga, ardência nos olhos, náusea, diarreia, vômito e mal-estar.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) entendeu que o autor da ação poderia ser equiparado a consumidor e aplicou ao caso as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC), inclusive a inversão do ônus da prova, já que foi constatada sua hipossuficiência.

Em grau de recurso, o STJ entendeu que “equipara-se ao consumidor para efeitos legais aquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do evento danoso decorrente do defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica”.

A empresa, que já tinha sido notificada em razão da poluição atmosférica por meio de inquéritos civis e processos administrativos, não conseguiu comprovar que o dano ambiental não existiria, pois deixou de realizar prova técnica apta a demonstrar que sua atividade não prejudica o meio ambiente.

Assim, em virtude da caracterização do acidente de consumo, decorrentes do exercício de atividade empresarial poluidora destinada à fabricação de produtos para comercialização, entendeu-se possível o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atraiu a incidência das disposições do CDC.

Desse modo, para o STJ, o acidente de consumo não decorre somente do dano causado pelo produto em si, mas também pode surgir do próprio exercício da atividade empresarial poluidora, de modo a caracterizar responsabilidade civil da empresa e a consequente condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Portanto, as empresas que exercem atividades potencialmente poluidoras precisam redobrar os cuidados para evitar acidente de consumo decorrente de falhas no processo produtivo a ponto de causar riscos à saúde da população e caracterizar responsabilidade civil.

Por: Elisa Ulbricht

2022-10-05T19:29:17+00:005 de outubro de 2022|

INSTITUTO DO MEIO AMBIENTE DE SANTA CATARINA EDITA ENUNCIADO SOBRE A QUESTÃO DA VEGETAÇÃO DE RESTINGA

O Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina – IMA, órgão ambiental do estado catarinense, editou recentemente o Enunciado Técnico Nº 004/2022/IMA /DIRA/GELAR/GELAE/GEPAM, que apresenta diretrizes a serem observadas em relação aos processos de licenciamento/autorização de corte em áreas com a presença da vegetação de restinga.

A norma, de poucos artigos, porém bastante esclarecedora, visa facilitar a análise dos técnicos na identificação/caracterização da vegetação de restinga, tema dos mais tortuosos tanto do ponto de vista técnico quanto jurídico.

Isso porque, não é novidade, a vegetação de restinga possui proteção em duas leis distintas: Novo Código Florestal (art. 4º, VI) e Lei do Bioma da Mata Atlântica (art. 2º); e também em uma resolução, a malfadada CONAMA n. 303/02. No primeiro caso, será considerada de preservação permanente se possuir as funções de fixar dunas ou estabilizar mangues. Nesse caso, a intervenção somente será autorizada em caso de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental.

Se não tiver as ditas funções, pertencerá a segunda norma e, como tal, poderá ser utilizada nos limites do que permite aquela legislação. De outro lado, quando houver solo de restinga, a determinada distância da costa (300 metros da linha de preamar), aplica-se a terceira norma, que a caracteriza também como de preservação permanente.

Não obstante pareça um cenário fácil de equacionar, já que cada norma define uma diferente espécie de proteção, há entendimento (que durante algum tempo foi aplicado no Estado de Santa Catarina) que a vegetação de restinga, pura e simplesmente, sem qualquer função geomorfológica, seria caracterizada como de preservação permanente.

O assunto, embora ainda não finalizado, sofreu análise por parte do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, por ampla maioria, decidiu que somente será caracterizada como de preservação permanente se possuir função de fixar dunas ou estabilizar mangues, não se podendo extrapolar os limites do que definiu o legislador (https://buzaglodantas.adv.br/2015/07/29/tribunal-de-justica-de-santa-catarina-decide-sobre-a-vegetacao-de-restinga/)

Daí a importância da normativa interna do IMA, que, nada mais fez do que consolidar o entendimento que já vinha sendo adotado em seus pareceres técnicos/jurídicos: considerar como área de preservação permanente somente quando a vegetação de restinga possuir as funções delineadas e definir quando uma área não pode ser caracterizada como remanescente de restinga.

Para identificar, portanto, haverá a necessidade de uma avaliação técnica criteriosa da área. Para isso, devem-se observar alguns procedimentos, tais como: (i) levantamento histórico de imagens aéreas da área; (II) levantamento de campo, caracterizando as distintas zonações locais quanto a morfologia e estratificação dos depósitos sedimentares; (III) levantamento dos possíveis estágios sucessionais de ocorrência, com base na caracterização do solo ou substrato local; (IV) levantamento florístico, indicando as espécies; (V) outros que se julgarem pertinentes.

Após esta análise detalhada, realizada pela documentação apresentada e vistoria in loco, se for identificada vegetação de restinga (listagem das espécies indicadoras prevista nas Resoluções CONAMA ns. 261/99 e 417/11), verificar-se-á se possui, ou não, as ditas funções e, assim, o enquadramento necessário (se área de preservação permanente ou pertencente ao bioma Mata Atlântica e, nessa hipótese, o estágio sucessional será determinante para autorizar o corte).

Se, por acaso, for identificada a existência de espécies ruderais nativas ou exóticas e a área já for antropizada, mediante atividades pretéritas de agricultura, pastagens, florestas plantadas, etc, a área perde as características de remanescente de restinga, nos termos do art. 6º da Resolução CONAMA 417/09, deixando de ser um ambiente protegido.

Por: Marcela Dantas Evaristo de Souza

2022-09-29T12:47:56+00:0029 de setembro de 2022|

DISCUSSÃO SOBRE A COMPETÊNCIA DE RENOVAÇÃO DE LICENÇA AMBIENTAL VAI AO PLENÁRIO DO STF

É sabido que umas das maiores polêmicas que envolvem a questão ambiental no Brasil é a competência para o licenciamento e fiscalização. Com o advento da Lei Complementar n. 140/2011, embora o assunto devesse estar equacionado, a prática não revela isso.

É que, a referida legislação, tratou de regulamentar o art. 23, p.ú, da Constituição Federal de 1988, ou seja, definiu regras claras de cooperação entre todos os entes federativos, traçando um rumo a ser seguido no tempestuoso tema do licenciamento e da fiscalização.

Entretanto, acabou por trazer algumas brechas, que dão margem à interpretação e, não necessariamente, garantem segurança jurídica. Destarte, para por um fim a discussão acerca da necessidade de se exigir mais de uma licença ambiental, estabeleceu que “os empreendimentos e atividades são licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo” (art. 13). Não obstante, na sequência, admite que não necessariamente será o órgão licenciador o único a fiscalizar a atividade, desde que haja dano iminente (palavra de subjetividade ímpar), prevalecendo, em caso de dupla imputação, a de quem licenciou.

Contra alguns dispositivos da lei, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4757. Após anos de tramitação, o voto da relatora (Ministra Rosa Weber), buscando solucionar a inação que pode costumeiramente ocorrer na administração pública, foi no sentido de que caso haja omissão ou demora na manifestação definitiva sobre os pedidos de renovação das licenças ambientais, podem os outros entes atuarem em caráter supletivo.

Ou seja, se a competência do licenciamento é do Estado e este não a fizer de maneira célere, a União poderá desempenhar tal papel; ou ainda, caso seja do Município, o Estado assumir a responsabilidade.

Demais disso, entendeu que uma vez lavrado o auto de infração pelo órgão competente a atuação de outro ente federado não fica excluída, desde que se comprove omissão na ação fiscalizatória de quem deveria fazê-lo (órgão licenciador).

Agora, a discussão vai ao Plenário do Supremo Tribunal Federal para validar, ou não, o voto da relatora. Seja qual cenário se apresentar futuramente, é fato que a chamada Lei de Competências Ambientais foi um avanço muito significativo na matéria, mas, assim como grande parte das legislações, deixou lacunas, margens interpretativas, que ao final e ao cabo, mantém a insegurança jurídica ambiental.

Por: Monique Demaria

2022-09-21T13:07:51+00:0021 de setembro de 2022|

ESG É SUSTENTABILIDADE?

Com o fortalecimento da discussão sobre a implantação do ESG no Brasil, muito tem se discutido acerca do que se trata efetivamente esse novo termo, em especial se seria um sinônimo de sustentabilidade.

ESG é uma sigla em inglês que significa a abreviação dos termos “Environment, Social  Governance”, ou seja, “Ambiental, Social e Governança”, e que surgiu pela primeira vez no Relatório da Organização das Nações Unidas – ONU denominado “Who Cares Wins”, que significa “ganha quem se importa”.

Mas se trataria então de um novo nome para a sustentabilidade!? Certamente não!

O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu no final da década de 1980, com a publicação do Relatório Brundtland: Our common future pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (World Commission on Environment and Development).

Na ocasião, ficou definido que se trata de um “modelo de desenvolvimento que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem afetar a capacidade de gerações futuras de também satisfazer suas próprias necessidades” (UNITED NATIONS WORLD COM-MISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT, 1987).

Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento é representado pela conciliação entre o desenvolvimento, a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida.

No Brasil, o tema passou a integrar as nossas normas, conforme se nota do artigo 4º, inciso I, da Política Nacional do Meio Ambiente, Lei Federal nº 6.938/1981, e até mesmo a nossa própria Constituição Federal, incluindo, inclusive, a necessidade de observância do princípio da defesa do meio ambiente na ordem econômica (art. 170, VI).

Tal conceito, inclusive, ganhou novos contornos atualmente, de modo que é mais correto falar em sustentabilidade do que em desenvolvimento sustentável, já que se trata de termo mais amplo, que abarca diversas dimensões além da ambiental, como social, econômica, cultural, tecnológica, dentre outras.

No entanto, ESG é o olhar do mercado para a sustentabilidade! ESG é a maneira de integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais.

Ou seja, trata-se de um programa que deverá ser adotado pelas empresas e instituições públicas a fim de colocar na prática medidas de proteção e preservação do meio ambiente, de proteção à saúde e segurança de seus colaboradores e da comunidade, estimulando políticas de inclusão e de diversidade. Tudo isso de maneira a garantir uma transparência financeira e contábil, construindo uma relação de confiança com todos os stakeholders e o mercado.

Assim, ESG não é sinônimo de sustentabilidade, mas, sim, a forma de medir o impacto da sustentabilidade nos resultados. Ou seja, trata-se da sustentabilidade como ativo do mercado, como maneira de trazer, em números, o quanto custaria para efetivamente construirmos uma sociedade mais sustentável.

Por: Gabriela Giacomolli

2022-09-15T20:47:31+00:0015 de setembro de 2022|

PUBLICADA A MINUTA PRELIMINAR DA ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR DE FLORIANÓPOLIS

A cidade de Florianópolis está passando por um momento paradigmático para a organização e o desenvolvimento de seu espaço urbano: a revisão do Plano Diretor instituído em 2014. O processo, que vem sendo aprofundado no decorrer dos últimos meses, decorre da disposição específica do Estatuto da Cidade que, em seu art. 39, §3º, exigiu a revisão dos Planos Diretores a cada 10 anos. Esse comando pela revisitação ao tema a cada década tem como objetivo evitar um “enferrujamento” dos instrumentos de ordenamento urbano, de modo a manter a legislação urbanística municipal sempre conectada à realidade hodierna da polis.

Na capital catarinense não é diferente. Mesmo antes de findos os dez anos estabelecidos pela lei, Florianópolis já iniciou o processo de discussão do novo plano, a fim de atender os justos anseios da sociedade civil em relação ao futuro de seu território.

A revisão ganhou seus primeiros contornos no último dia 27 de agosto, quando foi apresentada a minuta do novo texto. Na redação, é possível identificar a inclusão de novas diretrizes para o ordenamento da cidade, bem como a mudança de dispositivos que não se adequaram bem ao dia-a-dia jurídico-urbanístico da cidade.

Dentre essas novas e mais modernas diretrizes, cabe citar os dispositivos referentes às vias públicas, sobretudo em relação à política viária da capital. O artigo 25, por exemplo, traz em seu inciso primeiro a observação das previsões do sistema cicloviário como pré-requisito para a reforma da pavimentação e da sinalização das vias.

O novo texto trouxe também uma resposta para situações de conflito geradas pelo diploma anterior. O art. 44-A, por exemplo, estabelece a criação de um procedimento de reavaliação de áreas consideradas como de Preservação Permanente pelo município, nos casos em que há divergência acerca de suas características. Afinal, desde a edição do último Plano Diretor e de seus anexos, várias áreas carentes de funções ecológicas e de características próprias de APP foram zoneadas como tal, de modo que foi impedida a edificação aos proprietários. Nos termos da nova redação, poderão ser alterados os parâmetros urbanísticos indicados pela legislação municipal se verificado, em procedimento próprio, que não há razão jurídico-ambiental que justifique a natureza de non-aedificandi.

Trata-se de algumas das muitas mudanças trazidas pelo novo texto. As demais podem ser consultadas no site do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Florianópolis – IPUF, onde foi publicada a nova minuta, em documento de invejável didatismo, onde são discriminadas as mudanças e as diferenças entre a nova redação e a antiga.

Cabe citar que trata-se de mera minuta, que sequer foi submetida ao exame da câmara dos vereadores. Portanto, muitas mudanças podem – e deverão – ocorrer no decorrer do processo legislativo.

Por: João Pedro Carreira Jenzura

2022-09-06T19:31:45+00:006 de setembro de 2022|

A (IM)POSSIBILIDADE DA PESSOA JURÍDICA RESPONDER POR CRIME AMBIENTAL NA MODALIDADE CULPOSA

Os temas correlacionados a responsabilização penal da pessoa jurídica em matéria criminal ambiental nos últimos tempos vem ganhando destaques.

Como exemplo, pode-se mencionar o entendimento, antes unânime, da jurisprudência no sentido de adotar a teoria da dupla imputação – pessoa jurídica não pode responder isoladamente por crime ambiental. Hoje, devido a um julgado do Supremo Tribunal Federal (RE n. 548.181/PR), não há mais a necessidade de figurar a pessoa física como denunciada para que a ação criminal prossiga tão somente em relação à pessoa jurídica.

Na prática, ainda é corriqueiro identificar denúncias que envolvem tanto a pessoa jurídica quanto pessoa(s) física(s), sem o titular da ação penal individualizar as condutas atribuídas a cada uma dela(s), incluindo, por exemplo, apenas a(s) pessoa(s) física(s) pela condição que exerce(m) dentro da sociedade (gerente, administrador ou mesmo sócio).

Outra situação, esta muitíssimo recente, refere-se a decisão proferida pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 1.977.172) – composta pelos Ministros responsáveis por julgar as questões criminais naquele Tribunal Superior – que decidiu, por apertada maioria de votos, que, extinta legalmente a pessoa jurídica, há a consequente extinção de sua punibilidade, pois não se pode condenar um “morto”.

Trata-se de decisão inovadora no mundo jurídico, mas que faz todo o sentido pela aplicação dos princípios que regem o direito penal, em especial o da intranscendência da pena (pessoalidade).

De outro lado, há uma questão que, diferentemente das acima mencionadas, ainda não parece ter um posicionamento definitivo: a (im)possibilidade da pessoa jurídica cometer crime ambiental na modalidade culposa.

Assim como acontece nos crimes regidos pelo Código Penal, a Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605/98), também admite que os tipos penais venham a ser cometidos mediante culpa e não apenas de forma dolosa. Entende-se por crime culposo aquele em que o agente não queria nem assumiu o resultado (sem intenção). O crime doloso, por sua vez, é aquele em que o agente assume e deseja o resultado (com intenção).

Até onde se tem conhecimento, ainda não há nenhuma decisão judicial que tenha adentrado especificamente ao tema. Quem defende a impossibilidade da pessoa jurídica responder na modalidade culposa o faz por acreditar que se trata de uma figura fictícia, sem personalidade jurídica própria. Basicamente, a mesma tese que era defendida para sustentar a impossibilidade da pessoa jurídica responder por crime ambiental ou, se assim fosse, a necessidade de vinculação à uma pessoa física (teoria da dupla imputação) – hoje, ambos assuntos superados.

Com o devido respeito a quem pensa em sentido contrário, o argumento não seduz, na medida em que, se assim fosse, não haveria a possibilidade de responsabilização da pessoa jurídica em matéria ambiental. Ora, se a Constituição Federal permitiu que a pessoa jurídica responda por crime ambiental (art. 225, §3º), por certo não há qualquer distinção em fazê-lo na modalidade dolosa ou culposa, sob pena de se negar a aplicação de garantias fundamentais se utilizando das mesmas peculiaridades de argumentos.

Por certo, trata-se de situação que em algum momento precisará ter um pronunciamento único por parte da jurisprudência, na medida em que o cometimento de um crime culposo pode resultar em algumas circunstâncias que favorecerão a pessoa jurídica, principalmente por que há diminuição significativa do máximo da pena, o que significa interferência direta no instituto da prescrição e possibilita a celebração de acordos em âmbito do processo/procedimento criminal.

Por enquanto, à mingua da inexistência de decisão em sentido contrário, não nos parecer haver óbice algum para que haja a responsabilização da pessoa jurídica em matéria ambiental na modalidade culposa.

Por: Lucas Dantas Evaristo de Souza

2022-08-31T14:48:01+00:0031 de agosto de 2022|

A IMPORTÂNCIA DE REGULAMENTAR O MERCADO DE CRÉDITOS DE CARBONO NO BRASIL

O mercado de créditos de carbono é um dos principais instrumentos para a redução das emissões de gases de efeito estufa – GEE em todo mundo. Desde o Acordo de Paris, na COP21, chama atenção por ganhar tamanha importância dentre as maiores empresas do mundo, na medida em que incentiva economicamente a redução da emissão de gás carbônico (CO2) na atmosfera em seus processos produtivos.

A lógica deste mercado é estabelecer um sistema de compensações de emissões de GEE, pelo qual uma empresa pode comprar “créditos” de outra que reduziu as suas emissões.

De maneira simplista, é definido um valor econômico para cada tonelada de gás carbônico ainda não emitido na atmosfera, – ou seja, uma espécie de valoração de um “direito” para emitir gás carbônico ou outros gases de efeito estufa em quantidade equivalente – fazendo com que as empresas que precisam compensar, adquiram daquelas que tenham reduzido a sua emissão em sua cadeira produtiva..

Todavia, este mercado ainda não foi devidamente regulamentado no Brasil, fazendo com que seu objetivo principal, qual seja o efetivo incentivo à redução da emissão de gases de efeito estufa, não seja realmente alcançado.

A precificação do crédito de carbono é estabelecida de forma privada no Brasil, ocasionando o desvio de sua finalidade e gerando um menor protecionismo ambiental.

Com efeito, o Brasil tem uma Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMA criada em 2009, Lei Federal n. 12.187, e que incentiva o desenvolvimento do Mercado Brasileiro de Redução de emissões – MBRE, mas na prática ainda carece de regulamentação clara.

Recentemente, Nem 19 de maio de 2022, o governou publicou o Decreto Federal n. 11.075,estabelecendo importante conceitos,  instituindo o Sistema Nacional de Redução de emissões de Gases de Efeito Estufa e determinando a elaboração de Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas. No entanto, pouco se falou sobre como os mercados devem efetivamente funcionar.

Oportuno ressaltar que o referido decreto, embora omisso em relação a regulamentação do mercado, assim conceituou o crédito de carbono: “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado

Nota-se, assim que, embora o decreto tenha trazido importantes regulamentações, em nada agregou acerca do mercado de créditos de carbono. Caberá aos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas essa operacionalização, regulamentando o mercado e seu funcionamento.

Tal “omissão” é grave. Isso porque, trata-se de um decreto, ou seja, revogável a qualquer momento pelo Presidente da República, além de que a ausência de regulamentação do mercado faz com que as metas para redução de emissões de gases de efeito estufa seja feita através de acordos setoriais, o que faz com que a precificação do crédito seja feita através de auditorias externas independentes, possibilitando o estabelecimento de metas baixas e a negociação em preços baixos, além de baseadas em parâmetros internacionais, fugindo, por certo, da finalidade do mercado.

Por essa razão, os créditos de carbono deveriam ser devidamente regulamentados de acordo com parâmetros nacionais de valoração, bem como de quantificação de quanto cada empreendimento poderia gerar.

Apenas dessa maneira, e com o estabelecimento de metas reais, que se poderia realmente alcançar a redução dos GEEs de acordo com a realidade dos setores de produção existentes no Brasil que, por certo, são absolutamente diferentes dos demais do mundo. Agora nos resta esperar que uma nova política pública seja criado nesse sentido a fim de suprir essa lacuna legislativa.

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto

2022-08-25T12:57:10+00:0025 de agosto de 2022|
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