CAMPOS DE ALTITUDE: MAIS UM CASO DE AUTUAÇÃO CONTRÁRIA À LEGISLAÇÃO POSTA POR PARTE DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

O equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental é garantido por um robusto arcabouço jurídico no Brasil. Empresas dos mais variados setores são obrigadas a cumprir normas ambientais rígidas, obtendo licenças e autorizações, bem como adotando medidas de mitigação e controle, como ocorre no setor da silvicultura. Para essa atividade, no bioma Mata Atlântica, a supressão de vegetação possui regramentos específicos previstos na Lei 11.420/2006 e no Decreto 6.660/2008, como também na Lei 12.651/2012 (Código Florestal).

No entanto, há situações em que empresas mesmo atuando de maneira regular e em conformidade com a legislação ambiental, são autuadas pelos órgãos públicos. Essas autuações indevidas podem ocorrer, por exemplo, por falhas na análise técnica, por divergências na interpretação das normas e divergências na aplicabilidade do Código Florestal no bioma Mata Atlântica.

De forma a ilustrar isso, recentemente a Justiça Federal de Santa Catarina noticiou[1] em seu sítio que foi concedida liminar para suspender o pagamento de multas aplicadas pelo IBAMA a uma empresa de reflorestamento por suposta supressão de vegetação de Mata Atlântica para plantio de pinus, em áreas consideradas “campos de altitude”. Tal formação florística integra o bioma Mata Atlântica, embora a lei federal (Lei 11.420/2006) não tenha definido o que são “campos de altitude”.

Acontece que em razão dessa omissão, o Estado de Santa Catarina teria exercido a competência legislativa plena prevista no art. 24, §3º, da CRFB/88 ao editar o art. 28, XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009 (Código Estadual do Meio Ambiente) atual art. 28-A, XV da lei estadual, o qual estabeleceu que “campos de altitude” são áreas situadas acima de 1.500 metros de altitude, em âmbito estadual, assim dispondo:

Art. 28-A Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:

[…]

XV – campos de altitude: ocorrem acima de 1.500 (mil e quinhentos) metros e são constituídos por vegetação com estrutura arbustiva e/ou herbácea, predominando em clima subtropical ou temperado, definido por uma ruptura na sequência natural das espécies presentes e nas formações fisionômicas, formando comunidades florísticas próprias dessa vegetação, caracterizadas por endemismos, sendo que no Estado os campos de altitude estão associados à Floresta Ombrófila Densa ou à Floresta Ombrófila Mista;

Referido dispositivo foi impugnado em Ação Direta de Inconstitucionalidade[2] ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), que questionou sua constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). O MPSC alegou que a Lei Estadual tratou de modo inovador o conceito de campos de altitude, de modo a reduzir a sua hipótese de incidência se comparada a Resolução 10/1993 do CONAMA, que “não vincula campo de altitude à vegetação típica que ocorre em altitudes acima de 1.500 metros”. Ao julgar a ADI, em 05/06/2019, o TJSC entendeu pela constitucionalidade do referido dispositivo legal e a decisão foi mantida pelo STF, que conferiu efeito vinculante e eficácia contra todos.

Desse modo, no Estado de Santa Catarina, vigora o conceito de “campos de altitude” definido no art. 28-A, XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009, que se refere às áreas localizadas acima de 1.500 metros de altitude, desde o trânsito em julgado em 23/04/2022.

Ainda assim, em 28/06/2024, mesmo após declarada a constitucionalidade do dispositivo sobre campos de altitude da lei estadual, bem como a atividade estar devidamente licenciada pelo órgão ambiental estadual, a empresa de reflorestamento sofreu autuações, com multa e termo de embargo por parte do IBAMA, que alegou que a fiscalização nas áreas objeto das autuações teria sido realizada a pedido do MPSC, que solicitou informações para elucidar denúncias relativas à supressão de vegetação nativa de áreas superiores a 50 hectares, em razão de atribuições da União (art. 14, § 1º, da Lei 11.428/2006 e art. 19, inciso I, do Decreto 6.660/2008).

No caso, a empresa ajuizou medida perante a Justiça Federal de Florianópolis para suspender a exigibilidade de multa e embargos contra o IBAMA. O juízo, após a manifestação do IBAMA, deferiu a suspensão da exigibilidade da multa e embargo por entender que: a) a atividade estava sendo realizada em área situada abaixo de 1.500 metros de altitude, não se amoldando ao conceito de campos de altitude; b) a área não era coberta por vegetação nativa de especial preservação, o que dispensa autorização do IBAMA para supressão para uso alternativo do solo; e c) o artigo da lei estadual foi declarado constitucional, não sendo dado ao IBAMA negar-lhe vigência.

De longa data, essas autuações vêm preocupando o setor empresarial, em razão do uso abusivo de ações e autuações indevidas por órgãos públicos, mesmo quando as empresas operam dentro dos parâmetros legais e possuem todas as licenças necessárias. Essas condutas podem ser caracterizadas como temerárias e de abuso de direito, por violação aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, trazendo insegurança jurídica, bem como gerando prejuízos ao setor produtivo. Além de causar impacto econômico imediato, essas autuações podem macular a reputação da empresa, resultando em perda de contratos e dificuldades na obtenção de crédito.

Em muitos casos, os órgãos públicos desconsideram as licenças válidas emitidas pelos próprios órgãos ambientais, questionando seu mérito de forma genérica, sem apresentar provas concretas de danos ao meio ambiente ou qualquer indício de ilegalidade. Isso já resultou até na condenação do Ministério Público do Distrito Federal por litigância de má-fé[3].

As empresas que cumprem as exigências legais, obtêm licenças e seguem as normas ambientais precisam ter a garantia de que suas atividades não serão interrompidas injustificadamente por autuações abusivas ou ações sem fundamento sólido. Sem essa previsibilidade, o ambiente de negócios torna-se instável e desestimulante para investimentos, especialmente em setores que demandam grande capital e planejamento de longo prazo.

Portanto, embora a fiscalização e a atuação judicial sejam fundamentais para a preservação ambiental, o exercício abusivo desses poderes, por meio de ações temerárias e autuações indevidas, prejudica o setor produtivo e compromete o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis. O respeito à segurança jurídica e à boa-fé é essencial e para que empresas que operam dentro da legalidade e adotam práticas sustentáveis tenham a confiança de que não serão punidas injustamente, sendo portanto, necessário buscar um equilíbrio nas ações fiscalizatórias e judiciais, de modo a garantir a continuidade da atividade devidamente licenciada, crescimento econômico do setor e competitividade no mercado mundial.

[1] https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=28511

[2] ADI 8000030-60.2017.8.24.0000

[3] https://direitoambiental.com/ministerio-publico-condenado-por-ma-fe-em-acao-civil-publica/

Por: Elisa Ulbricht

2024-10-22T22:05:56+00:0022 de outubro de 2024|

PODCAST “PAPO DE JUSTIÇA”

Sócios Lucas Dantas Evaristo de Souza e Fernanda de Oliveira Crippa estarão no Podcast “Papo de Justiça”, da Jovem Pan News, na próxima segunda feira, dia 21/10, às 14 horas (103,3 FM), abordando a temática “direito ambiental na prática”.

A entrevista também poderá ser assistida por meio do canal Youtube.

2024-10-16T19:50:52+00:0016 de outubro de 2024|

POLUIDOR INDIRETO E A NECESSIDADE DE CONDUTA ESPECÍFICA DO AGENTE

Há muitas controvérsias que envolvem a figura do “poluidor indireto”. O termo foi inaugurado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que, em seu artigo 3º, IV, determina que será poluidor aquele “[…] responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

Embora trate-se de normativa bastante antiga, até hoje não há uma definição específica acerca de “quem” seria o tal “responsável indireto”. O texto da PNMA, como redigido, é genérico e dá margem a interpretações.

Conquanto a aparente abstração da normativa em questão, algumas premissas podem ser estabelecidas a partir de uma análise das teorias que envolvem a responsabilidade civil clássica e da própria legislação ambiental.

A primeira premissa que há que se ter em mente é a seguinte: a responsabilidade civil parte da análise de três condições: a) conduta do agente; b) nexo de causalidade e; c) resultado danoso.

O foco da presente análise está no primeiro requisito: a conduta.

Dentro da responsabilidade civil ambiental não é difícil deparamo-nos com discussões acerca da (des) necessidade de análise do requisito “conduta do agente”, tendo em vista que o texto normativo faz alusão à “atividade” que causa danos, e não à “conduta” ou “ato” do responsável direto ou indireto. A partir dessa teoria, a consequência jurídica da expressão [“atividade”] é que, para aferição do dever de indenizar, o mero exercício de atividade danosa ao meio ambiente é suficiente.

Em outras palavras: o “risco da atividade”, tomando-se por base a teoria do “risco integral”, justificaria condenações “sem conduta”.

Essa conclusão faz sentido quando se está a analisar a situação daquele que é diretamente “responsável por atividade” que causa danos ambientais. De fato, a teoria do risco integral, aplicável ao direito ambiental e confirmada pelo julgamento do Tema Repetitivo 707 do STJ[1], tem como consequência jurídica prática a ausência de análise da conduta do agente que exerce a atividade de risco. Excluem-se aqui fatores como “fato de terceiro” ou “força maior”.

Se, hipoteticamente, uma indústria química – que exerce sua atividade pautada em licença ambiental válida e cumpre com todas as condicionantes ambientais etc. – gera acidentalmente [por si ou por ato de terceiro] um derramamento de substância tóxica no meio ambiente, poderá vir a ser instada a reparar o dano ambiental, simplesmente por “exercer uma atividade de risco”.

Nesse sentido, não há objeções acerca do fato de que a pessoa que exerce/opera a atividade de risco que gerou prejuízos poderá ser instada a reparar o dano ambiental a que sua atividade diretamente deu causa. A controvérsia que efetivamente remanesce está na delimitação de quem seria [ou qual conduta teria] o tal “responsável indireto” dentro desse contexto.

Ora, quando se fala no chamado “poluidor indireto”, está-se diante de um terceiro que efetivamente não explora/exerce a atividade de risco que ocasionou o dano ambiental. Esse terceiro não possui poder de controle sobre as condições que levaram à ocorrência do dano – tanto é assim que ele é intitulado de responsável “indireto”.  A “atividade de risco” não é do terceiro – e isso precisa ficar claro.

Daí indagar-se: quando se está a falar do poluidor indireto –  que é aquele agente que não exerce a atividade de risco que gerou diretamente o dano, mas com ela [atividade] tem um vínculo jurídico –, este [terceiro] pode vir a ser instado a reparar um dano ambiental causado pela atividade exercida e controlada por outro agente (responsável direto)? A resposta é sim.

Mas em que circunstâncias esse terceiro será responsável? A conclusão, nesse caso, não é matemática.

O poluidor indireto poderá como tal ser caracterizado sempre que, apesar de não deter o controle acerca da prática do ato/atividade que deu causa ao dano ambiental: a) possuir uma relação ou vínculo jurídico para com a atividade de risco do poluidor direto; b) possuir um dever de cuidado e/ou vigilância específico sobre a atividade de risco do poluidor direto por força de uma imposição legal, e, c) ao se omitir desse dever, tal omissão constituir fator determinante para dar causa ao dano ambiental.

As conclusões acima são corroboradas por importante precedente proferido pelo TRF5, em que se decidiu que: “É poluidor indireto, portanto, aquele a quem a norma impõe diligências para evitar o evento poluidor e a degradação do meio ambiente, mas não as cumpre, propiciando, pela sua ação indevida ou falta de ação, a ocorrência de danos ambientais” (AI 0802524-57.2020.4.05.0000, Relator: Desembargador Carlos Rebelo Jr. Magistrado (a) convocado (a): Juíza Federal Madja de Souza Moura Siqueira. Julgado em 18 de agosto de 2022)[2].

Ou seja: quando se está a tratar do poluidor indireto, sempre se estará a tratar de sua conduta (geralmente omissiva) em relação à atividade do poluidor direto – além de outros aspectos, como a necessidade de haver um dever jurídico e/ou de vigilância específico preestabelecido em lei que, descumprido, favorece a causação do dano (mas este é um tema que será melhor explorado em um próximo artigo).

Isso quer dizer que o requisito “ato” e/ou “conduta” não foi simplesmente abolido das análises da responsabilidade civil ambiental – pelo menos não quando se está a falar de um pretenso poluidor indireto.

Tanto não houve essa “abolição”, que a própria CF/88, em seu art. 225, §3º estabelece que “[…] As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

A Constituição Federal, portanto, fala em “condutas e atividades”, do que se conclui que, em determinadas situações, a “conduta” (e não o mero exercício da atividade) deverá ser, sim, analisada e estabelecida como fator determinante para a responsabilização. Como é o caso daquele que detém apenas uma relação indireta com a atividade que causou o dano – situação em que, invariavelmente, haverá uma análise acerca de sua conduta [ou falta dela] no caso concreto.

Não se desconhece decisão do STJ que minimiza condutas e vínculos de causalidade dos terceiros (pretensos poluidores indiretos) para que assim possam, sem maiores critérios, ser considerados responsáveis. Trata-se do REsp n. 650.728/SC, cuja ementa, em seu trecho “13”, assim estabelece: “[…] equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, quem se beneficiou quando outros fazem”.

O enunciado não poderia ser mais genérico – “quem não se importa que façam…” (!?)

Embora o referido trecho tenha sido incluído em obter dictum (porque a temática em julgamento cuidava de um poluidor direto que havia aterrado um ambiente protegido), o fato é que os verbetes listados não devem, por si sós, ser concebidos como ensejadores de responsabilidade – não sem que se coteje minimamente no caso concreto aspectos como: ato/conduta; nexo de causalidade e dano.

Seja como for, embora ainda haja grandes controvérsias em face da figura do poluidor indireto, uma conclusão é certa: este sempre será um terceiro que não exerce a atividade de risco que gerou o dano ambiental, mas com esta [atividade] detém um vínculo jurídico e uma obrigação legal de cuidado/vigilância que, omitida (ato/conduta específica), poderá ser determinante para o dano. Daí concluir-se que o requisito “ato” (ou “conduta”) é absolutamente necessário em análises como estas.

[1] “a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados; c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo a que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.”

[2] Acesso à íntegra do acórdão citado: https://pje.trf5.jus.br/pjeconsulta/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?idProcessoDocumento=36381d9564e2c057e728753e2f7c5e87

Por: Fernanda de Oliveira Crippa

2024-10-16T19:55:55+00:0016 de outubro de 2024|

SIGNIFICATIVAS ALTERAÇÕES NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO AMBIENTAL FEDERAL

O Governo Federal publicou o Decreto n. 12.189, de 20 de setembro de 2024, que altera o Decreto Federal n.  6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e regula o processo administrativo sancionador ambiental federal.

O novo texto altera as penalidades e estabelece novas punições para infrações ambientais, com foco específico em incêndios ilegais no país. Além disso, introduz várias novas disposições que impactam o andamento dos processos administrativos.

Para acesso a íntegra do Decreto n. 12.189/2024: https://www.in.gov.br/web/dou/-/decreto-n-12.189-de-20-de-setembro-de-2024-585664382

2024-10-04T12:20:47+00:004 de outubro de 2024|

A EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL EM MATÉRIA AMBIENTAL: O CASO DOS BENS TOMBADOS DESAPROPRIADOS NA ÓTICA DO STJ

A recente decisão proferida pela Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do AREsp n. 1886951, suscita uma questão de suma importância no âmbito do direito administrativo, ambiental e da tutela do patrimônio histórico-cultural: a atribuição de responsabilidade pela reparação de danos ambientais ocasionados a bens de natureza histórico-cultural pelo expropriado (proprietário anterior) em hipóteses de desapropriação pelo Poder Público.

A desapropriação, enquanto instrumento jurídico, é um mecanismo pelo qual o Estado pode retirar a propriedade de um particular para atender ao interesse público, conforme previsto na Constituição Federal e regulamentado pelo Decreto-Lei n. 3.365/1941.

O caso ora em análise versou sobre a desapropriação de um imóvel tombado situado no município do Rio de Janeiro/RJ, em que o ente municipal desapropriou o imóvel para a implementação do Projeto “Porto Maravilha”, no contexto de programa de habitação de interesse social.

Contudo, o Ministério Público do Estado do Rio De Janeiro já havia ajuizado uma ação civil pública em razão da existência de danos no imóvel de importância histórico-cultural, os quais, alegadamente, decorreriam de sua não conservação, pleiteando a condenação à execução de projeto de recuperação do bem e ao pagamento de indenização a título de reparação dos danos morais coletivos

Nesse sentido, a Corte Superior decidiu que, após a efetivação da desapropriação, o antigo proprietário não pode ser responsabilizado pela reparação dos danos ambientais (ao patrimônio histórico-cultural) por ele causados no bem – antes da desapropriação.

O Tribunal Superior entendeu, especificamente, que a condenação à parte desapropriada para custear a recuperação do imóvel resultaria em uma infração ao princípio do non bis in idem (proibição de dupla punição pelo mesmo fato). Isso ocorreria porque o proprietário sofreria uma dupla penalização pelo mesmo motivo: primeiramente, receberia uma indenização já reduzida devido ao passivo ambiental existente e, em seguida, seria compelido a arcar novamente com esse mesmo passivo no âmbito do processo judicial.

Assim, o paradigma em comento estabelece um precedente de significativa relevância, redefinindo os contornos da responsabilidade ambiental em casos de desapropriação de bens. Até porque, no âmbito do direito ambiental – que se alinha ao caso, o tombamento é um dos instrumentos do chamado “meio ambiente cultural” –, a responsabilidade civil tem características peculiares, fundamentadas no princípio do poluidor-pagador e na teoria do risco integral, o que torna a questão ainda mais complexa. Nesses casos, tem prevalecido o entendimento de que aquele que deu causa ao dano ambiental, deve ser instado a repará-lo – mesmo que, por exemplo, tenha havido a posterior venda do bem gravado com o passivo.

Nessa ordem de ideias, cumpre salientar que o Superior Tribunal de Justiça reconhece o caráter propter rem das obrigações ambientais, consoante a Súmula n. 623 e o Tema Repetitivo n. 1.204. Tal entendimento implica que essas obrigações podem ser impostas tanto ao proprietário atual quanto aos anteriores (desde que esses “proprietários anteriores” tenham contribuído para ao dano ambiental). Nesse diapasão, seria possível, a priori, responsabilizar o proprietário de um imóvel já desapropriado pela reparação do dano ambiental que causou.

Entretanto, para o caso em apreço a Corte utilizou o instituto do distinguishing e realizou uma análise minuciosa dos fatos específicos, evitando a aplicação automática da jurisprudência. Tal abordagem, em consonância com o princípio da segurança jurídica, buscou obstar que as decisões judiciais fossem fundamentadas em conceitos genéricos que não fornecessem a solução jurídica mais adequada à espécie.

Ao aplicar o distinguishing, o STJ determinou a inaplicabilidade do Tema Repetitivo 1.204 ao caso em questão, especificamente em situações de expropriação de imóveis. A Corte entendeu ser injusta a dupla penalização do ex-proprietário pela recuperação ambiental de uma propriedade cuja indenização expropriatória já fora reduzida em virtude do passivo ambiental existente.

Em outras palavras, o Tribunal concluiu que o ex-proprietário não tem a obrigação de reparar um dano ambiental causado a um bem que lhe foi retirado por meio de expropriação, cujos ônus, nos termos do art. 31 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, ficam sub-rogados no preço pago pelo Poder Público [a título de indenização] para a aquisição do imóvel. Isto é: ao adquirir o imóvel, o Poder Público “já descontou o passivo ambiental do valor pago”, de modo que não se há falar em desembolso de novos valores pelo expropriado.

Por outro lado, o STJ entendeu que seria possível a condenação quanto à possível obrigação de compensar eventual o dano moral coletivo. Nesta circunstância específica, a obrigação ou o encargo não estão diretamente vinculados ao imóvel em si, mas sim às ações ou omissões que lesaram os interesses difusos da sociedade. Inexistiria para o STJ, portanto, sub-rogação no preço.

O aresto do STJ, acerca da responsabilidade por danos ao patrimônio histórico-cultural em casos de desapropriação, configura um marco significativo no direito administrativo pátrio. Proporciona clareza quanto à transferência de responsabilidades, mas também suscita novas questões sobre a gestão e preservação do patrimônio histórico nacional, que muitas vezes são desconsiderados em julgamentos de matéria ambiental.

O julgado não apenas redefiniu os limites da responsabilidade do proprietário expropriado, mas também elucidou sobre a complexa interseção entre o direito ambiental, administrativo e a preservação do patrimônio histórico-cultural.

Ao equilibrar os princípios do non bis in idem, da responsabilidade ambiental e da equidade, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um precedente jurisprudencial que requer uma abordagem mais contextualizada em casos futuros. Assim, o aresto em questão não apenas exercerá influência sobre futuras decisões judiciais, como também deverá repercutir nas políticas públicas atinentes à desapropriação e à preservação do patrimônio histórico-cultural. Tal impacto propiciará um equilíbrio mais equânime entre os interesses de natureza pública e privada no âmbito do ordenamento jurídico pátrio.

Por: Monique Demaria

2024-09-18T20:36:41+00:0018 de setembro de 2024|

MULTA ADMINISTRATIVA POR DANO AMBIENTAL NÃO É TRANSMITIDA A HERDEIRO DA ÁREA DEGRADADA

O STJ deliberou que herdeiros não podem ser responsabilizados por multas administrativas oriundas de infrações ambientais em propriedades herdadas, exceto se for comprovada a sua ação ou omissão na transgressão das normas ambientais. Esse foi o entendimento do  Tribunal ao rejeitar um recurso do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que pretendia manter uma multa por desmatamento imposta a um herdeiro de uma propriedade rural.

Para acesso ao acórdão: CLIQUE AQUI

2024-09-18T20:18:29+00:0018 de setembro de 2024|

SÓCIOS DO ESCRITÓRIO BUZAGLO DANTAS PALESTRARÃO EM EVENTO DA ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DE SANTA CATARINA

Nos dias 01, 02, 08 e 10 de outubro, os sócios do escritório Buzaglo Dantas Advogados, Dr. Marcelo Buzaglo Dantas, Dr. Lucas Dantas Evaristo de Souza e Dra. Fernanda de Oliveira Crippa ministrarão quatro palestras em evento da Escola Superior da Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB/SC).

O evento tem como tema principal “A Prática do Direito Ambiental e Urbanístico na Advocacia” subdividido em quatro painéis com os temas: “Advocacia Ambiental e Urbanística no Brasil: passado, presente e futuro”, “Licenciamento Ambiental e Urbanístico”, “Espaços Protegidos: APPs e Mata Atlântica em áreas Rurais e Urbanas” e “Responsabilidade Civil, Penal e Administrativa em Matéria Ambiental e Urbanística”.

As inscrições no evento podem ser realizadas através do link: https://www.oab-sc.org.br/cursos-eventos/2024/10/01/pratica-do-direito-ambiental-e-urbanistico-na-advocacia/4883

 

2024-09-11T21:10:33+00:0011 de setembro de 2024|

O CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO E AS ÁREAS DE USO RESTRITO: ENTENDENDO O ARTIGO 11

O Código Florestal Brasileiro, estabelecido pela Lei nº 12.651/2012, é um importante instrumento legal que define normas para a proteção da vegetação nativa no país. Um ponto crucial desta lei, frequentemente mal interpretado, é o artigo 11, que trata das chamadas “áreas de uso restrito”.

Esta restrição se dá em terrenos com inclinação entre 25º e 45º. É importante esclarecer que, ao contrário do que muitos pensam, estas não são consideradas áreas de preservação permanente (APP). Isso significa que elas podem ser utilizadas, mas com certas restrições. Quer dizer, as áreas de uso restrito não necessariamente são não edificáveis como as APPs.

O objetivo principal do artigo 11 é proibir a conversão de florestas em áreas destinadas a atividades agropecuárias nestes terrenos inclinados. Esta regra foi criada para proteger áreas mais suscetíveis à erosão, mantendo a cobertura vegetal natural. No entanto, é fundamental entender que esta restrição se aplica apenas a áreas rurais, não afetando áreas urbanas.

Em áreas rurais já convertidas com esta inclinação, o Código permite a continuidade de atividades agrossilvipastoris (que combinam agricultura, silvicultura e pecuária) e a manutenção da infraestrutura associada a estas atividades. A condição para isso é que sejam observadas boas práticas agronômicas, visando o uso sustentável do solo.

Uma interpretação equivocada comum é a de que estas restrições se aplicariam também a áreas urbanas. Esta confusão pode levar a limitações desnecessárias no desenvolvimento urbano. Na realidade, o Código Florestal não impõe restrições em áreas urbanas com inclinação entre 25º e 45º. A lei foca especificamente na conversão de florestas para uso agropecuário em zonas rurais.

Para entender melhor a intenção do legislador, é útil comparar com o Código Florestal anterior (Lei nº 4.771/1965). Este proibia a derrubada de florestas em áreas com essa inclinação, permitindo apenas a extração controlada de madeira. O novo Código manteve a essência desta proteção, adaptando-a às práticas agrícolas modernas e sustentáveis.

Em parte, essa lacuna interpretativa se dá pelo julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.903 que declarou esse dispositivo constitucional pela maioria do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Não se questiona o entendimento do Supremo, que foi acertado ao admitir o manejo florestal sustentável e o exercício de atividades agrossilvipastoris em áreas de inclinação entre 25° e 45°. Porém, a Corte perdeu a oportunidade de eliminar qualquer dúvida de que a vedação imposta pelo art. 11 se aplica somente às áreas rurais – talvez porque isso fosse tão óbvio que pareceu desnecessário.

É importante ressaltar que esta interpretação não diminui a proteção ambiental. Pelo contrário, ela esclarece o escopo da lei, permitindo um planejamento mais eficiente tanto em áreas rurais quanto urbanas. Nas zonas rurais, a lei incentiva práticas sustentáveis em terrenos já utilizados, enquanto protege áreas ainda florestadas. Nas cidades, permite o desenvolvimento urbano planejado, sem restrições desnecessárias.

Compreender corretamente o artigo 11 do Código Florestal é essencial para proprietários rurais, planejadores urbanos e ambientalistas. Esta interpretação precisa ajudar a conciliar a proteção ambiental com o desenvolvimento sustentável, tanto no campo quanto nas cidades. Assim, podemos preservar nossas florestas em áreas sensíveis, manter atividades agrícolas sustentáveis e permitir o crescimento urbano ordenado, tudo dentro dos limites da lei.

Por: Luna Dantas

2024-09-11T21:05:06+00:0011 de setembro de 2024|

ANÁLISE CRÍTICA DA AÇÃO QUE REQUEREU A SUSPENSÃO DAS LICENÇAS AMBIENTAIS DA USINA HIDRELÉTRICA DE ITAPEBI

A recente ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) solicitando que a justiça suspenda as licenças ambientais que foram concedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para a Usina Hidrelétrica (UHE) de Itapebi, localizada no extremo sul da Bahia, levanta questões complexas sobre a aplicação das normas ambientais e dos direitos indígenas no Brasil, de modo que a medida merece uma análise aprofundada para avaliar a sua legalidade.

A UHE Itapebi foi construída no ano de 1999 e está localizada no Rio Jequitinhonha, no município de Itapebi/BA. A licença ambiental de operação (LAO) da usina foi concedida pelo IBAMA em 2002 e a sua operação iniciou em 2003, com sucessivas renovações das licenças nos anos de 2013 e 2019, sendo que a atual possui vigência até 2029.

No entanto, segundo argumenta o MPF, o processo de licenciamento da UHE falhou em considerar adequadamente os direitos dos povos indígenas Tupinambá de Belmonte e Encanto da Patioba, eis que, após a instauração de procedimento investigatório, os representantes da Comunidade Indígena Tupinambá apontaram que a construção da UHE teria ocasionado: (i) diminuição de produção agrícola em razão da perda de fertilidade do solo nas margens do rio; (ii) dificuldade de navegação em canoas devido ao baixo nível da água; (iii) assoreamento das margens do rio; e (iv) o comprometimento do seu modo de vida tradicional ocasionado por impactos nas atividades de pesca, plantações e travessia do rio, incluindo o aumento no risco de afogamentos.

Muito embora os impactos percebidos pela comunidade indígena sejam de grande relevância, eventual decisão que suspenda as licenças de forma imediata pode ser vista como uma medida extrema, que se sobreporia a todos os avanços e compromissos já estabelecidos há mais de duas décadas pela empresa responsável pela operação da UHE em relação ao cumprimento das normas ambientais.

Do ponto de vista jurídico, a suspensão de licenças ambientais de empreendimentos de tamanha magnitude e importância pública, sem uma análise detalhada e transparente dos impactos socioeconômicos decorrentes de uma eventual decisão suspensiva, pode criar um precedente perigoso para a região e para o país.

A medida requerida pelo MPF, embora bem-intencionada, pode não ter levado em consideração as significativas implicações econômicas que serão causadas não apenas ao empreendedor, mas para toda a coletividade, o que pode, inclusive, impactar negativamente outros projetos essenciais para o desenvolvimento regional.

Projetos de infraestrutura, como usinas hidrelétricas, são cruciais para o desenvolvimento econômico e para a segurança energética nacional, de modo que a sua interrupção repentina pode resultar em perdas econômicas substanciais ao próprio erário público e afetar negativamente o fornecimento de energia, prejudicando tanto a economia local quanto nacional.

Não se olvida que empresas envolvidas em projetos de grande impacto ambiental têm a responsabilidade de adotar práticas sustentáveis principalmente no que diz respeito aos costumes das comunidades tradicionais. No entanto, é crucial que sejam reconhecidos os esforços das empresas em cumprir com as exigências legais e promover o desenvolvimento sustentável. Medidas punitivas devem ser balanceadas com incentivos para a melhoria contínua e a inovação em práticas ambientais.

A situação em tela ressalta aos olhos os desafios regulatórios enfrentados pelas empresas no Brasil. É inegável que o deferimento de tal pedido representa o cenário de insegurança jurídica em que o país atualmente se encontra, desencorajando investimentos públicos e privados, nacionais ou externos, no setor produtivo local e nacional, afetando diretamente a competitividade do país no cenário global.

Por essa razão, é essencial que haja um diálogo aberto entre o setor público e privado para criar um ambiente regulatório mais previsível e justo. E de igual maneira, ao se identificar entraves socioambientais não previstos inicialmente no processo de licenciamento, outras medidas podem e devem ser adotadas, mas não aquelas extremas, como a suspensão indiscriminada de licenças ambientais concedidas e renovadas ao longo de décadas, medida que se revela não apenas desproporcional, mas potencialmente contraproducente.

O caso da UHE Itapebi certamente influenciará diretamente futuras decisões judiciais envolvendo o setor de produção de energia hidrelétrica, deixando o recado de que as empresas do setor não apenas devem se alinhar estritamente às obrigações legais, mas também antecipar e às crescentes expectativas socioambientais.

Tal cenário demanda uma abordagem holística à conformidade regulatória, integrando práticas de sustentabilidade robustas, engajamento comunitário efetivo e transparência operacional como elementos fundamentais da estratégia corporativa. As empresas que conseguirem navegar habilmente por este ambiente regulatório em evolução, equilibrando interesses econômicos, ambientais e sociais, estarão melhor posicionadas para mitigar riscos legais, fortalecer sua licença social para operar e assegurar a viabilidade de longo prazo de seus empreendimentos no setor energético brasileiro.

A consulta à Ação Civil Pública n. 1004055-33.2024.4.01.3310 pode ser realizada através do link: https://pje1g.trf1.jus.br/consultapublica/ConsultaPublica/listView.seam.

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto

2024-09-11T21:16:32+00:0011 de setembro de 2024|
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