Questões Jurídicas sobre o Acesso ao Patrimônio Genético da Biodiversidade
O grande potencial econômico proveniente dos recursos genéticos existentes em nosso país, somados aos custos da repartição de benefícios com as localidades de onde são extraídos e a dificuldade encontrada para se ter acesso aos mesmos junto à Administração Pública, faz com que formas ilegais de apropriação, exploração, manipulação e comercialização desses recursos, conhecidas como biopirataria, se tornem cada dia mais corriqueiras.
A Convenção de Diversidade Biológica (CDB) buscou compatibilizar a conservação da biodiversidade à utilização sustentável e à partilha dos benefícios gerados pelo uso e exploração dos recursos genéticos, além de reafirmar o direito soberano dos Estados sobre seus próprios recursos naturais, sejam eles biológicos ou genéticos. Por conseguinte, ficou a cargo dos Estados detentores de biodiversidade; a regulamentação ao seu acesso.
No Brasil, o texto da Convenção foi promulgado pelo Presidente da República, tornando-se vigente internamente, em 16/03/1998, com o Decreto 2.519. Após várias iniciativas de Projetos de Lei para implementação, no que tange ao acesso a recursos genéticos da CDB, foi editada a Medida Provisória 2.186-19, de 23/08/2001, que passou a regulamentar o acesso ao patrimônio genético, o acesso e a proteção ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, entre outras providências.
Um grande debate jurídico tem se criado ao redor de algumas provisões da MP, entre elas: a diferenciação entre coleta e acesso ao patrimônio genético; a necessidade de anuência prévia do Poder Público a algumas finalidades de acesso, e a incongruência de informações quanto aos valores a serem repartidos às comunidades ou localidades de onde foram extraídos os recursos genéticos.
Com relação à distinção entre a coleta e o acesso ao patrimônio genético, a Medida Provisória não havia deixado claro se a coleta, ou seja, a remoção da espécime, era equivalente ou não ao acesso ao patrimônio genético. Na tentativa de dirimir tal dúvida, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) editou a Orientação Técnica 1/2003, a qual definiu o acesso como “a atividade realizada sobre o patrimônio genético com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem genética ou moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de extratos obtidos destes organismos.”
No entanto, sobre o mesmo assunto, o Sr. Ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça, em decisão ao agravo regimental, a posteriori a Orientação Técnica do CGEN, desenvolveu outro entendimento, partindo da interpretação da própria letra da lei. Para o relator, a rápida leitura do texto legal (art. 7º, IV da MP) é o suficiente para precisar o conceito chave ao deslinde da questão: “acesso ao patrimônio genético é mera obtenção de amostras. […] Acesso ao patrimônio genético não é pesquisa, não é o estudo, não é a construção da ciência que tem o patrimônio genético como objeto. Repita-se: acesso ao patrimônio genético é coletar amostras. É isto que está escrito no ato normativo.” (STJ, AgRg na SLS n. 1438, Ministro Relator Ari Pargendler, in D.J.E 28/02/2012) Ou seja, na decisão, o Relator equivaleu coleta à acesso, sendo ambas regulamentada pela Medida Provisória.
O art. 2º da Medida Provisória dispõe que, “o acesso ao patrimônio genético existente no País somente será feito mediante autorização da União e terá o seu uso, comercialização e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento”. A discussão aqui paira sobre a necessidade ou não de autorização do Poder Público a algumas finalidades de acesso, eis que a exigência se torna muito rigorosa à pesquisa cientifica, considerando que apenas uma pequena parcela chega a desenvolver um produto ou processo sujeito à exploração econômica.
Nesse sentindo, na mesma decisão o referido Relator do STJ questionou e ponderou: “[…] quando serão, então, necessárias as prévias licenças da União para o “acesso” de material para pesquisa genética? […] A resposta que se impõe é que a restrição é aplicável sempre que tratarmos de coleta (i. e. “acesso”) de espécimes de nossa flora ou fauna nativa, inseridos no respectivo meio ambiente original e não objeto de cultivo comercial de larga escala. Nestas hipóteses sim, em se tratando de animais e vegetais nativos, que remanescem inseridos no contexto de seus ecossistemas originários (pouco importando se ameaçados de extinção ou não), impõe-se a prévia autorização da União para a respectiva coleta.”
Com relação aos valores a serem repartidos às comunidades ou localidades de onde foram extraídos os recursos genéticos, o IBAMA, através da operação Novos Rumos, tem autuado diversas empresas multinacionais, sob alegação de que as mesmas estariam fazendo uso de recursos nativos sem a devida repartição de lucros. Contudo, vale destacar que não existe, hoje em dia, legislação específica que defina o valor ou percentual a ser repassado, motivo pelo qual, abre-se uma brecha para tal discussão até que se regulamente.
Por fim, o objetivo de regularizar as atividades previstas na MP 2.186-16, que de alguma forma estão em desconformidade com a norma, o Ministério do Meio Ambiente, em abril do ano passado, baixou a Resolução 35/2011, definindo diretrizes e critérios para análise de tais atividades concluídas após 30 de junho de 2000. Destaque-se que a regularização de que se trata esta norma, dar-se-á sem prejuízo da apuração pelas autoridades competentes das responsabilidades civil, penal e administrativa, nos casos de acesso ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado em desacordo com normas vigentes (Art. 8º). Ademais, os processos já protocolados na Secretaria-Executiva do CGEN que visam à regularização das referidas atividades, antes da edição da norma, serão processados como solicitações de regularização, devendo ser complementados pelos requisitos presentes na Resolução (Art. 6º).
Por: Buzaglo Dantas