Muito embora a disciplina geral em matéria de condomínios multifamiliares tenha sido instituída pela Lei Federal n. 4.591/1964, a Constituição Federal fixa nos municípios a competência para promover o adequado ordenamento do parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). Do mesmo modo, o texto constitucional institui que é o Poder Público Municipal o responsável pela política de desenvolvimento urbano, de modo a “ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes”.
Por esse motivo, o Município de Florianópolis, no exercício de sua função ordenadora da polis, editou seu Plano Diretor, a Lei Complementar n. 482/2014, cuja redação acrescenta regras e exigências para a instalação de condomínios em seu território. Dentre tais exigências, destacam-se as dispostas no art. 90, §1º, assim redigidas:
- Art. 90 Nos loteamentos a exigência de áreas para sistema viário e equipamentos urbanos e comunitários será proporcional a densidade proposta para o empreendimento, obedecendo aos mínimos previstos na legislação respectiva.
- §1º Em todos os projetos de parcelamento do solo, incluídos os condomínios unifamiliares, o percentual mínimo de AVL será de dez por cento e o de ACI cinco por cento da área total parcelável.
Ou seja, para a instalação de condomínios, faz se necessário que o empreendedor reserve um percentual de 10% do imóvel para as Áreas Verdes de Lazer (AVL) e, ainda, 5% para Áreas Comunitárias e Institucionais (ACI). Trata-se de duas espécies do gênero “Macro Áreas de usos Urbanos”, consistindo as AVLs em “espaços urbanos ao ar livre de uso e domínio público que se destinam à prática de atividades de lazer e recreação, privilegiando quando seja possível a criação ou a preservação da cobertura vegetal”.
Nesse sentido, uma dúvida tem intrigado aqueles que atuam na seara do direito urbanístico e ambiental: caso o imóvel no qual se pretende empreender possua áreas de preservação permanente (APPs), é possível que tais áreas sejam contabilizadas no percentual a ser instituído como AVL? Tal questionamento, por ser carente de resposta específica na legislação federal, tem sido objeto de debates tanto nas vias administrativas dos entes federativos quanto em meio ao judiciário.
Pois bem, em que pese a sensibilidade da discussão, de alguns anos para cá o entendimento dos operadores do direito, em sua maioria, tem caminhado para autorizar esse procedimento, sobretudo se utilizada como parâmetro a cidade de Florianópolis. A Procuradoria Geral do Município, inclusive, já se manifestou sobre o assunto por meio da Súmula Administrativa PGM 003/2022, segundo a qual, “voltando-se mutuamente à preservação da cobertura vegetal, as Áreas Verdes de Lazer (AVLs) podem ser alocadas e sobrepostas em áreas dotadas de vegetação de Mata Atlântica e em APPs, devendo os órgãos integrantes do Poder Executivo local se absterem da imposição de restrições ou limitações despidas de embasamento legal próprio”.
Ou seja, a municipalidade, ao reconhecer a confluência de objetivos entre essas duas espécies de ambientes dotados de proteção (APP e AVL), não viu sentido em obstar, ou até mesmo limitar, sua sobreposição.
O próprio Código Ambiental de Santa Catarina, ao dispor acerca do regime das Áreas Verdes Urbanas, expressamente previu a possibilidade de aproveitamento das APPs e Matas Atlânticas em sua instituição. Nos termos da lei:
- Art. 136-A. O Poder Público municipal contará, para o estabelecimento de áreas verdes urbanas, com os seguintes instrumentos:
- […]
- 2º Para fins de área verde, é possível o aproveitamento da vegetação de mata atlântica de que tratam os artigos 30 e 31 da Lei federal nº 11.428, de 2006, bem como das APPs existentes no imóvel.
Há entendimento, inclusive, do Ministério Público de Santa Catarina sobre o assunto, também no sentido de essa sobreposição de AVL em APP ser possível. Tal posição foi exarada no “Guia de Atuação no Ordenamento Territorial e Meio Ambiente” (Coordenado por Paulo Antonio Locatelli. Florianópolis: MPSC, 2015), que, em seu 21º ponto, afirma ser admissível a “hipótese de sobreposição da área verde em área de preservação permanente”. No documento, o ente ministerial justifica seu posicionamento no fato de que tal área será doada ao Município, tornando possível o estímulo à criação de parques lineares, que exercem funções de lazer, conservação de biodiversidade, regulação de clima e de segurança a intempéries climáticas. O parquet ainda fundamenta sua compreensão no Código Florestal, que, ao dispor sobre as hipóteses de intervenção em APP, autoriza as de baixo impacto ambiental, como a implantação de trilhas para o desenvolvimento de ecoturismo.
Portanto, e tendo em vista a própria lógica do ordenamento citadino, é até preferível que as Áreas Verdes de Lazer sejam instaladas em Áreas de Preservação Permanente, com vistas à criação de uma dupla proteção a esses espaços de inegável importância para a preservação dos ecossistemas. Do mesmo modo, não há como negar que, para a população, é extremamente benéfico que as AVL sejam localizadas em espaços de maior exuberância natural, como matas pouco ou nada exploradas, margens de cursos d’água, tendo em vista o conteúdo recreativo e paisagístico que esse instituto também possui.
Se Santa Catarina – sobretudo Florianópolis – tem caminhado a passos largos para pacificar esse entendimento, o que se espera é que essa tendência contagie as outras unidades federativas. Neste caso, haverá um inegável aumento na segurança e na celeridade dos procedimentos de licenciamento urbanístico/ambiental.
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