A presidente Dilma Rousseff sancionou na quarta-feira, dia 20 de maio, o novo Marco Regulatório da Biodiversidade (Lei nº 13.123/15). O Projeto que agora se torna lei havia sido aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados no último dia 27, após revisão e apresentação de emendas pelo Senado Federal.
O objetivo declarado do marco regulatório é simplificar as regras para pesquisa e exploração do patrimônio genético no país, regulamentando o § 1º, inciso II, e § 4º do art. 225 da Constituição Federal. Além disso, a norma busca adequar a legislação brasileira à Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica de 1992, da qual o Brasil é parte integrante.
A formulação de um comando normativo como este, debatido e criado no âmbito do Poder Legislativo (diferentemente da Medida Provisória nº 2.186/2011, que até o momento disciplinava a matéria), sem dúvida merece celebração, principalmente em um país como o Brasil, onde a singular diversidade biológica representa um verdadeiro patrimônio nacional. Entretanto, alguns aspectos da norma merecem especial atenção.
Logo de início, destaca-se o tratamento dado à participação das populações indígenas, comunidades tradicionais e agricultores tradicionais no processo de tomada de decisão sobre questões atinentes à conservação e ao uso sustentável de seus conhecimentos associados ao patrimônio genético. O novo marco também garante o direito dessas comunidades a perceber benefícios pela exploração econômica do patrimônio, bem como usar e vender produtos que contenham patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado.
Cabe ressaltar que, ainda que inclua essas populações nos processos de decisão e exploração, a nova lei não obsta o acesso aos conhecimentos tradicionais para fins de pesquisa e exploração econômica, o que parece ser o caminho mais acertado e ponderado a se seguir, permitindo a continuidade do desenvolvimento sustentável de técnicas e produtos envolvendo o patrimônio genético brasileiro.
Outro ponto de destaque referente à nova Lei diz respeito à flexibilização do procedimento para acesso ao patrimônio genético, uma vez que a norma até então vigente exigia que as empresas interessadas em acessá-lo apresentassem uma vasta e complexa documentação ao Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) e aguardassem o procedimento de aprovação para iniciar as pesquisas. Tal burocracia acabava por conduzir muitos pesquisadores à ilegalidade enquanto o procedimento não chegasse ao fim, em razão da demora na análise da documentação e emissão da autorização.
Com o advento do novo marco, o procedimento foi simplificado. As empresas nacionais podem realizar um cadastro via internet e iniciar os trabalhos de pesquisa com maior agilidade, o que incentiva a diversificação dos estudos até então realizados e permite que novas pesquisas sejam iniciadas.
Por outro lado, um ponto questionável da lei recém-sancionada é a facilitação do acesso ao patrimônio genético por empresas estrangeiras. Ainda que tenha sido vedada tal obtenção de forma direta por pessoa natural estrangeira, permitiu-se que, através de simples cadastro, pessoa jurídica sediada no exterior possa acessar o patrimônio genético nacional, bem como o conhecimento tradicional, desde que seja associada à instituição nacional de pesquisa pública ou privada. Caso tal associação não exista, a obtenção do patrimônio por pessoa jurídica estrangeira também é possível, exigindo-se nesse caso emissão de autorização prévia. Teme-se abrir aí uma perigosa via de acesso à chamada biopirataria, uma realidade infelizmente constante em um país como o nosso, com amplas fronteiras – o que por si só já representa um obstáculo ao controle – e tamanha diversidade biológica.
O marco regulatório viabilizou também o envio de amostra ao exterior para fins de pesquisa ou desenvolvimento tecnológico, descartando qualquer preferência pela realização de tais estudos em território nacional (o que contraria, inclusive, as determinações contidas na já mencionada Convenção Internacional de Biodiversidade). Entende-se que aqui se desperdiçou uma excelente oportunidade de fomentar o desenvolvimento tecnológico brasileiro, colocando-se o país, novamente, em uma posição de submissão e dependência em relação às nações consideradas desenvolvidas.
No que se refere à repartição de benefícios resultantes da exploração econômica do produto acabado ou do material reprodutivo, a Lei nº 13.123/15 isenta de tal obrigação as microempresas, as empresas de pequeno porte e os microempreendedores individuais. Nesse ponto, merece elogios a tentativa de se incentivar a competitividade e o crescimento econômico dessas categorias, no sentido de não se onerar de forma excessiva suas atividades. Não se ignora, porém, a possibilidade de eventuais fraudes ao comando legal.
Ressalte-se, ainda, que o marco regulatório prevê que 1% da receita líquida anual obtida com a exploração econômica deverá passar pela repartição dos benefícios, havendo a possibilidade de redução para até 0,1% mediante acordo setorial. O referido acordo poderá ser celebrado entre empresas e grupos tradicionais até um ano após o início da comercialização do produto no mercado, de modo a possibilitar uma avaliação mais precisa de seu real potencial econômico.
Ainda em relação à repartição dos benefícios, sujeitam-se a essa obrigação o fabricante do produto acabado ou o produtor do material reprodutivo, excluindo-se, portanto, quem tenha acessado o patrimônio genético anteriormente. Tal divisão parece ser a via mais justa de se onerar os ganhos advindos da exploração econômica do patrimônio em questão, uma vez que não são impostos encargos às fases intermediárias da produção, de modo a incentivar que as atividades de pesquisa possam seguir seu curso sem maiores entraves.
O marco regulatório também estabelece sanções ao não cumprimento de suas disposições, que englobam multa, apreensão e até mesmo o cancelamento de autorização de acesso ao patrimônio genético. No que se refere especificamente às multas, estas podem variar de mil reais a cem mil reais, em se tratando de infração cometida por pessoa natural, e de dez mil reais a dez milhões de reais, caso o infrator seja pessoa jurídica. Especialmente quanto a essa segunda categoria – pessoa jurídica – salta aos olhos a grande variação existente entre os valores mínimo e máximo da multa, considerando principalmente a inexistência de maiores critérios para seu arbitramento, o que pode abrir margem para excessos por parte dos aplicadores da norma.
Entre os vetos da Presidência – seis ao todo – destaca-se aquele que retirou do corpo da lei a possibilidade de isenção do pagamento de “royalties” quanto aos produtos que tiveram a pesquisa iniciada antes de 29 de junho de 2000 (marco utilizado por se tratar da edição da primeira legislação sobre o tema). Com o veto, passa a ser necessário que a exploração econômica do produto tenha sido iniciada até a referida data para que possa se fazer jus à indenização. Em outras palavras, não basta o início da pesquisa. Assim, a mudança acaba por restringir a possibilidade de isenção a um número menor de casos e aumentar a arrecadação, o que, como se sabe, nunca é favorável ao empreendedor.
O marco regulatório também possibilita a regularização dos usuários que se encontram em desconformidade com a legislação anterior à nova Lei, isentando-os assim de possíveis sanções. Acredita-se que essa possiblidade de regularização seja de grande valia, principalmente considerando as mudanças consideráveis implementadas pela nova legislação e a pesada carga de burocracia existente na legislação anterior, o que dificultava o atendimento das normas por muitos que buscavam ter acesso ao patrimônio genético.
De um modo geral, percebe-se que a edição de um marco regulatório destinado à biodiversidade confere maior segurança e amplia as garantias aos processos de pesquisa, exploração e comercialização dessa riqueza nacional. Entretanto, como qualquer norma recém-aprovada, permanece aberta a porta para inúmeras discussões, que apenas poderão ser solucionadas no decorrer do tempo, quando a normativa for de fato posta em prática e suas exigências e procedimentos passarem a surtir efeito.
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