O litoral brasileiro possui, no que diz respeito aos direitos reais, uma peculiaridade em relação aos demais países de tradição jurídica similar. É que, no ordenamento pátrio, os terrenos de marinha, consistentes nos 33 metros a partir da linha preamar média de 1831, são de propriedade da União Federal, sob administração da Secretaria do Patrimônio da União – SPU, conforme o art. 1º, alínea “a” do Decreto-Lei n. 9.760/1946.

Nesse sentido, a ocupação da faixa litorânea, historicamente a mais densamente povoada do país, possui algumas particularidades. Isso porque a disciplina legal desses espaços perpassa uma série de regulamentos referentes à relação jurídica existente entre os particulares ocupantes e a União.

Em primeiro lugar, cabe dizer que, tendo em vista as continentais dimensões da costa brasileira, não foi possível, ainda, demarcar a integralidade dos terrenos de marinha no país. A ocupação desse território, no entanto, não aguardou a devida demarcação para ter início, de sorte que cidades inteiras cresceram e se estabeleceram sem que houvesse uma certeza da extensão dos territórios de titularidade federal – como é o caso de Florianópolis, por exemplo.

Foi por isso que a legislação brasileira buscou resguardar os direitos daqueles que possuem propriedades em áreas atingidas pela demarcação das terras de marinha. Assim, o mesmo Decreto-Lei n. 9.760/46, alterado pela Lei n. 13.139/2015, determina a notificação dos interessados no procedimento demarcatório para apresentar impugnação ao procedimento demarcatório. Ou seja, sem a devida participação dos particulares atingidos, é impossível que seja homologada a demarcação e, assim, reconhecida a propriedade da União.

O segundo aspecto que merece atenção consiste nas contraprestações devidas pelos particulares detentores de direitos reais em terrenos de marinha ao ente federativo, que podem ser a título de foro, laudêmio e taxa de ocupação.

O foro diz respeito à taxa incidente sobre os terrenos dotados de ocupação anterior ao processo de demarcação, e corresponde a 0,6% do valor do imóvel em questão.

O laudêmio, por outro lado, corresponde ao montante pago à União quando da transferência entre particulares dos direitos de ocupação ou de foro de eventual imóvel em terreno de marinha, e equivale a 5% do valor atualizado do bem.

Por fim, a taxa de ocupação diz respeito ao valor pago pela pessoa que obteve da SPU a autorização para ocupar o imóvel de propriedade da União, sendo equivalente a 2% do valor do imóvel para inscrições até 30/09/1988 e 5% para inscrições posteriores.

Acerca da transferência de direitos de ocupação, inclusive, há de se fazer um adendo. Nos termos da Instrução Normativa SPU n. 1/2018, o adquirente tem a obrigação de requerer a transferência da titularidade do imóvel no cadastro da SPU em 60 sessenta dias, contados da data em que foi lavrada o título aquisitivo, no caso de ocupação, ou da data em que foi efetivado o registro da transferência na matrícula do imóvel, no caso de foro.

Diz-se obrigação pois, em caso de não cumprimento, o comprador fica sujeito a multas que podem alcançar 0,5% do valor do imóvel ao mês. Trata-se de valor que, a julgar pela valorização dos terrenos em faixas litorâneas, pode alcançar dezenas de milhares de reais. Daí a necessidade de atenção quando da aquisição de imóveis em terrenos de marinha.

Para além de tais regimes, segundo os quais o título de propriedade do imóvel mantém-se com a União, a SPU lançou a “Proposta de Manifestação de Aquisição” (PMA), por meio da Portaria n. 19.832/2020, que regulamenta o recebimento de proposta de aquisição definitiva de imóveis da União que não estejam inscritos em regime enfitêutico. Trata-se de nova modalidade, na qual o particular poderá adquirir do ente federal a efetiva propriedade do terreno.

O regime jurídico dos terrenos de marinha, no Brasil, é assunto de vital importância no desenvolvimento de atividades econômicas no litoral, bem como na segura efetivação de transações imobiliárias. Por esse motivo, saber dos direitos e obrigações relacionados a esse espaço especialmente regulado em nosso país torna-se fundamental para a segurança jurídica de empreendedores ou ocupantes de nossa faixa litorânea.

Por: João Pedro Carreira Jenzura