A norma processual civil brasileira determina que o ônus da prova recaia sobre o autor, pois é este que tem o dever de comprovar suas alegações, ou seja, os fatos “constitutivos de seu direito”, ao passo que cabe ao réu demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo de direito, conforme estabelece o art. 373, incisos I e II, do CPC.
Todavia, a lei admite a possibilidade de inversão do ônus da prova nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas: (i) à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo; ou (ii) à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário (art. 373, § 1º, do NCPC)
Isto posto, apenas o preenchimento destes dois requisitos justificaria a atribuição de ônus da prova diverso do estabelecido no caput do art. 373 do NCPC.
Não bastasse isso, ainda vige no direito ambiental a Súmula 618 do STJ, estabelecendo que “a inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”.
Porém, não é incomum nos depararmos com decisões que invertem o ônus da prova, aplicando incondicionalmente a referida súmula, sem respeitar os devidos requisitos legais, ferindo veementemente os princípios e garantias fundamentais processuais, apenas sob a justificativa da preservação ambiental.
O resultado da aplicação indevida é um encargo desproporcional ao réu, aliado à insegurança jurídica, ferindo, assim, a isonomia processual e ampla defesa, tão importantes para o ordenamento jurídico brasileiro.
Nesse sentido, inclusive, recente posicionamento da 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo corrobora a necessidade de um olhar diferente à questão em debate, ao dar provimento ao Agravo de Instrumento n. 2229313-56.2021.8.26.0000, para afastar a inversão do ônus da prova deferida em ação civil pública de matéria ambiental.
Nos referidos autos, o réu havia sido acusado de poluição sonora, tendo sido invertido o ônus da prova requerida pelo Ministério Público de São Paulo com base no art. 6º, inciso VIII, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e no art. 21, da Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), bem como nos princípios da prevenção, precaução e poluidor-pagador, além da súmula 618 do STJ.
Segundo a Relatora, Desembargadora Estadual Dra. Maria Laura Tavares, “ é forçoso concluir que a responsabilização do réu pela prática de conduta que caracterize dano ao meio-ambiente artificial, no caso a poluição sonora, não modifica a sistemática de divisão do ônus da prova estabelecida pelo Código de Processo Civil”.
E de fato! As situações que verificam a possibilidade de inversão do ônus da prova são excepcionais, não sendo possível exigir que a parte ré comprove fatos que não são de sua incumbência provar, mas sim da parte autora, “sobretudo em se tratando de poluição sonora que, em princípio, não deixa vestígios permanentes, como ocorre em outras formas de dano ambiental, como o desmatamento, o lançamento de gases poluentes na atmosfera, resíduos contaminantes no solo, etc.”
Assim, reconhece-se a importância da Súmula 618 nas demandas ambientais, todavia a sua aplicabilidade deve se dar com parcimônia, visto que a distribuição do ônus da prova deve seguir a dinâmica processual civil, mas de maneira a garantir às partes suas garantias fundamentais de forma justa e equilibrada.
Dessa maneira, o princípio da precaução, prevenção e do poluidor-pagador não são suficientes para que, isolados, se possa atribuir o ônus probatório à outra parte senão à autora.
O tema ainda é controverso, de forma que ainda existem diversas demandas perante o STJ para discutir acerca da aplicabilidade do instrumento da inversão do ônus da prova nas ações de degradação ambiental e justamente por isso, a distribuição de tal ônus deve ser feita de forma equilibrada, preservando-se os direitos das partes.
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