No dia 28/04/2021 foram a julgamento os recursos especiais repetitivos que compunham o Tema 1010 junto ao STJ, cuja controvérsia se estabeleceu a partir da necessidade de se delimitar a extensão da faixa não edificável (áreas de preservação permanente) a partir dos cursos d’água naturais em locais caracterizados como área urbana consolidada.

A discussão surgiu a partir de uma tendência de parte do Poder Judiciário e dos membros do Ministério Público Estadual (sobretudo em Santa Catarina) em aplicar a Lei do Parcelamento do Solo (art. 4º, III) e/ou princípios como o da proporcionalidade/razoabilidade para flexibilizar as áreas urbanas consolidadas das regras estabelecidas pelo Código Florestal quanto aos afastamentos de cursos d’água.

Após discorrer sobre o histórico legislativo e jurisprudencial consagrado sobre a temática, a Primeira Seção do STJ, por unanimidade, entendeu que, pela função ecossistêmica das “APPs ripárias” – proteção do solo e dos recursos hídricos -, seja em ambiente urbano ou rural, deve prevalecer a normativa constante do art. 4º, I do Código Florestal.

Assim, seja em área urbana, seja em área rural, o STJ entendeu não mais ser possível estabelecer-se como parâmetro, para fins de APPs das faixas marginais de cursos d’água, distância menor do que aquela determinada pelo Código Florestal – de 30 a 500 metros.

Em que pese o entendimento exarado pelo Tribunal Superior, a Segunda Câmara de Direito Público do TJSC, recentemente, deu uma outra perspectiva ao tema “APPs de curso d’água”, de modo a balizar o “rigor” da norma e do julgamento referido, para situações em específico. São elas: a) existência de ocupação antrópica sem observância ao distanciamento das margens do curso d’água; b) perda das funções ambientais inerentes ao curso d’água; c) inviabilidade de recuperação da faixa marginal; d) ausência de efeitos positivos com a observância do recuo etc.

No caso em concreto, segundo destacou o TJSC, o elemento hídrico sequer era visível da superfície (encontra-se no subsolo), não mais exercia qualquer atributo [função] ambiental relevante e suas “margens” apresentavam-se inteiramente ocupadas, sem qualquer possibilidade de se cogitar a demolição de todo um bairro (irreversibilidade da medida).

Antes de mais nada, vale dizer que, a nosso ver, o acórdão não vai de encontro ao que estabeleceu o Tribunal Superior; elementos hídricos que genuinamente não mais se caracterizem como “áreas de preservação permanente”, de fato, não merecem receber a proteção que a Lei Florestal definiu, por absolutamente irrelevante sob o ponto de vista ambiental.

De fato, tendo em vista que o que o STJ buscou proteger, ao julgar o tema 1010, foi a função ecossistêmica das “APPs ripárias”, não há razão para se aplicar, de maneira irrestrita, a necessidade de um recuo de 30 metros [ou mais] para elementos hídricos que, por exemplo, não desempenhem qualquer atributo ambiental – esta que é condição sine qua non para que se caracterize um espaço como área de preservação permanente (art. 3º, II, do Código Florestal).

O entendimento proferido pelo Tribunal Catarinense é brilhante e consentâneo à realidade encontrada nas cidades de todo o país.

Precedente: TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 5028501-52.2019.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 20-07-2021.

Por: Fernanda de Oliveira Crippa