Na data de 09 de julho de 2014, o Grupo de Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina exarou interessante acórdão nos autos dos Embargos Infringentes de n. 2013.077696-5. O recurso, interposto a fim de fazer prevalecer o voto dissidente no julgado da apelação que originou os embargos aqui analisados, teve como foco, em breve síntese, a divergência quanto à demolição ou manutenção de um imóvel que fora construído sem licença em uma área de preservação permanente.

Segundo a jurisprudência majoritária das Câmaras de Direito Público do mesmo Tribunal, resta claro que “deve ser demolida a obra caracterizada como clandestina, ou seja, construída sem a licença necessária”. Os defensores dessa linha de raciocínio afirmam que a constatação da irregularidade das edificações, construídas sem autorização do poder público e em área de preservação permanente, é, por si só, suficiente para conduzir à procedência do pleito demolitório, uma vez que o dano ambiental deve ser presumido. Podemos identificar essa linha de raciocínio no próprio acórdão, inclusive. Destarte, não seria de se estranhar se os ínclitos desembargadores decidissem, na esteira dessa linha interpretativa, em prol da demolição dos imóveis da embargada – construídos ao arrepio da lei e sem autorização. O Acórdão ora analisado se mostra interessante, pois, contrariando a jurisprudência firmada, à luz das peculiaridades do caso concreto, optou por seguir em direção diametralmente oposta.

Parece importante destacar, neste sentido, em uma frase que pode ser erroneamente considerada como repetitiva, ou até mesmo obvia, que as defesas do meio ambiente devem ter como foco a preservação e a manutenção do equilíbrio do próprio meio ambiente. Nessa esteira de entendimento, podemos afirmar, por pertinente, que a legislação e o judiciário apresentam-se como meios à preservação e obtenção do fim almejado: a salvaguarda do meio ambiente em si. Ora, parece claro, portanto, que a aplicação da letra da lei, que, ao nosso ver, toma forma de instrumento, só fará sentido se levar em consideração o fim para a qual foi criada. A análise de um caso não pode, por conseguinte, ser realizada em uma esfera isolada dos fatos pertinentes à cada situação.

Com vista à uma análise mais completa do caso, portanto, faz-se importante esclarecer, conforme inferem-se dos laudos técnicos apresentados, que o imóvel em questão está situado em uma antiga pedreira, em uma área protegida pela legislação ambiental federal. Importante apontar, ainda, que a compra do imóvel, pela embargada, na década de 80, resultou em um benefício inestimável para a região, pois a proprietária fez questão de impedir o processo de degradação ambiental – resultante das atividades anteriores à sua compra – realizando, entre outros, trabalhos de recomposição da paisagem. Esse trabalho de reestruturação paisagística permitiu a manutenção de uma grande variedade de espécies da mata atlântica, assegurando, entre outros benefícios, alimentos à fauna local. Não restam dúvidas, portanto, que essas ações facilitaram a recuperação e a manutenção da biodiversidade original, proporcionando, inclusive, um melhor conforto ambiental a todos que tenham a oportunidade de visitar aquele espaço.

Inteligentíssima, portanto, a nosso ver, a interpretação da nobre desembargadora Sônia Maria Schmitz ao afirmar, no corpo do acórdão proferido no recurso da apelação, que, no caso concreto, ora analisado, “a afronta ao direito ambiental se fixa[va] mais no campo da formalidade do que no âmbito da realidade”. Assim, ao seguir a linha de interpretação exposta, a julgadora concluiu, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, que a manutenção da ordem de demolição do imóvel se evidenciaria como um ato exorbitante, notadamente devido à provável extirpação do direito à moradia. Ademais, e talvez aqui com maior destaque, parece-nos que o exame das peculiaridades da situação concreta podem apontar à conclusão de que a manutenção do referido imóvel, nos moldes mantidos pela então proprietária, pode ser – nas devidas proporções – benéfica ao equilíbrio do meio ambiente daquele local.

É por isto que, a nosso ver, os ilustres desembargadores acertaram ao negar provimento aos Embargos Infringentes aviados, afinal, como já atestava o clássico brocardo jurídico lex non est textus sed,a lei não é texto, mas contexto.

Por: Guilherme Berger Schmitt