No dia 14 de fevereiro último, faleceu em Londres, aos 81 anos, o grande filósofo do Direito e Constitucionalista americano Ronald Dworkin, um dos mais célebres juristas do século XX.  Autor de centenas de artigos e diversos livros, Dworkin influenciou uma plêiade de estudiosos em todo o mundo. No Brasil, não há estudo sério sobre interpretação constitucional que não tenha no mínimo citado seus mais importantes trabalhos.

            Se não foi o precursor, Dworkin tornou-se o mais conhecido difusor da teoria segundo a qual a norma jurídica não se limita à lei, mas engloba também os princípios. Assim, em sua primeira e mais conhecida obra (Taking rights seriously), o mestre defendia que, para resolver os chamados “casos difíceis” (hard cases) – aqueles em que não há lei específica que dê a solução – deve o intérprete se valer dos princípios, evitando assim deixar o jurisdicionado à mercê de uma opção subjetiva do julgador.

            Neste contexto, Dworkin sustentava que não há discricionariedade na decisão judicial, ou seja, o juiz não possui margem de subjetivismo para decidir as questões que lhe são submetidas, já que está adstrito às normas jurídicas (regras e princípios). Para defender este ponto de vista, criou a figura imaginária de Hércules, um juiz com competências e habilidades sobre-humanas. Aqui talvez resida o ponto de maior controvérsia na teoria de Dworkin, quando afirma que, para os casos difíceis, só haveria uma única resposta correta – justamente aquela que seria dada por Hércules caso fosse ele o julgador. Assim é que, em Law’s empire, ao comentar o célebre caso TVA v. Hill, julgado pela Suprema Corte americana, em que foi paralisada a construção de uma represa para proteger uma espécie de peixe ameaçada de extinção, Dworkin taxativamente afirma que a única resposta correta a ser dada seria justamente a oposta à que foi atribuída pelo Tribunal. Como se pode imaginar, não faltaram críticas a este entendimento.

            O mestre, contudo, com a humildade típica dos grandes homens, na apresentação de uma de suas últimas obras admite que há situações em que “eu devo estar errado e os críticos certos” (Justice in robes).

            Dworkin também não descurou de tratar das hipóteses em que um princípio colide com outro, casos em que, segundo ele, a solução está na dimensão de peso (dimension of weight), prevalecendo aquele que, à luz do caso concreto, tenha maior valor. Em outras situações, o princípio que cedeu naquela hipótese poderá prevalecer, já que, diferentemente do que se dá com as regras, que se aplicam no plano do “tudo ou nada” (all or nothing), os princípios são aplicados caso a caso (case by case). Trata-se de tese que continua atual nos dias de hoje.

            Dworkin está longe de ter sido o único jurista a tratar do tema nem tampouco foi o mais importante e influente (mérito que talvez pertença ao alemão Robert Alexy, em Teoria dos direitos fundamentais). Contudo, é inegável que suas ideias foram o ponto de partida para se atingir o resultado decorrente dos estudos que se sucederam.

            Professor titular da New York University e emérito da University College de Londres, tendo lecionado ainda em Yale e Oxford – onde sucedeu Herbert Hart, seu antigo examinador e cuja teoria foi objeto das mais contundentes críticas do aluno, posteriormente respondidas no pós-escrito de O conceito de Direito –, Ronald Dworkin é uma referência internacional que jamais será esquecida e cujas ideias ainda influenciarão o pensamento jurídico por muito tempo.

Por Marcelo Buzaglo Dantas