Um processo de 20 anos e quase meio milhão de reais movido pelo Ministério Público Federal contra uma transportadora de petróleo por danos ambientais morreu na praia não por falta de provas contra a empresa, mas por desrespeito ao próprio regulamento do MP. Ajuizada por procuradora nomeada para o caso – e não sorteada -, a Ação Civil Pública que exigia indenização de R$ 338 mil por vazamento de combustível foi extinta por desrespeitar o princípio do promotor natural. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região entendeu que o procurador-geral da República extrapolou suas funções ao escolher, por uma portaria, o responsável por assinar a ação. Ainda cabe recurso.
O deslize do MPF provocou uma reviravolta no caso da falida L. Figueiredo S/A. A massa falida da empresa já havia sido condenada em primeira instância. Ajuizada em 1990, a Ação Civil Pública foi assinada por promotora designada por meio da Portaria 6, editada em 8 de novembro de 1990 pela Procuradoria-Geral da República. A determinação nomeou a promotora como coordenadora da Defesa dos Direitos Individuais e Difusos oito dias antes da elaboração da ação civil.
Para o relator do caso no TRF-3, desembargador federal Fábio Prieto de Souza, houve “exercício precário e circunstancial de funções, contra os termos da Constituição Federal”, já que a designação não seguiu os critérios de antiguidade e merecimento, mas foi discricionária. “Quem subscreveu a petição inicial não tinha capacidade postulatória.”
A 4ª Turma do TRF-3 concordou de forma unânime com o voto, que dá ao MP a possibilidade de recomeçar do zero e entregar a ação a um promotor sorteado. O acórdão foi publicado na última quinta-feira (15/7). A CONJUR procurou o Ministério Público Federal em São Paulo para comentar o caso, mas não teve retorno até o fechamento da reportagem.
A nomeação se baseou, no entendimento do relator, em interpretação da Lei 1.341/1951, a Lei Orgânica do Ministério Público da União. Em seu artigo 30, a lei dava ao procurador-geral a prerrogativa de “designar, mediante portaria, qualquer membro do Ministério Público Federal para o desempenho de outras atribuições, sem prejuízo das funções ordinárias”, e de “dar instruções aos membros” do MPF.
No entanto, segundo o desembargador, a Constituição Federal revogou a atribuição ao estabelecer o princípio da independência funcional dos procuradores no artigo 127, parágrafo 1º. “A partir da Constituição Federal de 1988, o procurador-geral da República perdeu a atribuição de dar instruções aos membros do Ministério Público Federal ou designar – ad hoc e ad arbitrium – qualquer membro do Ministério Público Federal”, disse Souza em seu voto.
Segundo o desembargador, não é sequer o caso de uma lei inconstitucional – cujo julgamento só poderia ser feito pelo Órgão Especial do TRF -, mas de revogação da regra por uma norma hierarquicamente superior, a Constituição Federal. “As funções do Ministério Público são centralizadas em agente político protegido pela inamovibilidade. Trata-se de garantia do profissional e da sociedade”, disse ele, para quem essas funções devem ser “cometidas ao promotor natural, antítese, no Estado Democrático de Direito, do promotor de encomenda”. A emulação do princípio do juiz natural para os promotores foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal em 1992, no julgamento do pedido de Habeas Corpus 67.759.
A única forma de designação de promotor ainda aceita atualmente é a feita não pelo procurador-geral, mas pelo Conselho Superior do Ministério Público. É o caso de ações civis públicas consideradas indevidas pelos órgãos do MP. Nessas situações, a decisão de arquivar uma ação deve ser levada ao Conselho Superior, que pode ratificá-la ou não. Se não concordar, deve indicar um promotor para cuidar do caso. A exceção está prevista na Lei 7.347/1985, a Lei de Ação Civil Pública, em seu artigo 9º.

Fonte: CONJUR