A par das notícias lamentáveis na política e na economia, o ano de 2014 e o início de 2015 no Brasil foram marcados pela escassez de água. Fenômeno até então pouco conhecido fora dos limites do Norte e do Nordeste do país, a seca chegou ao Sudeste. Rio de Janeiro e São Paulo, duas das principais capitais econômicas brasileiras e respectivas regiões, correm sérios riscos de desabastecimento. Em um país com características geográficas como as do nosso, jamais se imaginou que a situação chegaria até onde chegou. Especialmente, em seu eixo central, onde, repita-se, os habitantes jamais sofreram com a perspectiva de falta d’água.

Decorrente da ausência de chuvas, possivelmente resultante das mudanças climáticas, outros fatores também podem ter contribuído para a terrível situação a que se chegou – e, o que é pior, parece longe de estar solucionada.

A falta de cuidado com a vegetação ciliar onde ela ainda existe é também apontada por especialistas como uma das causas do problemas, na medida em que a devastação das áreas circundantes de rios, cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e similares contribui para o assoreamento e, portanto, para as perdas qualitativas e quantitativas dos elementos hídricos e de suas funções ecológicas.

As dificuldades de fazer implementar a legislação ambiental sempre foram muitas, a ponto de ter se tornado lugar comum afirmar que o país possui um dos mais bem estruturados sistemas legais de proteção ao meio ambiente do mundo, o qual, contudo, carece de efetividade.
A cultura que se desenvolveu nesses rincões nunca foi a da preservação. Por aqui, sempre se preferiu investir na reparação dos danos do que propriamente prevenir para que não acontecessem. No caso dos recursos hídricos, jamais fizemos como os nova-iorquinos: preservas os mananciais para não ter que investir em saneamento. O resultado é mundialmente conhecido: o povo daquele estado norte-americano altamente industrializado possui uma das águas de melhor qualidade do planeta.

Aliás, já é hora de se parar de criticas os EUA por sua política em matéria de meio ambiente. Apesar dos dois mandatos do presidente George W. Bush, em que pouco se dez em termos de proteção ambiental (a não ratificação do Protocolo de Kyoto, por exemplo), o fato é que isto vem mudando desde a posse de Obama. Além disso, alguns estados como a Califórnia, vêm se destacando de maneira significativa pela adoção de medidas inteligentes que visam à preservação ambiental e a combater os efeitos causadores das mudanças climáticas.
Não é à toa que em todo o país, assim como em diversos outros da União Europeia, a água que sai das torneiras das casas da população é perfeitamente passível de ser tomada sem qualquer espécie de tratamento, algo absolutamente impensável no Brasil, onde os índices de saneamento básico estão muitíssimo aquém do desejável.

Por aqui, a preocupação com a quantidade e a qualidade da água nunca foi a tônica dos setores público e privado. Exceção feita a algumas poucas honrosas iniciativas, a regra sempre foi a falta de cuidado com os elementos hídricos e respectivos entornos. Desnecessário citar exemplos, infelizmente, até porque a lista ocuparia boa parte do espaço destinado a este artigo.
Como quer que seja, o que muitos recusam admitir é que os instrumentos de comando e controle, tão enaltecidos por setores da doutrina, não tiveram o condão de diminuir os efeitos da degradação do meio ambiente no Brasil. De fato, embora tenhamos um arcabouço legislativo vastíssimo direcionado à repressão das condutas tidas como ambientalmente reprováveis, a conclusão inevitável a que se pode chegar é que nada disso contribui para a crise que vivemos. Só muito recentemente se começou a perceber que não adianta apenas punir, reprimir, exigir reparação etc. É necessário ir além. Ou melhor, agir antecipadamente.

Refiro-me a algo que não é novidade, mas acerca do que se vem discutindo há vários anos em todo o mundo. Em rápida síntese, a solução para a questão ambiental está não na repressão, mas sim na antecipação ao ato ilegítimo, criando-se mecanismos de desestímulo a esta prática e, mais do que isso, na contramão, de incentivo à preservação.

Já está mais do que na hora de se partir para uma nova era. Um tempo em que se passe a investir intensamente na valorização e na recompensa daquelas que realizam serviços ambientais. Deixar em segundo plano o comando e o controle, historicamente tidos como soluções únicas, e adotar o pagamento pelas boas práticas ecossistêmicas.

A lógica é simples: em vez de simplesmente punir aquele que descumpre a legislação – o que, repita-se, revelou-se ineficaz – remunera-se quem preserva. É uma inversão total daquilo que sempre se praticou no Brasil. Em vez de “poluidor-pagador”, passa-se para a tônica do “protetor-recebedor”.

Ambos os princípios, aliás, encontram-se expressamente arrolados como integrantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos pelo artigo 6º, II, da Lei 12.305/10. Mas é evidente que o espírito da lei está muito mais voltado ao incentivo à preservação do que a punir quem descumpre seus termos. basta uma simples análise dos instrumentos da PNRS, reunidos no artigo 8º, para que não se chegue a outra conclusão.
O mesmo se diga no Novo Código Florestal, que decidiu toda uma seção para o que denominou de Programa de apoio e incentivo à preservação e à recuperação do meio ambiente (artigos 41 e seguintes), com destaque, já no primeiro inciso do primeiro artigo, ao pagamento ou incentivo a serviços ambientais como retribuição, monetária ou não, ás atividades de conservação e melhoria dos ecossistemas e que gerem serviços ambientais.

Iniciativas como essas vão desde a remuneração financeira aos pequenos proprietários rurais que preservam a vegetação que protege as águas, passando por incentivos tributários à preservação ecológica (IPTU verde, ICMS ecológico, redução de IPI para produtos ambientavelmente sustentáveis, etc.), maior incentivo financeiro à criação de reservas particulares (RPPNs), estímulo à comercialização de créditos de logística reversa e de cotas de reserva ambiental etc.

Ganham as pessoas, ganha o meio ambiente e ganha a sustentabilidade. Já está mais do que na hora de reconhecer que a proteção ambiental não é apenas uma fonte geradora de despesas, mas pode ser tornar uma grande oportunidade para as pessoas físicas e jurídicas obterem recompensas financeiras efetivas, ao mesmo tempo em que contribuem para a melhoria da qualidade ambiental das presentes e futuras gerações.

Este pode ser o primeiro passo para solucionar, ainda que a longo prazo, a crise da água e a do meio ambiente como um todo.

Por: Marcelo Buzaglo Dantas

Referência: Publicado na Revista Tribuna do Advogado, da OAB/RJ, edição de abril de 2015, p. 12-13 (tiragem de 150 mil exemplares).