Tornou-se lugar comum no Direito Ambiental Brasileiro a não aplicação do princípio constitucional da legalidade. Trata-se de postura preocupante, além de antijurídica. Argumenta-se que, como o que está em jogo é um bem que pertence às futuras gerações (CF/88, art. 225, caput), o que, se de um lado é a mais pura verdade, de outro, não pode servir de justificativa para a realização de outros direitos fundamentais igualmente dignos de tutela, nem tampouco para afastar-se a aplicação de princípios constitucionais expressos.

Entendimento contrário pode levar a perplexidades, dando origem a subjetivismos extremos capazes de tornar determinadas cláusulas constitucionais aplicáveis, ou não, conforme a vontade do intérprete. Pode-se mesmo chegar ao paradoxo de se entender que haveria direitos fundamentais de 1º, 2ª ou 3ª categorias, o que, por óbvio, não se coaduna com o nosso sistema constitucional, em que não existe hierarquia de qualquer espécie entre os preceitos constantes da Carta Magna.

Inobstante, decisões judiciais têm sido proferidas no sentido de considerar como válidos atos normativos inferiores como Resoluções, Portarias e Instruções Normativas, quando estas criam restrições ao exercício da livre iniciativa e do direito de propriedade, ainda que não atendendo ao que dispõe a lei. Trata-se de prática flagrantemente inconstitucional, que, contudo, tem ocorrido.

Neste contexto, é de grande valia a decisão recentemente proferida pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP), da lavra da e ex-Presidente da Corte, a e. Des. Federal Marli Ferreira (Agravo de Instrumento n. 0005872-20.2013.4.03.0000/MS, in D.E. de 30/09/2013).

Tratava-se de recurso interposto contra decisão liminar proferida em sede de ação civil pública que determinou que não fossem expedidas novas licenças ambientais prévias e de instalação para empreendimentos situados na bacia do Alto Paraguai, sob pena de multa de R$ 50.000,00 por ato autorizativo expedido, até que concluída a Avaliação Ambiental Estratégica – AAE de toda a referida bacia, estudo este que, segundo a mesma decisão, deveria ser realizado pelos réus da demanda.

Pois bem. A exigência em tela [realização de AAE] não está prevista na legislação ambiental brasileira – como ressaltado no acórdão, países como Alemanha e Dinamarca exigem-na, mas não o Brasil.

Ora, o que se está dizendo é que a necessidade de realização de Avaliação Ambiental Estratégia não só não consta de qualquer norma legal vigente no país, como também não está prevista em qualquer outro ato normativo inferior, ou seja, nem mesmo as Resoluções do CONAMA, tão pródigas em criar obrigações, jamais contemplaram a exigência.

Portanto, o que se pretende na ação civil pública originária não está calcado no ordenamento jurídico em vigor, mas apenas na ideia do autor da demanda, o Ministério Público Federal, que pretende não seja autorizado qualquer empreendimento no local sem a realização de Avaliação Ambiental Estratégia da “bacia do Rio Paraguai inteira”, o que, como dito, foi deferido pela r. decisão de 1º grau.

A se manter este entendimento atingir-se-ia um grau extremo de discricionariedade judicial, a ponto de se permitir ao Judiciário “criar” uma obrigação, o que afronta não só princípio da legalidade, como o próprio Estado Democrático de Direito. Daí o acerto da decisão do Tribunal, ao deixar assentado, no particular, que “decretar-se a invalidade de licenciamento ambiental exercido dentro das determinações legais com foco na preservação do meio ambiente pantaneiro é afastar a competência administrativa do Poder Público e dos órgãos licenciadores da manutenção responsável do meio ambiente, em todas as suas vertentes, no qual se situa o empreendimento, e outorgar ao autor da ação bem assim ao Poder Judiciário um poder normativo legiferante que não lhes pertence”.

De outro lado, a leitura do acórdão permite constatar que a Corte revelou preocupação com a proteção ambiental, que, no entender da Turma, foi resguardado pela realização dos estudos previstos em lei, “realizados à exaustão”. O que se deixou claro, apenas, é que “não deve ser exigido dos empreendedores e das esferas de poder local, regional e federal, outros instrumentos fora daqueles previstos na lei e nas Resoluções ambientais expedidas pelo CONAMA”. E, ainda, que “lacuna normativa, se por acaso existisse não se resolve com a criação de direitos e obrigações em clara afronta ao art. 5º, inciso II da CF”.

Outros aspectos da decisão ainda poderiam ser aqui referidos, como o fato de se ter dado também relevância extrema, tanto à proteção ambiental, quanto à necessidade de geração de energia no país. Mas o ponto mais relevante do acórdão é o fato de haver-se determinado o prosseguimento de licenciamentos ambientais paralisados com base em uma exigência estranha ao ordenamento jurídico em vigor.

Que esta decisão se torne um precedente a ser seguido em outros casos análogos. Afinal, como bem dizia Sebastián Soler, “uma coisa é a lei, outra a nossa opinião; quando ambas não coincidem, ninguém nos impedirá de dizer o que pensamos a respeito. Todavia, precisamos saber distinguir o que é a lei daquilo que desejávamos que ela fosse”.

Por: Marcelo Buzaglo Dantas