Comentário ao Julgado do STJ que indeferiu pedido de suspensão da decisão do TRF3 que concedeu a uma empresa o direito de acesso ao patrimônio genético da manteiga de cacau sem prévia autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN)

Os autos dão conta de Agravo de Regimental interposto pela União Federal em face da decisão monocrática que indeferiu seu pedido de suspensão dos efeitos da decisão proferida pelo Tribunal Regional da 3ª Região (TRF3), que concedeu a uma empresa o direito de acesso ao patrimônio genético da manteiga de cacau sem prévia autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN).

Na decisão agravada, inicialmente, o i. Desembargador Federal afirmou que a Medida Provisória nº. 2.186-16/2001 traz em seu bojo conceitos precisos e que uma mera leitura da norma demonstra que autorização da autoridade competente é exigida apenas para o “acesso” ao patrimônio genético, sendo este definido como a mera obtenção de amostras.   Nesse sentido, as demais atividades de pesquisa, comercialização e aproveitamento do patrimônio genético nacional estariam isentas de autorização prévia, estando submetidas apenas à fiscalização dos órgãos competentes.

Em pese a questão analisada envolver a “coleta” do cacau e, portanto, depender de prévia autorização, em nova ressalva, o Desembargador afirma a MP nº. 2.186-16/2001 só deve ser aplicada em casos de acesso a “espécimes de nossa flora ou fauna nativa, inseridos no respectivo meio ambiente original e não objeto de cultivo comercial de larga escala.”Assim, considerando que o cacau está disponível em diversos locais do mundo, declarou a empresa dispensada de qualquer autorização prévia para acesso ao cacau.

Inconformada, a União interpôs um pedido de suspensão dos efeitos da referida decisão afirmando, síntese, que ela esvazia as atribuições do CGEN, colocando em iminente risco o patrimônio genético brasileiro, bem como compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional. Contudo, por não vislumbrar perigo de dano eminente, o Ministro Relator indeferiu o pedido de suspensão da União, tal entendimento foi compartilhado pelos demais Ministros e o Agravo Regimental foi não foi provido.

Apesar do mérito da decisão não ter sido analisado pelos Ministros, que se restringiram a verificar a presença dos requisitos para concessão do pedido de suspensão, considerando que escassez de decisões sobre o tema, o julgado acima possui extrema relevância e deve ser analisado com cuidado.   Deve-se ter em mente que a decisão acima, foi baseada em cognição sumária e que o juízo não analisou laudos do CGEN ou qualquer documento técnico relativo à diversidade genética. Ademais, não foi considerado o uso sustentável do recurso vegetal a repartição dos benefícios financeiros advindos da exploração e utilização dos recursos naturais.

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-22T14:44:42+00:0022 de agosto de 2012|

Questões Jurídicas sobre o Acesso ao Patrimônio Genético da Biodiversidade

O grande potencial econômico proveniente dos recursos genéticos existentes em nosso país, somados aos custos da repartição de benefícios com as localidades de onde são extraídos e a dificuldade encontrada para se ter acesso aos mesmos junto à Administração Pública, faz com que formas ilegais de apropriação, exploração, manipulação e comercialização desses recursos, conhecidas como biopirataria, se tornem cada dia mais corriqueiras.

A Convenção de Diversidade Biológica (CDB) buscou compatibilizar a conservação da biodiversidade à utilização sustentável e à partilha dos benefícios gerados pelo uso e exploração dos recursos genéticos, além de reafirmar o direito soberano dos Estados sobre seus próprios recursos naturais, sejam eles biológicos ou genéticos.  Por conseguinte, ficou a cargo dos Estados detentores de biodiversidade; a regulamentação ao seu acesso.

No Brasil, o texto da Convenção foi promulgado pelo Presidente da República, tornando-se vigente internamente, em 16/03/1998, com o Decreto 2.519. Após várias iniciativas de Projetos de Lei para implementação, no que tange ao acesso a recursos genéticos da CDB, foi editada a Medida Provisória 2.186-19, de 23/08/2001, que passou a regulamentar o acesso ao patrimônio genético, o acesso e a proteção ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, entre outras providências.

Um grande debate jurídico tem se criado ao redor de algumas provisões da MP, entre elas: a diferenciação entre coleta e acesso ao patrimônio genético; a necessidade de anuência prévia do Poder Público a algumas finalidades de acesso, e a incongruência de informações quanto aos valores a serem repartidos às comunidades ou localidades de onde foram extraídos os recursos genéticos.

Com relação à distinção entre a coleta e o acesso ao patrimônio genético, a Medida Provisória não havia deixado claro se a coleta, ou seja, a remoção da espécime, era equivalente ou não ao acesso ao patrimônio genético. Na tentativa de dirimir tal dúvida, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) editou a Orientação Técnica 1/2003, a qual definiu o acesso como “a atividade realizada sobre o patrimônio genético com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem genética ou moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de extratos obtidos destes organismos.”

No entanto, sobre o mesmo assunto, o Sr. Ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça, em decisão ao agravo regimental, a posteriori a Orientação Técnica do CGEN, desenvolveu outro entendimento, partindo da interpretação da própria letra da lei.  Para o relator, a rápida leitura do texto legal (art. 7º, IV da MP) é o suficiente para precisar o conceito chave ao deslinde da questão: “acesso ao patrimônio genético é mera obtenção de amostras. […] Acesso ao patrimônio genético não é pesquisa, não é o estudo, não é a construção da ciência que tem o patrimônio genético como objeto. Repita-se: acesso ao patrimônio genético é coletar amostras. É isto que está escrito no ato normativo.” (STJ, AgRg na SLS n. 1438, Ministro Relator Ari Pargendler, in D.J.E 28/02/2012) Ou seja, na decisão, o Relator equivaleu coleta à acesso, sendo ambas regulamentada pela Medida Provisória.

O art. 2º da Medida Provisória dispõe que, “o acesso ao patrimônio genético existente no País somente será feito mediante autorização da União e terá o seu uso, comercialização e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento”. A discussão aqui paira sobre a necessidade ou não de autorização do Poder Público a algumas finalidades de acesso, eis que a exigência se torna muito rigorosa à pesquisa cientifica, considerando que apenas uma pequena parcela chega a desenvolver um produto ou processo sujeito à exploração econômica.

Nesse sentindo, na mesma decisão o referido Relator do STJ questionou e ponderou: “[…] quando serão, então, necessárias as prévias licenças da União para o “acesso” de material para pesquisa genética? […] A resposta que se impõe é que a restrição é aplicável sempre que tratarmos de coleta (i. e. “acesso”) de espécimes de nossa flora ou fauna nativa, inseridos no respectivo meio ambiente original e não objeto de cultivo comercial de larga escala. Nestas hipóteses sim, em se tratando de animais e vegetais nativos, que remanescem inseridos no contexto de seus ecossistemas originários (pouco importando se ameaçados de extinção ou não), impõe-se a prévia autorização da União para a respectiva coleta.”

Com relação aos valores a serem repartidos às comunidades ou localidades de onde foram extraídos os recursos genéticos, o IBAMA, através da operação Novos Rumos, tem autuado diversas empresas multinacionais, sob alegação de que as mesmas estariam fazendo uso de recursos nativos sem a devida repartição de lucros. Contudo, vale destacar que não existe, hoje em dia, legislação específica que defina o valor ou percentual a ser repassado, motivo pelo qual, abre-se uma brecha para tal discussão até que se regulamente.

Por fim, o objetivo de regularizar as atividades previstas na MP 2.186-16, que de alguma forma estão em desconformidade com a norma, o Ministério do Meio Ambiente, em abril do ano passado, baixou a Resolução 35/2011, definindo diretrizes e critérios para análise de tais atividades concluídas após 30 de junho de 2000. Destaque-se que a regularização de que se trata esta norma, dar-se-á sem prejuízo da apuração pelas autoridades competentes das responsabilidades civil, penal e administrativa, nos casos de acesso ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado em desacordo com normas vigentes (Art. 8º). Ademais, os processos já protocolados na Secretaria-Executiva do CGEN que visam à regularização das referidas atividades, antes da edição da norma, serão processados como solicitações de regularização, devendo ser complementados pelos requisitos presentes na Resolução (Art. 6º).

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-22T14:37:18+00:0022 de agosto de 2012|
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