Meio ambiente e democracia
O recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, em que se considerou que o aborto do feto anencéfalo não constitui crime, colocou em evidência um intenso debate sobre dois direitos fundamentais em colisão. De um lado, o direito à vida do feto e, de outro, o direito da mãe de interromper uma gravidez fadada a gerar sofrimento para si e para o bebê.
O calor das discussões entre os defensores de uma e outra corrente demonstrou que, em situações como essas, a forte carga ideológica não raro cega, fazendo com que aqueles que se levantam para debater o tema muitas vezes se esqueçam de que vivem em uma democracia e que é preciso saber conviver com o pensamento divergente.
Com efeito, o que se viu no período que antecedeu o histórico julgamento do STF foi uma discussão tão acalorada que levou o Prof. Luís Roberto Barroso, em recente palestra no Superior Tribunal de Justiça, a afirmar que: “não dá para debater com alguém com um porrete na mão”. A expressão, um tanto forte, é verdade, chama a atenção por ter sido utilizada por um dos mais renomados de nossos constitucionalistas, demonstrando o que realmente ocorre quando se colocam, em lados opostos, pessoas com posições divergentes no Brasil de hoje.
É o que se tem visto nas diversas discussões que envolvem um outro tipo de colisão de direitos fundamentais de mesmo nível, qual seja, a proteção ao meio ambiente e o desenvolvimento econômico e social do país.
De fato, seja em relação à proposta de novo Código Florestal, seja quanto à construção da Usina de Belo Monte (que envolveu até um vídeo feito por atores, replicado por outro de autoria de estudantes), seja nos projetos de infraestrutura que o Brasil está desenvolvendo para enfrentar os desafios do novo milênio e o fato de que vai sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada, além da descoberta de óleo na camada do pré-sal, o que se tem visto é uma agressividade tal nos discursos oposicionistas, que muitas vezes a questão de fundo parece pouco importar. O mesmo se diga de outros projetos menores, em que a carga ideológica se faz presente de modo levar à irracionalidade, fazendo-se opção declarada pelo atraso ao contrário de se avançar na busca de melhores condições de vida para a população brasileira.
De fato, as discussões que envolvem meio ambiente no Brasil revelam uma verdadeira luta do bem contra o mal. Mas, é de se perguntar: quem está do lado do bem e quem está do lado do mal? É difícil responder. Cada posição tem seus méritos e seus deméritos e cada qual tem o direito constitucional de defender o que acha mais correto. O que não quer dizer que aquele que pensa diferente esteja errado e, especialmente, que não mereça respeito.
Os americanos, que passaram por uma situação como esta na década de setenta, em que os movimentos ecológicos tiveram seu apogeu de radicalismo, hoje, parecem ter atingido um nível de maturidade tal que permite que ONGs, governo e iniciativa privada sentem à mesma mesa em busca de um entendimento. Parecem ter percebido que a energia gasta para brigar pode ser canalizada para a busca de parcerias que permitam alcançar os objetivos de cada qual.
A propósito, festejado livro recentemente lançado nos EUA (The righteous mind, 2012, Johnatan Haidt) procura discutir o tema da divergência política, social e ideológica, propugnando por uma maior civilidade nos debates. O último capítulo, intitulado “Nós não podemos divergir de maneira mais construtiva?”, propõe que “da próxima vez que você se veja sentado ao lado de alguém com outra matriz, dê uma chance”.
Um bom conselho para quem vive em uma democracia.