PROJETO DE LEI GERAL DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL E A LEI DA MATA ATLÂNTICA

No dia 21 de maio deste ano, um marco significativo foi alcançado com a aprovação, no Senado Federal, do Projeto de Lei n. 2159/2021, que visa instituir a tão aguardada Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Originado na Câmara dos Deputados e submetido ao Senado para deliberação, o texto, após sua aprovação parcial na casa revisora, retorna agora à Câmara para uma nova etapa de análise. Essa dinâmica de tramitação bicameral é intrínseca ao processo legislativo brasileiro, e a necessidade do retorno se dá pela incorporação de 32 novas emendas pelo Senado, as quais exigem uma reavaliação e votação por parte dos Deputados Federais, antes que o projeto possa seguir para sanção presidencial.

A versão atual do projeto tem sido alvo de intensa polêmica entre diferentes setores da sociedade. A principal justificativa para as críticas reside na percepção de que sua eventual promulgação poderia resultar em uma flexibilização substancial dos critérios de licenciamento ambiental para empreendimentos com potencial significativo de impacto ou poluição.

Além disso a crítica parte de argumento de que tal medida contradiria a imagem preservacionista que o Brasil tem consolidado nos últimos anos, o que comprometeria os compromissos ambientais assumidos pelo país, e também podendo desestimular investimentos externos.

Contudo, uma análise aprofundada do texto revela que a proposta não tem como desígnio banalizar ou facilitar de maneira desarrazoada o licenciamento ambiental, como sugerem algumas críticas.

Longe disso, o propósito fundamental da Lei Geral de Licenciamento Ambiental é, na verdade, unificar e padronizar os procedimentos em âmbito nacional. Ao harmonizar as diversas regulamentações estaduais e municipais, a lei busca otimizar a eficiência dos processos, além de eliminar as divergências legais e, principalmente, a insegurança jurídica que atualmente permeia os processos de licenciamento ao redor do país, proporcionando maior previsibilidade e clareza para quem deseja empreender no Brasil.

Mas o que importa ao presente artigo, diz respeito à sugestão de alteração do artigo 60 do projeto, constante das Emendas ns. 102 – CMA, 104 – CRA e 171 – CMA, que preveem a revogação dos §§1º e 2º do art. 14 da Lei n. 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica), que por sua vez regulamentam a regra de competência para a concessão de autorização de supressão de vegetação primária e secundária em estágio médio e avançado de regeneração no Bioma Mata Atlântica.

Embora parte da crítica afirme que a revogação dos dispositivos facilitaria o desmatamento, cabe ressaltar que tal análise não encontra respaldo, uma vez que a alteração se dará exclusivamente para esclarecer regra de competência que já se apresenta em desalinho com as disposições gerais estabelecidas pela Lei Complementar n. 140/2011 (Lei de Competências).

Como se sabe, a LC n. 140/2011 adotou o seguinte critério: o órgão licenciador é o competente para autorizar a supressão de vegetação (art. 13, §2º), exatamente porque não há nenhum órgão mais capacitado para analisar a questão do que aquele responsável por conduzir todo o procedimento de licenciamento ambiental.

Assim, com a promulgação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, a manutenção dos §§ 1º e 2º do art. 14 Lei n. 11.428/2006 não fará mais sentido, podendo ocasionar uma enorme insegurança jurídica (que, aliás, já se evidencia na realidade atual, em razão do manifesto conflito com a LC n. 140/11). O intuito da emenda, portanto, foi justamente uniformizar entendimentos – evitando-se, assim, discussões futuras.

Assim, se as referidas emendas forem aprovadas, certamente solucionarão um antigo conflito normativo (Lei 11.428/2006 X LC 140/2011), em consonância com o objetivo real da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que é justamente a garantia de maior previsibilidade e segurança no âmbito dos processos de licenciamento.

A íntegra do projeto de lei aprovado e as 32 emendas podem ser acessadas através do seguinte link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148785#tramitacao_11062707

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto

2025-06-04T22:09:19+00:004 de junho de 2025|

OBRIGAÇÃO PROPTER REM VERSUS RESPONSABILIDADE CIVIL: PARALELOS E DIFERENÇAS

Existem dois tipos de obrigações que geram o dever de reparar no direito ambiental: a obrigação na modalidade propter rem e responsabilidade civil ambiental. A obrigação propter rem está ligada à propriedade. No contexto ambiental, isso significa que, ao adquirir um imóvel com passivos ambientais, o proprietário poderá vir a ser responsável pela reparação de eventuais danos, mesmo que não tenha contribuído de nenhuma forma para a ocorrência da irregularidade.

Tanto o Código Florestal (Art. 2º, § 2º) quanto o STJ já definiram essa regra, que culminou na edição da Súmula 623, que reúne julgados de 2009 até 2017, com a seguinte redação: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

Também restou definido no Tema 1.204 do STJ que, além do que a Súmula 623 já tinha estabelecido, fica isento da obrigação de reparar dano ambiental aquele que deixou de ser proprietário antes da ocorrência do dano, e não tenha contribuído para este. Ou seja, a obrigação propter rem atinge o proprietário atual e os anteriores, mas não pode atingir quem era proprietário antes da ocorrência do fato danoso.

Já a responsabilidade civil ambiental, embora possua traços próprios, advém significativamente da lógica civilista, e envolve uma ação ou omissão que cause dano e uma ligação (nexo causal) entre a conduta e o esse dano. Nesse caso, a responsabilidade firmada atribui ao responsável a condição de poluidor, por ser o efetivo causador do dano ambiental.

É importante distinguir que, enquanto a obrigação propter rem vem apenas da condição de proprietário, a responsabilidade civil exige esses elementos adicionais (conduta, nexo de causalidade e dano). Proprietários que não causaram danos não são considerados poluidores, mas ainda assim podem ser responsáveis pela recuperação do ambiente. Assim como poluidores que já deixaram de ser proprietários, continuam a ser responsáveis pelos danos por eles causados.

Além disso, recentemente, firmou-se no STJ o entendimento de que penalidades administrativas por infrações ambientais não podem ser aplicadas ao proprietário não poluidor, como é o caso de quem herda uma propriedade:

O entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 623 e reiterado na apreciação do Tema 1. 204 de que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem versa sobre a responsabilidade civil ambiental, estruturada para a reparação de danos ecológicos e a eliminação de suas fontes, diferentemente da multa por infração ao meio ambiente, que é aplicada com fundamento no poder sancionador do Estado e tem caráter pessoal (STJ – REsp: 1823083 – 18/06/2024)

Isso se dá pela característica do direito administrativo ambiental que confere aos infratores ambientais a nomenclatura de “transgressores” (art. 14, caput, da Lei 6.938/81), diverso do conceito de “poluidor” (art. 14,  § 1º, da Lei 6.938/81). Nesse sentido, o transgressor jamais poderá responder por ofensas ambientais cometidas por outra pessoa. E também em razão disso, a obrigação propter rem não pode ser atribuída ao proprietário que não causou o dano, mas pode tornar o proprietário civilmente responsável pela obrigação de reparar – simplesmente pela sua qualidade de proprietário.

Por: Luna Rocha Dantas

 

2025-05-19T17:30:54+00:0019 de maio de 2025|

SÓCIO FUNDADOR DA BUZAGLO DANTAS PARTICIPA DE CONGRESSO NA UNIVERSITÀ DELLA CALABRIA

Nos próximos dias 2 e 3 de dezembro, a Università della Calabria, em colaboração com a Universidade do Vale do Itajaí (Univali), sediará o congresso “Dialoghi Giuridici Italo-Brasiliani” (Diálogos Jurídicos Italo-Brasileiros). O evento reunirá especialistas e profissionais do direito italiano e brasileiro para discutir questões jurídicas de grande relevância, com ênfase na matéria ambiental.

Entre os participantes, estará o advogado e sócio fundador do escritório, Marcelo Buzaglo Dantas, que será o responsável pela palestra de abertura no primeiro dia do congresso. Com o tema “La responsabilità civile dell’inquinatore indiretto nel diritto brasiliano”.

O congresso, que tem como objetivo promover o diálogo entre as legislações e práticas jurídicas da Itália e do Brasil, se propõe a ser um espaço valioso para o intercâmbio de ideias, com atenção especial para as questões globais relacionadas à proteção ambiental e aos impactos jurídicos das práticas poluentes.

O evento promete contribuir para a construção de soluções jurídicas eficazes para os desafios ambientais contemporâneos, estreitando laços entre os sistemas jurídicos dos dois países.

2024-11-13T19:28:29+00:0013 de novembro de 2024|

CAMPOS DE ALTITUDE: MAIS UM CASO DE AUTUAÇÃO CONTRÁRIA À LEGISLAÇÃO POSTA POR PARTE DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

O equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental é garantido por um robusto arcabouço jurídico no Brasil. Empresas dos mais variados setores são obrigadas a cumprir normas ambientais rígidas, obtendo licenças e autorizações, bem como adotando medidas de mitigação e controle, como ocorre no setor da silvicultura. Para essa atividade, no bioma Mata Atlântica, a supressão de vegetação possui regramentos específicos previstos na Lei 11.420/2006 e no Decreto 6.660/2008, como também na Lei 12.651/2012 (Código Florestal).

No entanto, há situações em que empresas mesmo atuando de maneira regular e em conformidade com a legislação ambiental, são autuadas pelos órgãos públicos. Essas autuações indevidas podem ocorrer, por exemplo, por falhas na análise técnica, por divergências na interpretação das normas e divergências na aplicabilidade do Código Florestal no bioma Mata Atlântica.

De forma a ilustrar isso, recentemente a Justiça Federal de Santa Catarina noticiou[1] em seu sítio que foi concedida liminar para suspender o pagamento de multas aplicadas pelo IBAMA a uma empresa de reflorestamento por suposta supressão de vegetação de Mata Atlântica para plantio de pinus, em áreas consideradas “campos de altitude”. Tal formação florística integra o bioma Mata Atlântica, embora a lei federal (Lei 11.420/2006) não tenha definido o que são “campos de altitude”.

Acontece que em razão dessa omissão, o Estado de Santa Catarina teria exercido a competência legislativa plena prevista no art. 24, §3º, da CRFB/88 ao editar o art. 28, XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009 (Código Estadual do Meio Ambiente) atual art. 28-A, XV da lei estadual, o qual estabeleceu que “campos de altitude” são áreas situadas acima de 1.500 metros de altitude, em âmbito estadual, assim dispondo:

Art. 28-A Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:

[…]

XV – campos de altitude: ocorrem acima de 1.500 (mil e quinhentos) metros e são constituídos por vegetação com estrutura arbustiva e/ou herbácea, predominando em clima subtropical ou temperado, definido por uma ruptura na sequência natural das espécies presentes e nas formações fisionômicas, formando comunidades florísticas próprias dessa vegetação, caracterizadas por endemismos, sendo que no Estado os campos de altitude estão associados à Floresta Ombrófila Densa ou à Floresta Ombrófila Mista;

Referido dispositivo foi impugnado em Ação Direta de Inconstitucionalidade[2] ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), que questionou sua constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). O MPSC alegou que a Lei Estadual tratou de modo inovador o conceito de campos de altitude, de modo a reduzir a sua hipótese de incidência se comparada a Resolução 10/1993 do CONAMA, que “não vincula campo de altitude à vegetação típica que ocorre em altitudes acima de 1.500 metros”. Ao julgar a ADI, em 05/06/2019, o TJSC entendeu pela constitucionalidade do referido dispositivo legal e a decisão foi mantida pelo STF, que conferiu efeito vinculante e eficácia contra todos.

Desse modo, no Estado de Santa Catarina, vigora o conceito de “campos de altitude” definido no art. 28-A, XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009, que se refere às áreas localizadas acima de 1.500 metros de altitude, desde o trânsito em julgado em 23/04/2022.

Ainda assim, em 28/06/2024, mesmo após declarada a constitucionalidade do dispositivo sobre campos de altitude da lei estadual, bem como a atividade estar devidamente licenciada pelo órgão ambiental estadual, a empresa de reflorestamento sofreu autuações, com multa e termo de embargo por parte do IBAMA, que alegou que a fiscalização nas áreas objeto das autuações teria sido realizada a pedido do MPSC, que solicitou informações para elucidar denúncias relativas à supressão de vegetação nativa de áreas superiores a 50 hectares, em razão de atribuições da União (art. 14, § 1º, da Lei 11.428/2006 e art. 19, inciso I, do Decreto 6.660/2008).

No caso, a empresa ajuizou medida perante a Justiça Federal de Florianópolis para suspender a exigibilidade de multa e embargos contra o IBAMA. O juízo, após a manifestação do IBAMA, deferiu a suspensão da exigibilidade da multa e embargo por entender que: a) a atividade estava sendo realizada em área situada abaixo de 1.500 metros de altitude, não se amoldando ao conceito de campos de altitude; b) a área não era coberta por vegetação nativa de especial preservação, o que dispensa autorização do IBAMA para supressão para uso alternativo do solo; e c) o artigo da lei estadual foi declarado constitucional, não sendo dado ao IBAMA negar-lhe vigência.

De longa data, essas autuações vêm preocupando o setor empresarial, em razão do uso abusivo de ações e autuações indevidas por órgãos públicos, mesmo quando as empresas operam dentro dos parâmetros legais e possuem todas as licenças necessárias. Essas condutas podem ser caracterizadas como temerárias e de abuso de direito, por violação aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, trazendo insegurança jurídica, bem como gerando prejuízos ao setor produtivo. Além de causar impacto econômico imediato, essas autuações podem macular a reputação da empresa, resultando em perda de contratos e dificuldades na obtenção de crédito.

Em muitos casos, os órgãos públicos desconsideram as licenças válidas emitidas pelos próprios órgãos ambientais, questionando seu mérito de forma genérica, sem apresentar provas concretas de danos ao meio ambiente ou qualquer indício de ilegalidade. Isso já resultou até na condenação do Ministério Público do Distrito Federal por litigância de má-fé[3].

As empresas que cumprem as exigências legais, obtêm licenças e seguem as normas ambientais precisam ter a garantia de que suas atividades não serão interrompidas injustificadamente por autuações abusivas ou ações sem fundamento sólido. Sem essa previsibilidade, o ambiente de negócios torna-se instável e desestimulante para investimentos, especialmente em setores que demandam grande capital e planejamento de longo prazo.

Portanto, embora a fiscalização e a atuação judicial sejam fundamentais para a preservação ambiental, o exercício abusivo desses poderes, por meio de ações temerárias e autuações indevidas, prejudica o setor produtivo e compromete o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis. O respeito à segurança jurídica e à boa-fé é essencial e para que empresas que operam dentro da legalidade e adotam práticas sustentáveis tenham a confiança de que não serão punidas injustamente, sendo portanto, necessário buscar um equilíbrio nas ações fiscalizatórias e judiciais, de modo a garantir a continuidade da atividade devidamente licenciada, crescimento econômico do setor e competitividade no mercado mundial.

[1] https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=28511

[2] ADI 8000030-60.2017.8.24.0000

[3] https://direitoambiental.com/ministerio-publico-condenado-por-ma-fe-em-acao-civil-publica/

Por: Elisa Ulbricht

2024-10-22T22:05:56+00:0022 de outubro de 2024|

AMIANTO: CRÔNICA DE UMA NOVELA INACABADA

O amianto é uma substância proibida no Brasil? Essa simples pergunta não pode ser respondida com simplicidade, na medida em que, para tanto, necessário que se proceda a uma análise da legislação federal e da de alguns estados, assim como das diversas ações de controle de constitucionalidade julgadas pelo STF, além das normas internacionais ratificadas pelo Brasil.

Em 1995 foi publicada a Lei Federal nº 9.055, cujo art. 1° vedou, em todo o território nacional, a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto e de produtos dele derivados. Contudo, o artigo 2° da norma permitiu o uso controlado do asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco). Essa parcial permissão deu origem a uma controvérsia que ainda hoje permanece em vigor.

O tema foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas ocasiões, resultando em julgamentos que trataram, não tanto sobre os efeitos do amianto, mas, especialmente, sobre a constitucionalidade das normas estaduais e municipais que procuravam limitar a utilização da substância, apesar da permissão da lei federal. O enfoque maior, portanto, sempre esteve ligado à chamada competência constitucional para legislar em matéria ambiental e de saúde dos trabalhadores.

Os primeiros julgamentos foram todos no sentido de privilegiar a competência da União Federal para editar normas gerais (art. 24, §1º, da CF/88), ou seja, declarando-se inconstitucionais as leis estaduais que, em contrariedade ao aludido artigo 2º da Lei n. 9.055/1995, buscavam proibir a utilização, a comercialização, a exploração, etc. de produtos que contivessem amianto nos territórios dos respectivos estados. É o que se deu nos julgamentos das ADINs n. 2.396-9/MS e n. 2.656-9/SP. Mantinha-se, pois, a permissão relativa ao amianto crisotila (asbesto branco).

Um sinal de mudança no posicionamento da Corte surgiu por ocasião do julgamento da ADIN n. 3937/SP, intentada contra nova lei do Estado de São Paulo (12.684), onde por voto vista, o Ministro Joaquim Barbosa, afastando-se das questões formais, decidiu por priorizar a saúde e o meio ambiente saudável.

Posteriormente, o cenário jurídico sofreu uma alteração substancial no ano de 2017, com o julgamento conjunto de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 3356, 3357, 3937, 3406 e 3470) e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 109, propostas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) em face de normas restritivas promulgadas pelos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e pelo Município de São Paulo.

A discussão que se travou, uma vez mais, foi relativa à possibilidade, ou não, de estados e municípios legislarem em contrariedade ao disposto na lei federal.

Já na ADIN 4066, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) questionavam o dispositivo da lei federal que permitia o uso do amianto crisotila no país.

Ao julgar as ações, o STF reconheceu a validade das leis estaduais e municipal que restringiam ou vedavam a extração e o uso do amianto crisotila para a produção de quaisquer materiais. No mesmo julgamento, foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei federal 9.055/1995 que permitia a extração, a industrialização, a comercialização e a distribuição da fibra mineral no Brasil.

As decisões levaram em conta os danos ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores decorrentes da manipulação do amianto, assim como a impossibilidade do respectivo uso se dar de forma efetivamente segura, além da existência de matérias-primas alternativas.

Em fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal encerrou definitivamente o julgamento conjunto dos embargos das ações que tramitavam na Corte, confirmando a declaração de inconstitucionalidade da norma federal sobre a matéria.

O entendimento adotado pelo STF teve repercussão significativa, não apenas por chancelar as leis estaduais proibitivas do uso do amianto, mas também por, ao assim agir, acabar por incentivar que outros estados e municípios adotassem legislações semelhantes.

Imperioso ressaltar que o Brasil sempre figurou entre os maiores produtores mundiais de amianto crisotila e a proibição de sua utilização acarretou evidentes impactos na economia, tendo a Corte, contudo, na ocasião, optado por fazer prevalecer os outros direitos fundamentais envolvidos.

De outro lado, é de se ressaltar que o Estado de Goiás, em resposta à proibição imposta pelo STF, promulgou, em 2019, a Lei nº 20.514, que permite a exportação, extração e o beneficiamen­to do amianto da variedade crisotila no território do estado. Tal norma, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 9.518/19, foi objeto da ADI 6.200/GO. O Ministro Relator da ADI, Alexandre de Moraes, decidiu pela cassação da decisão na Ação Civil Pública que havia deferido o pedido de tutela antecipada para suspender a eficácia da Lei 20.514/2019.

Na decisão monocrática, o Ministro Alexandre de Moraes fundamentou a cassação afirmando que “o efeito prático da decisão concessiva da tutela de urgência equivale ao próprio reconhecimento do vício de inconstitucionalidade da norma” devendo ser presumida a constitucionalidade da Lei 20.514/2019. Atualmente, portanto, a lei goiana está em pleno vigor, até o julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Estamos, pois, diante de uma situação em que vigora uma Lei Federal que proíbe o uso do amianto, ao passo que uma lei estadual vigente permite a sua exploração com o fim de exportação. O Brasil é, na teoria, um país que baniu o amianto em 2017, porém continua no pódio como o terceiro maior exportador dessa substância.

Esse cenário gerou um impasse: como transportar o amianto extraído das minas de Goiás até os portos do litoral para exportação, atravessando estados que expressamente proíbem tal atividade envolvendo o produto? A 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo teve a difícil tarefa de responder a essa pergunta em face de um caso concreto.

A controvérsia foi a seguinte: uma grande empresa mineradora impetrou mandado de segurança em face da apreensão de amianto crisotila destinado à exportação no Porto de Santos. A decisão de primeiro grau julgou improcedente o pedido e manteve a regularidade da fiscalização realizada na carga da empresa, com fundamento na legislação paulista (art. 122 da Lei 10.083/98 e art. 1º da Lei nº 12.694/07) que proíbe o uso, a manipulação e o transporte do material considerado perigoso.

Interposta apelação, a mesma foi provida, concedendo-se a segurança pleiteada[1].

O tribunal entendeu que, embora a legislação do Estado de São Paulo proíba o uso de produtos contendo amianto, não há vedação específica ao transporte do material. Assim, existindo a extração do amianto crisotila no Estado de Goiás, onde há legislação autorizando a atividade para fins de exportação, impedir o transporte pelo território paulista inviabilizaria a produção. Assim, reconheceu-se o direito da impetrante-apelante de exercer sua atividade econômica, transportando o amianto crisotila para fins exclusivos de exportação através do Estado de São Paulo, nos termos da legislação goiana.

Especificamente sobre o transporte de amianto também pendente de julgamento é a ADPF nº 234/DF, em que a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logísticas formalizou arguição de descumprimento de preceito fundamental contra o Estado de São Paulo e que a proibição do uso violaria o seu direito de realizar o transporte interestadual e internacional de carga. Liminarmente, em 2011, foi concedida a cautelar que suspendeu a eficácia das interdições ao transporte de amianto da variedade crisotila.

Percebe-se que a decisão do TJSP, na verdade, é a única solução possível. Enquanto a ADI 6.200/GO e a ADPF nº 234/DF permanecem sem julgamento, e a extração do minério no Estado de Goiás continua em vigor, as legislações estaduais que proíbem seu transporte se tornam inócuas. Na prática, portanto, o transporte de amianto não possui qualquer óbice no Brasil, até o momento.

Por:

Marcelo Buzaglo Dantas

Marcela Dantas Evaristo de Souza

Luna Rocha Dantas

 

[1] RECURSO DE APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. 1. PRELIMINAR. PROCESSO CIVIL. Inexistência de falta de fundamentação na sentença. A decisão meritória de primeiro grau enfrentou fundamentadamente todas as teses imprescindíveis ao deslinde da questão de forma lógica e coerente, não havendo qualquer vício que a contamine. 2. AMIANTO CRISOTILA. TRANSPORTE VISANDO A EXPORTAÇÃO. O transporte de amianto crisotila ao Porto de Santos destinado ao mercado estrangeiro é possível no território do Estado de São Paulo. Inexistência de proibição da conduta “transportar”. Restrição ao uso imposta na Lei nº 12.694/07 do Estado de São Paulo. Possibilidade de extração e beneficiamento de amianto crisotila no Estado de Goiás para fins de exportação. Inteligência da Lei 20.514/19 e Decreto Estadual nº 9.518/19, ambos do Estado de Goiás. Normas em vigência após decisão na ADI 6.200/GO do E. STF. Liminar parcialmente concedida na ADPF 234 do E. STF, onde se discute a diferenciação do “uso” e “transporte”. Impossibilidade de restrição à livre iniciativa de indústria lícita no Estado de Goiás. Possibilidade de exercício da atividade econômica lícita para fins de exportação. 3. Sentença denegatória reformada. Recurso provido. (TJ-SP – AC: 10049757920218260562 SP 1004975-79.2021.8.26.0562, Relator: Marcelo Berthe, Data de Julgamento: 08/09/2022, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 15/09/2022)

2024-10-08T16:53:10+00:004 de outubro de 2024|

SÓCIOS DO ESCRITÓRIO BUZAGLO DANTAS PALESTRARÃO EM EVENTO DA ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA DE SANTA CATARINA

Nos dias 01, 02, 08 e 10 de outubro, os sócios do escritório Buzaglo Dantas Advogados, Dr. Marcelo Buzaglo Dantas, Dr. Lucas Dantas Evaristo de Souza e Dra. Fernanda de Oliveira Crippa ministrarão quatro palestras em evento da Escola Superior da Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB/SC).

O evento tem como tema principal “A Prática do Direito Ambiental e Urbanístico na Advocacia” subdividido em quatro painéis com os temas: “Advocacia Ambiental e Urbanística no Brasil: passado, presente e futuro”, “Licenciamento Ambiental e Urbanístico”, “Espaços Protegidos: APPs e Mata Atlântica em áreas Rurais e Urbanas” e “Responsabilidade Civil, Penal e Administrativa em Matéria Ambiental e Urbanística”.

As inscrições no evento podem ser realizadas através do link: https://www.oab-sc.org.br/cursos-eventos/2024/10/01/pratica-do-direito-ambiental-e-urbanistico-na-advocacia/4883

 

2024-09-11T21:10:33+00:0011 de setembro de 2024|

ANÁLISE CRÍTICA DA AÇÃO QUE REQUEREU A SUSPENSÃO DAS LICENÇAS AMBIENTAIS DA USINA HIDRELÉTRICA DE ITAPEBI

A recente ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) solicitando que a justiça suspenda as licenças ambientais que foram concedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para a Usina Hidrelétrica (UHE) de Itapebi, localizada no extremo sul da Bahia, levanta questões complexas sobre a aplicação das normas ambientais e dos direitos indígenas no Brasil, de modo que a medida merece uma análise aprofundada para avaliar a sua legalidade.

A UHE Itapebi foi construída no ano de 1999 e está localizada no Rio Jequitinhonha, no município de Itapebi/BA. A licença ambiental de operação (LAO) da usina foi concedida pelo IBAMA em 2002 e a sua operação iniciou em 2003, com sucessivas renovações das licenças nos anos de 2013 e 2019, sendo que a atual possui vigência até 2029.

No entanto, segundo argumenta o MPF, o processo de licenciamento da UHE falhou em considerar adequadamente os direitos dos povos indígenas Tupinambá de Belmonte e Encanto da Patioba, eis que, após a instauração de procedimento investigatório, os representantes da Comunidade Indígena Tupinambá apontaram que a construção da UHE teria ocasionado: (i) diminuição de produção agrícola em razão da perda de fertilidade do solo nas margens do rio; (ii) dificuldade de navegação em canoas devido ao baixo nível da água; (iii) assoreamento das margens do rio; e (iv) o comprometimento do seu modo de vida tradicional ocasionado por impactos nas atividades de pesca, plantações e travessia do rio, incluindo o aumento no risco de afogamentos.

Muito embora os impactos percebidos pela comunidade indígena sejam de grande relevância, eventual decisão que suspenda as licenças de forma imediata pode ser vista como uma medida extrema, que se sobreporia a todos os avanços e compromissos já estabelecidos há mais de duas décadas pela empresa responsável pela operação da UHE em relação ao cumprimento das normas ambientais.

Do ponto de vista jurídico, a suspensão de licenças ambientais de empreendimentos de tamanha magnitude e importância pública, sem uma análise detalhada e transparente dos impactos socioeconômicos decorrentes de uma eventual decisão suspensiva, pode criar um precedente perigoso para a região e para o país.

A medida requerida pelo MPF, embora bem-intencionada, pode não ter levado em consideração as significativas implicações econômicas que serão causadas não apenas ao empreendedor, mas para toda a coletividade, o que pode, inclusive, impactar negativamente outros projetos essenciais para o desenvolvimento regional.

Projetos de infraestrutura, como usinas hidrelétricas, são cruciais para o desenvolvimento econômico e para a segurança energética nacional, de modo que a sua interrupção repentina pode resultar em perdas econômicas substanciais ao próprio erário público e afetar negativamente o fornecimento de energia, prejudicando tanto a economia local quanto nacional.

Não se olvida que empresas envolvidas em projetos de grande impacto ambiental têm a responsabilidade de adotar práticas sustentáveis principalmente no que diz respeito aos costumes das comunidades tradicionais. No entanto, é crucial que sejam reconhecidos os esforços das empresas em cumprir com as exigências legais e promover o desenvolvimento sustentável. Medidas punitivas devem ser balanceadas com incentivos para a melhoria contínua e a inovação em práticas ambientais.

A situação em tela ressalta aos olhos os desafios regulatórios enfrentados pelas empresas no Brasil. É inegável que o deferimento de tal pedido representa o cenário de insegurança jurídica em que o país atualmente se encontra, desencorajando investimentos públicos e privados, nacionais ou externos, no setor produtivo local e nacional, afetando diretamente a competitividade do país no cenário global.

Por essa razão, é essencial que haja um diálogo aberto entre o setor público e privado para criar um ambiente regulatório mais previsível e justo. E de igual maneira, ao se identificar entraves socioambientais não previstos inicialmente no processo de licenciamento, outras medidas podem e devem ser adotadas, mas não aquelas extremas, como a suspensão indiscriminada de licenças ambientais concedidas e renovadas ao longo de décadas, medida que se revela não apenas desproporcional, mas potencialmente contraproducente.

O caso da UHE Itapebi certamente influenciará diretamente futuras decisões judiciais envolvendo o setor de produção de energia hidrelétrica, deixando o recado de que as empresas do setor não apenas devem se alinhar estritamente às obrigações legais, mas também antecipar e às crescentes expectativas socioambientais.

Tal cenário demanda uma abordagem holística à conformidade regulatória, integrando práticas de sustentabilidade robustas, engajamento comunitário efetivo e transparência operacional como elementos fundamentais da estratégia corporativa. As empresas que conseguirem navegar habilmente por este ambiente regulatório em evolução, equilibrando interesses econômicos, ambientais e sociais, estarão melhor posicionadas para mitigar riscos legais, fortalecer sua licença social para operar e assegurar a viabilidade de longo prazo de seus empreendimentos no setor energético brasileiro.

A consulta à Ação Civil Pública n. 1004055-33.2024.4.01.3310 pode ser realizada através do link: https://pje1g.trf1.jus.br/consultapublica/ConsultaPublica/listView.seam.

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto

2024-09-11T21:16:32+00:0011 de setembro de 2024|

JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL SOBRE VEGETAÇÃO DE RESTINGA É NOVAMENTE ADIADO E RELOATOR SERÁ SUBSTITUIDO

No último dia 20, o julgamento do Recurso Especial n. 1827303/SC, que discute a classificação que deve ser dada à vegetação de restinga (se área de preservação permanente, ou não), foi mais uma vez adiado. Além disso, o processo passará por uma mudança de relatoria em razão da posse do Ministro Herman Benjamin como novo presidente do STJ.

2024-08-21T22:15:26+00:0021 de agosto de 2024|

JULGAMENTO DO CASO “RESTINGA” ADIADO POR DECISÃO DO STJ

No último dia 13/08, estava previsto para ocorrer o julgamento do REsp n. 1827303/SC, perante a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O caso, que discute um assunto de amplo interesse nacional e que conta com a participação da procuradoria de doze Estados da Federação – considerando o significativo impacto econômico que a caracterização como Área de Preservação Permanente de toda e qualquer vegetação de restinga pode causar no litoral brasileiro –, no entanto, por decisão do Ministro Relator, foi retirado de pauta, sem, contudo, previsão de uma nova data para julgamento.

 

2024-08-14T22:08:06+00:0014 de agosto de 2024|
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