Biografias atrofiadas

Abrir as portas do templo de uma vida é contribuir com a exposição de seu sucesso e frustrações. É colocar a nu a paisagem de uma existência: sua obra, desafios, contradições, família, anseios, paixões e revolta em face do mundo em deterioração. Os valores essenciais do biografado necessitam interagir com o biógrafo, que tudo lê, sabe e vê de seu ícone. Do contrário, a tarefa é inútil e as zonas de sombras sobressaem.

A cumplicidade dos protagonistas deverá revelar uma identidade entre ambos. O autor precisa ser destituído de vaidades que o tornem um exibicionista e caçador de autógrafos. O doutor Laurent Muldworf, especialista francês em anomalias, diz que certos biógrafos não conseguem viver no anonimato, escrevem para sentir que existem e para nutrir um desejo de se imaginarem célebres. Assim, um historiador que só conhece sua aldeia, com pouca noção de arte e vida social zero, reduz e trai sua fonte.

O jornalista francês, Bernard Pivot, expressão maior da TV e das letras, confiou sua biografia a um periodista de renome; Alain Delon autorizou a atriz, escritora e jornalista Nicole Calfan a biografá-lo; Jacques Chirac, dono do poder por 20 anos na França, facultou sua trajetória a Thomas Laville, jornalista e expert em Ciências Políticas, e no mais, para descrever sua vida, amores, viagens, sucessos e o charme de Paris, Françoise Sagan chamou a também escritora Michéle Gazier.

Personalidades que despertam interesse são passíveis de longas pesquisas ­– Fernando Morais levou sete anos estudando a vida de Assis Chateaubriand. Mas, como observa Mário Pereira (DC 26/4/11), “não basta ao biógrafo ser pesquisador se não souber dar tratamento literário ao material colhido”, caso contrário será “tão tedioso e indigesto quanto um curriculum vitae”.

Uma bela biografia deve lembrar um clássico de Mozart: “Eu amaria morrer, sonhar, numa poltrona ouvindo uma sinfomia”, mas, penso em Pivot, “não estamos apressados, nosso dia virá”. Uma historiografia oficial, enfim, não é tarefa para amadores e nem se pretende para projeção pessoal. É uma obra de arte impar que revela a visão que se terá de um ser humano de sucesso.

Por: Buzaglo Dantas