Decisão do TRF1: englobando loteamento urbano, áreas de preservação e legitimidade do órgão ambiental competente.
Decisão favorável ao empreendedor quando comprovada característica urbana de um loteamento através da existência de prestação de serviços básicos de uma cidade, a não vinculação de um processo de licenciamento ambiental ao outro (loteamento x usina hidrelétrica) para fins de delimitação de faixa de preservação e legitimidade de parecer do órgão ambiental competente que concluiu pela viabilidade do loteamento.
O caso apreciado se refere a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em Minas Gerais contra o Estado de Minas Gerais e empreendedor responsável pela implantação de um loteamento em cidade localizada no interior do estado mineiro.
Considerando que o empreendimento estaria situado em área de preservação permanente, na faixa de 100 (cem) metros a partir do reservatório de usina hidrelétrica, o Ministério Público propôs a demanda a fim de impedir a realização de obras no local, a comercialização de unidades imobiliárias, a demolição de qualquer edificação ali existente, a recuperação da área lesada e a obtenção do pagamento de indenização pelos danos causados ao meio ambiente.
Em primeiro grau, os pedidos do autor foram julgados improcedentes, sob o principal argumento de que o empreendimento está localizado em área urbana, razão pela qual a área de preservação permanente a ser observada consiste em 30 (trinta) metros, e não 100 (cem), estes válidos apenas para áreas rurais.
Inconformado, o Ministério Público recorreu da decisão, levando a discussão ao Tribunal Regional Federal.
Dentre as razões do recurso, alegou (i) a inconstitucionalidade do artigo 62 da Lei n. 12.651/2012, que revogou o Código Florestal de 1965; (ii) a necessidade de caracterização da área como rural por não possuir toda a estrutura para ser considerada como área urbana; (iii) o condicionamento da licença ambiental do loteamento à conclusão do licenciamento da usina hidrelétrica; e (iv) ausência de interesse social ou utilidade pública do loteamento capaz de permitir intervenção em área de preservação permanente.
Quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo da Lei 12.651/2012 , a Corte ponderou que não merecia ser conhecido, uma vez que, em última análise, compreenderia o reconhecimento do próprio mérito da questão. Desse modo, tendo em vista que declarar de inconstitucionalidade da norma influiria diretamente no objeto da demanda, sua apreciação não era possível de forma incidental em sede de ação civil pública, mas apenas por meio de ação direta de inconstitucionalidade a ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, esta, sim, a via adequada para tanto.
Acerca da caracterização da área como urbana ou rural, os julgadores não deram provimento ao recurso, na medida em que entenderam que, ainda que não houvesse sido implantada toda a infraestrutura reclamada pelo Ministério Público, estava configurada a qualidade de loteamento urbano do empreendimento, uma vez que se encontra encravado em zona urbana, tendo sido comprovadas realidades como o acesso por estrada asfaltada e sinalizada, coleta de lixo, energia ligada com iluminação na via pública, distribuição de água garantida por sistema de poço artesiano já construído e decreto municipal prevendo outros serviços básicos de uma cidade.
Considerando ainda que o Ministério Público requereu que fosse estabelecida a faixa de preservação em 100 (cem) metros ao redor do reservatório artificial também devido à falta de conclusão do licenciamento ambiental da usina hidrelétrica – momento em que isto seria definido – o Tribunal esclareceu que, além de inexistir qualquer tipo de norma legal nesse sentido, não seria razoável condicionar a faixa de preservação ao limite a ser estabelecido em licenciamento ambiental que tramita há décadas nos órgãos públicos, como é o caso do licenciamento da usina, visto que o empreendedor responsável pelo loteamento seria lesado consideravelmente ao ter que aguardar a conclusão de um processo de licenciamento tão demorado. Nesse sentido, mais este requerimento do apelante não foi provido.
Por fim, ressaltando a legitimidade de parecer do órgão ambiental competente que concluiu pela viabilidade ambiental do loteamento – subsidiado por estudos ambientais e documentação demonstrando que o empreendimento iria promover a geração de empregos e rendas após sua implantação e que a medida compensatória para intervenção no bioma de Mata Atlântica é considerável –, entendeu-se também sob esse aspecto não merecer prevalecer à argumentação do Ministério Público no sentido de que não estariam presentes os requisitos necessários para a intervenção em área de preservação permanente, até por que não há dúvidas ser permitida a intervenção humana no meio ambiente com propósitos econômicos desde que cumpridas às exigências legais e observadas as soluções técnicas estipuladas pelos órgãos públicos competentes para a matéria.
Com tudo isso, vê-se, portanto, que a Corte demonstrou seu entendimento acerca de questões de relevância em demandas relativas ao meio ambiente, prezando em sua argumentação pela legalidade e razoabilidade da decisão.
Apelação Cível 0002813-20.2010.4.01.3804 / MG
¹ Art. 62. Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum.
Por: Buzaglo Dantas