BREVE COMENTÁRIO ACERCA DAS CONSEQUÊNCIAS DA LEI GERAL DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL

O licenciamento ambiental no Brasil, em seu formato atual, traz pouca ou nenhuma segurança jurídica para o detentor da licença ambiental, que está a todo tempo sujeito à judicialização desse documento. Muitas vezes em razão da complexidade das normas ambientais e da falta de clareza da legislação aplicável a cada caso.

Essa problemática já perpassa algumas décadas, e possui como consequência prática, inclusive, a disputa no poder judiciário de licenças ambientais obtidas antes dos anos 2000. Diante desse cenário, há mais de 20 anos foi proposta a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, com o objetivo de melhorar tanto a segurança jurídica daquele que empreende quanto a promoção da proteção ambiental visada pelas licenças ambientais.

Ao longo do processo de aprovação bicameral do projeto, o texto original passou por diversas modificações, e a versão atual do projeto tem sido alvo de intensa polêmica entre diferentes setores da sociedade. A principal justificativa para as críticas reside na percepção de que sua eventual promulgação poderia resultar em uma flexibilização substancial dos critérios de licenciamento ambiental para empreendimentos com potencial significativo de impacto ou poluição.

Para além de uma análise do texto da lei e das modificações que o projeto impõe, na prática, os conflitos envolvendo o licenciamento ambiental no Brasil não serão encerrados com a promulgação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Pelo contrário, as críticas envolvendo a aprovação do projeto em seus moldes atuais demonstra que os empreendimentos licenciados com base na Lei Geral potencialmente carregarão ainda menos segurança jurídica.

Caberá, portanto, aos potenciais desenvolvedores de atividades passíveis de licenciamento ambiental anteciparem os cenários jurídicos capazes de afetar seu empreendimento e balizarem os projetos de licenciamento com estudos técnicos rigorosos e amplo compliance jurídico ambiental em todas as fases de implementação.

Por: Luna Rocha Dantas

2025-07-18T17:03:43+00:0018 de julho de 2025|

ÁREAS CONTAMINADAS E A RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DAS EMPRESAS

As áreas contaminadas representam um dos desafios mais críticos para a sustentabilidade ambiental nos centros urbanos e zonas industriais. Essas áreas são caracterizadas pela presença de substâncias perigosas no solo, na água subterrânea ou no ar, resultantes, em grande parte, de atividades humanas, especialmente aquelas relacionadas à indústria, mineração, agricultura intensiva e descarte inadequado de resíduos. Em muitos casos, essas contaminações têm origem em décadas passadas, quando a legislação ambiental era inexistente ou pouco rigorosa, mas seus efeitos permanecem presentes e significativos até hoje.

A responsabilidade ambiental das empresas diante desse cenário é fundamental, tanto do ponto de vista legal quanto ético. A legislação ambiental brasileira, como estabelece a Lei nº 6.938/1981, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, prevê o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual aquele que causar dano ao meio ambiente é obrigado a arcar com os custos de sua reparação. Isso inclui não apenas a descontaminação da área afetada, mas também a prevenção de novos danos e a compensação por impactos causados à saúde humana e aos ecossistemas. De acordo com o artigo 14, §1º dessa lei, a responsabilidade objetiva independe de culpa, podendo ser atribuída mesmo que a empresa não tenha mais atividade no local, e mesmo que o dano tenha sido causado há décadas, desde que seja possível identificar o agente causador.

Diante desse cenário jurídico rigoroso, é essencial que as empresas contem com apoio jurídico ambiental especializado, tanto para garantir o cumprimento das normas quanto para evitar penalidades administrativas, civis e até criminais. Além disso, o suporte jurídico é fundamental para a avaliação de riscos em processos de aquisição de imóveis, fusões e incorporações — onde pode haver passivos ambientais ocultos.

Além da responsabilidade legal, há também um imperativo moral e reputacional: a sociedade exige cada vez mais transparência e comprometimento das empresas com práticas sustentáveis. Consumidores, investidores e órgãos reguladores estão atentos às ações corporativas relacionadas ao meio ambiente. – e, as empresas que ignoram seus passivos ambientais ou relutam em adotar medidas de remediação acabam por comprometer sua imagem e enfrentar riscos financeiros e jurídicos significativos. Em contrapartida, aquelas que assumem uma postura proativa em relação à recuperação de áreas contaminadas e à mitigação de impactos ambientais têm a oportunidade de fortalecer sua reputação e contribuir para um modelo de desenvolvimento mais justo e sustentável.

Por fim, é necessário reconhecer que a prevenção continua sendo a forma mais eficiente e econômica de evitar a criação de novas áreas contaminadas. Nesse contexto, o assessoramento jurídico preventivo contribui para a elaboração de políticas internas de compliance ambiental, adoção de boas práticas e garantia da conformidade legal de todas as operações. A responsabilidade ambiental não deve ser encarada apenas como um custo ou obrigação legal, mas como parte integrante da estratégia empresarial. Assegurar a proteção ao meio ambiente é também assegurar a própria viabilidade jurídica e econômica do negócio a longo prazo. Ao se comprometer com a remediação de áreas contaminadas, com a prevenção de novos passivos ambientais e com uma condução jurídica adequada, as empresas atuam em conformidade com a legislação e contribuem para a construção de um futuro mais equilibrado, saudável e sustentável para todos.

Por: Renata d’Acampora Muller

2025-07-15T17:51:24+00:0015 de julho de 2025|

CONFLITO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA NA DEFINIÇÃO DE “CAMPOS DE ALTITUDE”: TRF4 SUGERE INDEFERIMENTO DE LIMINAR E APONTA APARENTE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI ESTADUAL AMBIENTAL

Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deu início a julgamento de agravo de instrumento envolvendo o tema “campos de altitude” (autos n. 5040451-90.2024.4.04.0000/SC). Em decisão lançada pelo Relator do recurso (que ainda pende de conclusão, uma vez que houve pedido de vistas por um dos integrantes da 11ª Turma) consignou-se que o conceito de “campos de altitude”, estabelecido no artigo 28-A, inciso XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009, divergeria dos limites fixados pelas normas federais infralegais.

Referida discussão iniciou pois empresa particular ingressou com Tutela Antecipada em Caráter Antecedente (n. 5022964-41.2024.4.04.7200), com o objetivo de suspender os efeitos de multas e embargos impostos a partir da lavratura de auto de infração pelo órgão ambiental federal, IBAMA, justamente “pela suposta destruição de vegetação nativa, objeto de especial preservação, não passíveis de autorização para a supressão no bioma Mata Atlântica”.

Como tese principal, o autor afirma que: (i) segundo a Lei Estadual n. 14.675/2009, a definição de “campos de altitude” restringe-se àqueles [campos] situados acima de 1.500 metros de altitude; (ii)  o referido dispositivo teria sido declarado constitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) em sede de controle concentrado (ADI 8000030-60.2017.8.24.0000), o que lhe conferiria eficácia contra todos e efeito vinculante, inclusive para o IBAMA; (iii) A Lei do Bioma da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006, é omissa quanto à definição dos campos de altitude.

Já o IBAMA, na qualidade de réu, sustenta a incompatibilidade da referida norma estadual com a legislação federal, mais especificamente, a normativa que protege o Bioma da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006).

O Desembargador que deu início ao julgamento entendeu por bem em indeferir a tutela antecipada que havia sido anteriormente concedida para sustar os efeitos do auto de infração lavrado. O motivo: conquanto a competência para legislar sobre direito ambiental seja concorrente entre os entes federativos, o exercício dessa prerrogativa pelos Estados deve observar os limites estabelecidos pelas normas federais infralegais. A propósito, constou da referida decisão que:

“[…] embora o parâmetro de comparação corresponda a um ato normativo infralegal, e não a uma lei em sentido estrito, os limites nele estabelecidos devem ser observados pelos Estados, porquanto a atribuição para a fixação das balizas ali constantes decorre diretamente de Lei Federal, que será violada caso a competência por ela estipulada venha a ser exercida, indevidamente, por ente diverso”.

Segundo o entendimento acima esposado, a Lei n. 11.428/2006 incluiu os campos de altitude, entre outras formações, como ecossistemas pertencentes ao Bioma Mata Atlântica. No entanto, a referida norma federal, em seu art. 2º, remeteu a delimitação específica dessas áreas ao mapa “elaborado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística” (IBGE), condicionando tal aspecto à edição de regulamento próprio. Assim, a definição adotada pelo IBGE para os campos de altitude baseia-se na caracterização da vegetação local e abrange, em certas latitudes, altitudes a partir de 400 metros. Senão vejamos:

Os Campos de Altitude referidos no Art. 2º da Lei 11.428 de 22.12.2006 correspondem à vegetação com estrutura herbácea ou herbácea/arbustiva, caracterizada por comunidades florísticas próprias, que ocorre sob clima tropical, subtropical ou temperado, geralmente nas serras de altitudes elevadas, nos planaltos e nos Refúgios Vegetacionais, bem como a outras pequenas ocorrências de vegetação campestre não representadas no mapa. Os Campos de Altitude estão situados nos ambientes montano e altomontano. O montano corresponde às faixas de altitude: de 600 a 2.000m nas latitudes entre 5º N e 16º S; de 500 a 1.500m nas latitudes entre 16º S e 24º S; e de 400 a 1.000m nas latitudes acima de 24º S. O altomontano ocorre nas altitudes acima dos limites máximos considerados para o ambiente montano (Definição de Campos de Altitude no Mapa de Aplicação da Lei Federal n. 11.428/2006 – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – IBGE)

Assim, segundo entendimento o Relator originário do agravo de instrumento, o Mapa de Aplicação da Lei Federal n. 11.428/2006 satisfaz os critérios já estabelecidos anteriormente pelo STF, conforme demonstrado no julgamento da ADI n. 5547. Esta conclusão fundamenta-se no fato de que o Mapa foi elaborado pelo IBGE em cumprimento à sua competência legal, conforme preceitua o artigo 2º da própria Lei 11.428/06. Ademais, segundo entendimento, o Mapa ostentaria caráter geral e primário, sendo aplicado a uma coletividade indistinta, e não apenas a casos específicos. Sua validade emanaria, segundo se entendeu, diretamente da lei que o autorizou, não se configurando como mera detalhamento ou regulamentação de norma hierarquicamente inferior.

No caso sub judice, entendeu o Relator pela aparente inconstitucionalidade do artigo 28-A, inciso XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009. Tal entendimento baseia-se em sua suposta incompatibilidade com o Mapa elaborado pelo IBGE e, mais significativamente, no fato de que a norma estadual, ao divergir do parâmetro federal, teria adentrado indevidamente na esfera de competência da União para a edição de normas gerais de proteção ao meio ambiente.

O tema é complexo e exige maiores debates. No entanto, observa-se que, ante o entendimento de que a lei estadual é incompatível com o Mapa de Aplicação da Lei n. 11.428/2006, elaborado pelo IBGE, a declaração de sua inconstitucionalidade não se torna absoluta. Faz-se necessário, para tanto, verificar cada caso em particular e considerar, principalmente, as especificidades regionais inerentes a cada localidade.

Por: Monique Demaria

2025-06-18T21:56:22+00:0018 de junho de 2025|

PROJETO DE LEI GERAL DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL E A LEI DA MATA ATLÂNTICA

No dia 21 de maio deste ano, um marco significativo foi alcançado com a aprovação, no Senado Federal, do Projeto de Lei n. 2159/2021, que visa instituir a tão aguardada Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Originado na Câmara dos Deputados e submetido ao Senado para deliberação, o texto, após sua aprovação parcial na casa revisora, retorna agora à Câmara para uma nova etapa de análise. Essa dinâmica de tramitação bicameral é intrínseca ao processo legislativo brasileiro, e a necessidade do retorno se dá pela incorporação de 32 novas emendas pelo Senado, as quais exigem uma reavaliação e votação por parte dos Deputados Federais, antes que o projeto possa seguir para sanção presidencial.

A versão atual do projeto tem sido alvo de intensa polêmica entre diferentes setores da sociedade. A principal justificativa para as críticas reside na percepção de que sua eventual promulgação poderia resultar em uma flexibilização substancial dos critérios de licenciamento ambiental para empreendimentos com potencial significativo de impacto ou poluição.

Além disso a crítica parte de argumento de que tal medida contradiria a imagem preservacionista que o Brasil tem consolidado nos últimos anos, o que comprometeria os compromissos ambientais assumidos pelo país, e também podendo desestimular investimentos externos.

Contudo, uma análise aprofundada do texto revela que a proposta não tem como desígnio banalizar ou facilitar de maneira desarrazoada o licenciamento ambiental, como sugerem algumas críticas.

Longe disso, o propósito fundamental da Lei Geral de Licenciamento Ambiental é, na verdade, unificar e padronizar os procedimentos em âmbito nacional. Ao harmonizar as diversas regulamentações estaduais e municipais, a lei busca otimizar a eficiência dos processos, além de eliminar as divergências legais e, principalmente, a insegurança jurídica que atualmente permeia os processos de licenciamento ao redor do país, proporcionando maior previsibilidade e clareza para quem deseja empreender no Brasil.

Mas o que importa ao presente artigo, diz respeito à sugestão de alteração do artigo 60 do projeto, constante das Emendas ns. 102 – CMA, 104 – CRA e 171 – CMA, que preveem a revogação dos §§1º e 2º do art. 14 da Lei n. 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica), que por sua vez regulamentam a regra de competência para a concessão de autorização de supressão de vegetação primária e secundária em estágio médio e avançado de regeneração no Bioma Mata Atlântica.

Embora parte da crítica afirme que a revogação dos dispositivos facilitaria o desmatamento, cabe ressaltar que tal análise não encontra respaldo, uma vez que a alteração se dará exclusivamente para esclarecer regra de competência que já se apresenta em desalinho com as disposições gerais estabelecidas pela Lei Complementar n. 140/2011 (Lei de Competências).

Como se sabe, a LC n. 140/2011 adotou o seguinte critério: o órgão licenciador é o competente para autorizar a supressão de vegetação (art. 13, §2º), exatamente porque não há nenhum órgão mais capacitado para analisar a questão do que aquele responsável por conduzir todo o procedimento de licenciamento ambiental.

Assim, com a promulgação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, a manutenção dos §§ 1º e 2º do art. 14 Lei n. 11.428/2006 não fará mais sentido, podendo ocasionar uma enorme insegurança jurídica (que, aliás, já se evidencia na realidade atual, em razão do manifesto conflito com a LC n. 140/11). O intuito da emenda, portanto, foi justamente uniformizar entendimentos – evitando-se, assim, discussões futuras.

Assim, se as referidas emendas forem aprovadas, certamente solucionarão um antigo conflito normativo (Lei 11.428/2006 X LC 140/2011), em consonância com o objetivo real da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, que é justamente a garantia de maior previsibilidade e segurança no âmbito dos processos de licenciamento.

A íntegra do projeto de lei aprovado e as 32 emendas podem ser acessadas através do seguinte link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/148785#tramitacao_11062707

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto

2025-06-04T22:09:19+00:004 de junho de 2025|

OBRIGAÇÃO PROPTER REM VERSUS RESPONSABILIDADE CIVIL: PARALELOS E DIFERENÇAS

Existem dois tipos de obrigações que geram o dever de reparar no direito ambiental: a obrigação na modalidade propter rem e responsabilidade civil ambiental. A obrigação propter rem está ligada à propriedade. No contexto ambiental, isso significa que, ao adquirir um imóvel com passivos ambientais, o proprietário poderá vir a ser responsável pela reparação de eventuais danos, mesmo que não tenha contribuído de nenhuma forma para a ocorrência da irregularidade.

Tanto o Código Florestal (Art. 2º, § 2º) quanto o STJ já definiram essa regra, que culminou na edição da Súmula 623, que reúne julgados de 2009 até 2017, com a seguinte redação: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.

Também restou definido no Tema 1.204 do STJ que, além do que a Súmula 623 já tinha estabelecido, fica isento da obrigação de reparar dano ambiental aquele que deixou de ser proprietário antes da ocorrência do dano, e não tenha contribuído para este. Ou seja, a obrigação propter rem atinge o proprietário atual e os anteriores, mas não pode atingir quem era proprietário antes da ocorrência do fato danoso.

Já a responsabilidade civil ambiental, embora possua traços próprios, advém significativamente da lógica civilista, e envolve uma ação ou omissão que cause dano e uma ligação (nexo causal) entre a conduta e o esse dano. Nesse caso, a responsabilidade firmada atribui ao responsável a condição de poluidor, por ser o efetivo causador do dano ambiental.

É importante distinguir que, enquanto a obrigação propter rem vem apenas da condição de proprietário, a responsabilidade civil exige esses elementos adicionais (conduta, nexo de causalidade e dano). Proprietários que não causaram danos não são considerados poluidores, mas ainda assim podem ser responsáveis pela recuperação do ambiente. Assim como poluidores que já deixaram de ser proprietários, continuam a ser responsáveis pelos danos por eles causados.

Além disso, recentemente, firmou-se no STJ o entendimento de que penalidades administrativas por infrações ambientais não podem ser aplicadas ao proprietário não poluidor, como é o caso de quem herda uma propriedade:

O entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça na Súmula 623 e reiterado na apreciação do Tema 1. 204 de que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem versa sobre a responsabilidade civil ambiental, estruturada para a reparação de danos ecológicos e a eliminação de suas fontes, diferentemente da multa por infração ao meio ambiente, que é aplicada com fundamento no poder sancionador do Estado e tem caráter pessoal (STJ – REsp: 1823083 – 18/06/2024)

Isso se dá pela característica do direito administrativo ambiental que confere aos infratores ambientais a nomenclatura de “transgressores” (art. 14, caput, da Lei 6.938/81), diverso do conceito de “poluidor” (art. 14,  § 1º, da Lei 6.938/81). Nesse sentido, o transgressor jamais poderá responder por ofensas ambientais cometidas por outra pessoa. E também em razão disso, a obrigação propter rem não pode ser atribuída ao proprietário que não causou o dano, mas pode tornar o proprietário civilmente responsável pela obrigação de reparar – simplesmente pela sua qualidade de proprietário.

Por: Luna Rocha Dantas

 

2025-05-19T17:30:54+00:0019 de maio de 2025|

ENTRE A INOVAÇÃO E A FLAGRANTE ILEGALIDADE: A INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 20 DO IBAMA

A recente publicação da Instrução Normativa n. 20/24, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), foi editada para regulamentar a reparação do dano ambiental no âmbito dos processos administrativos sancionadores do IBAMA, originados a partir do poder de polícia do órgão federal.

Não é novidade que o ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio da reparação integral do dano ambiental (artigo 225, §3º, da CF/88; artigo 4º, VII, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/81). Também não deixa de ser verdade que a reparação do dano ambiental foi considerada imprescritível, de modo que repará-lo é obrigação inerente, ainda que a administração pública perca o direito de cobrar. Não é esse o propósito do artigo, pois não se pretende discutir sobre a necessidade da reparação nos casos de cometimento de dano ambiental.

A questão que se propõe a refletir é a seguinte: poderia o IBAMA (ou qualquer outro órgão ambiental) exigir a reparação do dano ambiental (e regulamentar o procedimento) no âmbito de processo administrativo quando inexiste normativa legal para tanto? Em outras palavras, como a reparação não faz parte das sanções administrativas, poder-se-ia exigi-la na esfera administrativa ou apenas mediante ação judicial?

Como se sabe, a Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) e o Decreto n. 6.514/2008 (Infrações Administrativas) são os marcos regulatórios da matéria administrativa-ambiental no Brasil.

Ambas as normas trazem um rol taxativo do que se considera sanção administrativa (art. 72 da Lei n. 9.605/98 e art. 3º do Decreto n. 6.514/08): advertência, multa simples, suspensão total ou parcial da atividade; demolição; interdição são algumas das hipóteses trazidas pelo legislador.

Nesse ponto que se encontra a ilegalidade da norma do IBAMA (ou de qualquer outra norma similar), pois inexiste previsão legal para que a reparação do dano ambiental seja realizada no âmbito administrativo.

O motivo é bastante simples: a reparação civil, como o próprio nome já diz, é efeito da responsabilidade civil e, como tal, deve ser atingida através de mecanismo judicial próprio e não pela via administrativa, como se os procedimentos de autos de infração fossem sucedâneos ao da ação judicial.

A carência de um dispositivo legal sancionatório específico para a reparação do dano ambiental na esfera administrativa não apenas compromete a segurança jurídica, mas também evidencia uma lacuna crítica no ordenamento jurídico ambiental. Essa omissão legislativa potencializa a vulnerabilidade das decisões administrativas a impugnações judiciais e reafirma que, no atual panorama jurídico brasileiro, a efetiva determinação e execução da recuperação ambiental encontram seu locus apropriado na esfera jurisdicional cível.

Fazendo um paralelo com o processo criminal, a conclusão a que se chega é exatamente a mesma: não há, na Lei dos Crimes Ambientais, pena restritiva de direitos que se relacione com a reparação do dano ambiental, ainda que, por analogia, há entendimentos que defendem o contrário. A única hipótese legal que é admitida a demolição/reparação como sanção penal é aquela oriunda de produto do crime (art. 91, “b”, do Código Penal).

Veja-se, não se está a discutir a necessidade da reparação ambiental – obrigatória quando constatado um dano –, mas sim que esta não pode ser exigida, como acontece corriqueiramente na prática e a nova normativa federal é mais um exemplo, na esfera administrativa.

Havendo a infração administrativa, que leve à constatação do dano ambiental, a reparação é condição sine qua non e deve ser buscada a todo o custo. Não como uma obrigação originada de processo administrativo sancionatório, mas mediante ação judicial.

Diante disso, enquanto não houver reforma legislativa que inclua a reparação do dano ambiental como sanção administrativa, toda e qualquer determinação oriunda de procedimento administrativo ou toda e qualquer norma editada com esse viés carecerá de legalidade estrita, devendo ser objeto de questionamentos e irresignação

Por: Lucas Dantas Evaristo de Souza e Monique Demaria

2024-11-13T20:36:20+00:0013 de novembro de 2024|

CAMPOS DE ALTITUDE: MAIS UM CASO DE AUTUAÇÃO CONTRÁRIA À LEGISLAÇÃO POSTA POR PARTE DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

O equilíbrio entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental é garantido por um robusto arcabouço jurídico no Brasil. Empresas dos mais variados setores são obrigadas a cumprir normas ambientais rígidas, obtendo licenças e autorizações, bem como adotando medidas de mitigação e controle, como ocorre no setor da silvicultura. Para essa atividade, no bioma Mata Atlântica, a supressão de vegetação possui regramentos específicos previstos na Lei 11.420/2006 e no Decreto 6.660/2008, como também na Lei 12.651/2012 (Código Florestal).

No entanto, há situações em que empresas mesmo atuando de maneira regular e em conformidade com a legislação ambiental, são autuadas pelos órgãos públicos. Essas autuações indevidas podem ocorrer, por exemplo, por falhas na análise técnica, por divergências na interpretação das normas e divergências na aplicabilidade do Código Florestal no bioma Mata Atlântica.

De forma a ilustrar isso, recentemente a Justiça Federal de Santa Catarina noticiou[1] em seu sítio que foi concedida liminar para suspender o pagamento de multas aplicadas pelo IBAMA a uma empresa de reflorestamento por suposta supressão de vegetação de Mata Atlântica para plantio de pinus, em áreas consideradas “campos de altitude”. Tal formação florística integra o bioma Mata Atlântica, embora a lei federal (Lei 11.420/2006) não tenha definido o que são “campos de altitude”.

Acontece que em razão dessa omissão, o Estado de Santa Catarina teria exercido a competência legislativa plena prevista no art. 24, §3º, da CRFB/88 ao editar o art. 28, XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009 (Código Estadual do Meio Ambiente) atual art. 28-A, XV da lei estadual, o qual estabeleceu que “campos de altitude” são áreas situadas acima de 1.500 metros de altitude, em âmbito estadual, assim dispondo:

Art. 28-A Para os fins previstos nesta Lei entende-se por:

[…]

XV – campos de altitude: ocorrem acima de 1.500 (mil e quinhentos) metros e são constituídos por vegetação com estrutura arbustiva e/ou herbácea, predominando em clima subtropical ou temperado, definido por uma ruptura na sequência natural das espécies presentes e nas formações fisionômicas, formando comunidades florísticas próprias dessa vegetação, caracterizadas por endemismos, sendo que no Estado os campos de altitude estão associados à Floresta Ombrófila Densa ou à Floresta Ombrófila Mista;

Referido dispositivo foi impugnado em Ação Direta de Inconstitucionalidade[2] ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (MPSC), que questionou sua constitucionalidade perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). O MPSC alegou que a Lei Estadual tratou de modo inovador o conceito de campos de altitude, de modo a reduzir a sua hipótese de incidência se comparada a Resolução 10/1993 do CONAMA, que “não vincula campo de altitude à vegetação típica que ocorre em altitudes acima de 1.500 metros”. Ao julgar a ADI, em 05/06/2019, o TJSC entendeu pela constitucionalidade do referido dispositivo legal e a decisão foi mantida pelo STF, que conferiu efeito vinculante e eficácia contra todos.

Desse modo, no Estado de Santa Catarina, vigora o conceito de “campos de altitude” definido no art. 28-A, XV, da Lei Estadual n. 14.675/2009, que se refere às áreas localizadas acima de 1.500 metros de altitude, desde o trânsito em julgado em 23/04/2022.

Ainda assim, em 28/06/2024, mesmo após declarada a constitucionalidade do dispositivo sobre campos de altitude da lei estadual, bem como a atividade estar devidamente licenciada pelo órgão ambiental estadual, a empresa de reflorestamento sofreu autuações, com multa e termo de embargo por parte do IBAMA, que alegou que a fiscalização nas áreas objeto das autuações teria sido realizada a pedido do MPSC, que solicitou informações para elucidar denúncias relativas à supressão de vegetação nativa de áreas superiores a 50 hectares, em razão de atribuições da União (art. 14, § 1º, da Lei 11.428/2006 e art. 19, inciso I, do Decreto 6.660/2008).

No caso, a empresa ajuizou medida perante a Justiça Federal de Florianópolis para suspender a exigibilidade de multa e embargos contra o IBAMA. O juízo, após a manifestação do IBAMA, deferiu a suspensão da exigibilidade da multa e embargo por entender que: a) a atividade estava sendo realizada em área situada abaixo de 1.500 metros de altitude, não se amoldando ao conceito de campos de altitude; b) a área não era coberta por vegetação nativa de especial preservação, o que dispensa autorização do IBAMA para supressão para uso alternativo do solo; e c) o artigo da lei estadual foi declarado constitucional, não sendo dado ao IBAMA negar-lhe vigência.

De longa data, essas autuações vêm preocupando o setor empresarial, em razão do uso abusivo de ações e autuações indevidas por órgãos públicos, mesmo quando as empresas operam dentro dos parâmetros legais e possuem todas as licenças necessárias. Essas condutas podem ser caracterizadas como temerárias e de abuso de direito, por violação aos princípios da boa-fé e da segurança jurídica, trazendo insegurança jurídica, bem como gerando prejuízos ao setor produtivo. Além de causar impacto econômico imediato, essas autuações podem macular a reputação da empresa, resultando em perda de contratos e dificuldades na obtenção de crédito.

Em muitos casos, os órgãos públicos desconsideram as licenças válidas emitidas pelos próprios órgãos ambientais, questionando seu mérito de forma genérica, sem apresentar provas concretas de danos ao meio ambiente ou qualquer indício de ilegalidade. Isso já resultou até na condenação do Ministério Público do Distrito Federal por litigância de má-fé[3].

As empresas que cumprem as exigências legais, obtêm licenças e seguem as normas ambientais precisam ter a garantia de que suas atividades não serão interrompidas injustificadamente por autuações abusivas ou ações sem fundamento sólido. Sem essa previsibilidade, o ambiente de negócios torna-se instável e desestimulante para investimentos, especialmente em setores que demandam grande capital e planejamento de longo prazo.

Portanto, embora a fiscalização e a atuação judicial sejam fundamentais para a preservação ambiental, o exercício abusivo desses poderes, por meio de ações temerárias e autuações indevidas, prejudica o setor produtivo e compromete o desenvolvimento de atividades produtivas sustentáveis. O respeito à segurança jurídica e à boa-fé é essencial e para que empresas que operam dentro da legalidade e adotam práticas sustentáveis tenham a confiança de que não serão punidas injustamente, sendo portanto, necessário buscar um equilíbrio nas ações fiscalizatórias e judiciais, de modo a garantir a continuidade da atividade devidamente licenciada, crescimento econômico do setor e competitividade no mercado mundial.

[1] https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=28511

[2] ADI 8000030-60.2017.8.24.0000

[3] https://direitoambiental.com/ministerio-publico-condenado-por-ma-fe-em-acao-civil-publica/

Por: Elisa Ulbricht

2024-10-22T22:05:56+00:0022 de outubro de 2024|

POLUIDOR INDIRETO E A NECESSIDADE DE CONDUTA ESPECÍFICA DO AGENTE

Há muitas controvérsias que envolvem a figura do “poluidor indireto”. O termo foi inaugurado pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que, em seu artigo 3º, IV, determina que será poluidor aquele “[…] responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

Embora trate-se de normativa bastante antiga, até hoje não há uma definição específica acerca de “quem” seria o tal “responsável indireto”. O texto da PNMA, como redigido, é genérico e dá margem a interpretações.

Conquanto a aparente abstração da normativa em questão, algumas premissas podem ser estabelecidas a partir de uma análise das teorias que envolvem a responsabilidade civil clássica e da própria legislação ambiental.

A primeira premissa que há que se ter em mente é a seguinte: a responsabilidade civil parte da análise de três condições: a) conduta do agente; b) nexo de causalidade e; c) resultado danoso.

O foco da presente análise está no primeiro requisito: a conduta.

Dentro da responsabilidade civil ambiental não é difícil deparamo-nos com discussões acerca da (des) necessidade de análise do requisito “conduta do agente”, tendo em vista que o texto normativo faz alusão à “atividade” que causa danos, e não à “conduta” ou “ato” do responsável direto ou indireto. A partir dessa teoria, a consequência jurídica da expressão [“atividade”] é que, para aferição do dever de indenizar, o mero exercício de atividade danosa ao meio ambiente é suficiente.

Em outras palavras: o “risco da atividade”, tomando-se por base a teoria do “risco integral”, justificaria condenações “sem conduta”.

Essa conclusão faz sentido quando se está a analisar a situação daquele que é diretamente “responsável por atividade” que causa danos ambientais. De fato, a teoria do risco integral, aplicável ao direito ambiental e confirmada pelo julgamento do Tema Repetitivo 707 do STJ[1], tem como consequência jurídica prática a ausência de análise da conduta do agente que exerce a atividade de risco. Excluem-se aqui fatores como “fato de terceiro” ou “força maior”.

Se, hipoteticamente, uma indústria química – que exerce sua atividade pautada em licença ambiental válida e cumpre com todas as condicionantes ambientais etc. – gera acidentalmente [por si ou por ato de terceiro] um derramamento de substância tóxica no meio ambiente, poderá vir a ser instada a reparar o dano ambiental, simplesmente por “exercer uma atividade de risco”.

Nesse sentido, não há objeções acerca do fato de que a pessoa que exerce/opera a atividade de risco que gerou prejuízos poderá ser instada a reparar o dano ambiental a que sua atividade diretamente deu causa. A controvérsia que efetivamente remanesce está na delimitação de quem seria [ou qual conduta teria] o tal “responsável indireto” dentro desse contexto.

Ora, quando se fala no chamado “poluidor indireto”, está-se diante de um terceiro que efetivamente não explora/exerce a atividade de risco que ocasionou o dano ambiental. Esse terceiro não possui poder de controle sobre as condições que levaram à ocorrência do dano – tanto é assim que ele é intitulado de responsável “indireto”.  A “atividade de risco” não é do terceiro – e isso precisa ficar claro.

Daí indagar-se: quando se está a falar do poluidor indireto –  que é aquele agente que não exerce a atividade de risco que gerou diretamente o dano, mas com ela [atividade] tem um vínculo jurídico –, este [terceiro] pode vir a ser instado a reparar um dano ambiental causado pela atividade exercida e controlada por outro agente (responsável direto)? A resposta é sim.

Mas em que circunstâncias esse terceiro será responsável? A conclusão, nesse caso, não é matemática.

O poluidor indireto poderá como tal ser caracterizado sempre que, apesar de não deter o controle acerca da prática do ato/atividade que deu causa ao dano ambiental: a) possuir uma relação ou vínculo jurídico para com a atividade de risco do poluidor direto; b) possuir um dever de cuidado e/ou vigilância específico sobre a atividade de risco do poluidor direto por força de uma imposição legal, e, c) ao se omitir desse dever, tal omissão constituir fator determinante para dar causa ao dano ambiental.

As conclusões acima são corroboradas por importante precedente proferido pelo TRF5, em que se decidiu que: “É poluidor indireto, portanto, aquele a quem a norma impõe diligências para evitar o evento poluidor e a degradação do meio ambiente, mas não as cumpre, propiciando, pela sua ação indevida ou falta de ação, a ocorrência de danos ambientais” (AI 0802524-57.2020.4.05.0000, Relator: Desembargador Carlos Rebelo Jr. Magistrado (a) convocado (a): Juíza Federal Madja de Souza Moura Siqueira. Julgado em 18 de agosto de 2022)[2].

Ou seja: quando se está a tratar do poluidor indireto, sempre se estará a tratar de sua conduta (geralmente omissiva) em relação à atividade do poluidor direto – além de outros aspectos, como a necessidade de haver um dever jurídico e/ou de vigilância específico preestabelecido em lei que, descumprido, favorece a causação do dano (mas este é um tema que será melhor explorado em um próximo artigo).

Isso quer dizer que o requisito “ato” e/ou “conduta” não foi simplesmente abolido das análises da responsabilidade civil ambiental – pelo menos não quando se está a falar de um pretenso poluidor indireto.

Tanto não houve essa “abolição”, que a própria CF/88, em seu art. 225, §3º estabelece que “[…] As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.

A Constituição Federal, portanto, fala em “condutas e atividades”, do que se conclui que, em determinadas situações, a “conduta” (e não o mero exercício da atividade) deverá ser, sim, analisada e estabelecida como fator determinante para a responsabilização. Como é o caso daquele que detém apenas uma relação indireta com a atividade que causou o dano – situação em que, invariavelmente, haverá uma análise acerca de sua conduta [ou falta dela] no caso concreto.

Não se desconhece decisão do STJ que minimiza condutas e vínculos de causalidade dos terceiros (pretensos poluidores indiretos) para que assim possam, sem maiores critérios, ser considerados responsáveis. Trata-se do REsp n. 650.728/SC, cuja ementa, em seu trecho “13”, assim estabelece: “[…] equiparam-se quem faz, quem não faz quando deveria fazer, quem deixa de fazer, quem não se importa que façam, quem financia para que façam, quem se beneficiou quando outros fazem”.

O enunciado não poderia ser mais genérico – “quem não se importa que façam…” (!?)

Embora o referido trecho tenha sido incluído em obter dictum (porque a temática em julgamento cuidava de um poluidor direto que havia aterrado um ambiente protegido), o fato é que os verbetes listados não devem, por si sós, ser concebidos como ensejadores de responsabilidade – não sem que se coteje minimamente no caso concreto aspectos como: ato/conduta; nexo de causalidade e dano.

Seja como for, embora ainda haja grandes controvérsias em face da figura do poluidor indireto, uma conclusão é certa: este sempre será um terceiro que não exerce a atividade de risco que gerou o dano ambiental, mas com esta [atividade] detém um vínculo jurídico e uma obrigação legal de cuidado/vigilância que, omitida (ato/conduta específica), poderá ser determinante para o dano. Daí concluir-se que o requisito “ato” (ou “conduta”) é absolutamente necessário em análises como estas.

[1] “a) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar; b) em decorrência do acidente, a empresa deve recompor os danos materiais e morais causados; c) na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo a que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado.”

[2] Acesso à íntegra do acórdão citado: https://pje.trf5.jus.br/pjeconsulta/ConsultaPublica/DetalheProcessoConsultaPublica/documentoSemLoginHTML.seam?idProcessoDocumento=36381d9564e2c057e728753e2f7c5e87

Por: Fernanda de Oliveira Crippa

2024-10-16T19:55:55+00:0016 de outubro de 2024|

AMIANTO: CRÔNICA DE UMA NOVELA INACABADA

O amianto é uma substância proibida no Brasil? Essa simples pergunta não pode ser respondida com simplicidade, na medida em que, para tanto, necessário que se proceda a uma análise da legislação federal e da de alguns estados, assim como das diversas ações de controle de constitucionalidade julgadas pelo STF, além das normas internacionais ratificadas pelo Brasil.

Em 1995 foi publicada a Lei Federal nº 9.055, cujo art. 1° vedou, em todo o território nacional, a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto e de produtos dele derivados. Contudo, o artigo 2° da norma permitiu o uso controlado do asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco). Essa parcial permissão deu origem a uma controvérsia que ainda hoje permanece em vigor.

O tema foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas ocasiões, resultando em julgamentos que trataram, não tanto sobre os efeitos do amianto, mas, especialmente, sobre a constitucionalidade das normas estaduais e municipais que procuravam limitar a utilização da substância, apesar da permissão da lei federal. O enfoque maior, portanto, sempre esteve ligado à chamada competência constitucional para legislar em matéria ambiental e de saúde dos trabalhadores.

Os primeiros julgamentos foram todos no sentido de privilegiar a competência da União Federal para editar normas gerais (art. 24, §1º, da CF/88), ou seja, declarando-se inconstitucionais as leis estaduais que, em contrariedade ao aludido artigo 2º da Lei n. 9.055/1995, buscavam proibir a utilização, a comercialização, a exploração, etc. de produtos que contivessem amianto nos territórios dos respectivos estados. É o que se deu nos julgamentos das ADINs n. 2.396-9/MS e n. 2.656-9/SP. Mantinha-se, pois, a permissão relativa ao amianto crisotila (asbesto branco).

Um sinal de mudança no posicionamento da Corte surgiu por ocasião do julgamento da ADIN n. 3937/SP, intentada contra nova lei do Estado de São Paulo (12.684), onde por voto vista, o Ministro Joaquim Barbosa, afastando-se das questões formais, decidiu por priorizar a saúde e o meio ambiente saudável.

Posteriormente, o cenário jurídico sofreu uma alteração substancial no ano de 2017, com o julgamento conjunto de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 3356, 3357, 3937, 3406 e 3470) e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 109, propostas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) em face de normas restritivas promulgadas pelos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e pelo Município de São Paulo.

A discussão que se travou, uma vez mais, foi relativa à possibilidade, ou não, de estados e municípios legislarem em contrariedade ao disposto na lei federal.

Já na ADIN 4066, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) questionavam o dispositivo da lei federal que permitia o uso do amianto crisotila no país.

Ao julgar as ações, o STF reconheceu a validade das leis estaduais e municipal que restringiam ou vedavam a extração e o uso do amianto crisotila para a produção de quaisquer materiais. No mesmo julgamento, foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei federal 9.055/1995 que permitia a extração, a industrialização, a comercialização e a distribuição da fibra mineral no Brasil.

As decisões levaram em conta os danos ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores decorrentes da manipulação do amianto, assim como a impossibilidade do respectivo uso se dar de forma efetivamente segura, além da existência de matérias-primas alternativas.

Em fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal encerrou definitivamente o julgamento conjunto dos embargos das ações que tramitavam na Corte, confirmando a declaração de inconstitucionalidade da norma federal sobre a matéria.

O entendimento adotado pelo STF teve repercussão significativa, não apenas por chancelar as leis estaduais proibitivas do uso do amianto, mas também por, ao assim agir, acabar por incentivar que outros estados e municípios adotassem legislações semelhantes.

Imperioso ressaltar que o Brasil sempre figurou entre os maiores produtores mundiais de amianto crisotila e a proibição de sua utilização acarretou evidentes impactos na economia, tendo a Corte, contudo, na ocasião, optado por fazer prevalecer os outros direitos fundamentais envolvidos.

De outro lado, é de se ressaltar que o Estado de Goiás, em resposta à proibição imposta pelo STF, promulgou, em 2019, a Lei nº 20.514, que permite a exportação, extração e o beneficiamen­to do amianto da variedade crisotila no território do estado. Tal norma, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 9.518/19, foi objeto da ADI 6.200/GO. O Ministro Relator da ADI, Alexandre de Moraes, decidiu pela cassação da decisão na Ação Civil Pública que havia deferido o pedido de tutela antecipada para suspender a eficácia da Lei 20.514/2019.

Na decisão monocrática, o Ministro Alexandre de Moraes fundamentou a cassação afirmando que “o efeito prático da decisão concessiva da tutela de urgência equivale ao próprio reconhecimento do vício de inconstitucionalidade da norma” devendo ser presumida a constitucionalidade da Lei 20.514/2019. Atualmente, portanto, a lei goiana está em pleno vigor, até o julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Estamos, pois, diante de uma situação em que vigora uma Lei Federal que proíbe o uso do amianto, ao passo que uma lei estadual vigente permite a sua exploração com o fim de exportação. O Brasil é, na teoria, um país que baniu o amianto em 2017, porém continua no pódio como o terceiro maior exportador dessa substância.

Esse cenário gerou um impasse: como transportar o amianto extraído das minas de Goiás até os portos do litoral para exportação, atravessando estados que expressamente proíbem tal atividade envolvendo o produto? A 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo teve a difícil tarefa de responder a essa pergunta em face de um caso concreto.

A controvérsia foi a seguinte: uma grande empresa mineradora impetrou mandado de segurança em face da apreensão de amianto crisotila destinado à exportação no Porto de Santos. A decisão de primeiro grau julgou improcedente o pedido e manteve a regularidade da fiscalização realizada na carga da empresa, com fundamento na legislação paulista (art. 122 da Lei 10.083/98 e art. 1º da Lei nº 12.694/07) que proíbe o uso, a manipulação e o transporte do material considerado perigoso.

Interposta apelação, a mesma foi provida, concedendo-se a segurança pleiteada[1].

O tribunal entendeu que, embora a legislação do Estado de São Paulo proíba o uso de produtos contendo amianto, não há vedação específica ao transporte do material. Assim, existindo a extração do amianto crisotila no Estado de Goiás, onde há legislação autorizando a atividade para fins de exportação, impedir o transporte pelo território paulista inviabilizaria a produção. Assim, reconheceu-se o direito da impetrante-apelante de exercer sua atividade econômica, transportando o amianto crisotila para fins exclusivos de exportação através do Estado de São Paulo, nos termos da legislação goiana.

Especificamente sobre o transporte de amianto também pendente de julgamento é a ADPF nº 234/DF, em que a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logísticas formalizou arguição de descumprimento de preceito fundamental contra o Estado de São Paulo e que a proibição do uso violaria o seu direito de realizar o transporte interestadual e internacional de carga. Liminarmente, em 2011, foi concedida a cautelar que suspendeu a eficácia das interdições ao transporte de amianto da variedade crisotila.

Percebe-se que a decisão do TJSP, na verdade, é a única solução possível. Enquanto a ADI 6.200/GO e a ADPF nº 234/DF permanecem sem julgamento, e a extração do minério no Estado de Goiás continua em vigor, as legislações estaduais que proíbem seu transporte se tornam inócuas. Na prática, portanto, o transporte de amianto não possui qualquer óbice no Brasil, até o momento.

Por:

Marcelo Buzaglo Dantas

Marcela Dantas Evaristo de Souza

Luna Rocha Dantas

 

[1] RECURSO DE APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. 1. PRELIMINAR. PROCESSO CIVIL. Inexistência de falta de fundamentação na sentença. A decisão meritória de primeiro grau enfrentou fundamentadamente todas as teses imprescindíveis ao deslinde da questão de forma lógica e coerente, não havendo qualquer vício que a contamine. 2. AMIANTO CRISOTILA. TRANSPORTE VISANDO A EXPORTAÇÃO. O transporte de amianto crisotila ao Porto de Santos destinado ao mercado estrangeiro é possível no território do Estado de São Paulo. Inexistência de proibição da conduta “transportar”. Restrição ao uso imposta na Lei nº 12.694/07 do Estado de São Paulo. Possibilidade de extração e beneficiamento de amianto crisotila no Estado de Goiás para fins de exportação. Inteligência da Lei 20.514/19 e Decreto Estadual nº 9.518/19, ambos do Estado de Goiás. Normas em vigência após decisão na ADI 6.200/GO do E. STF. Liminar parcialmente concedida na ADPF 234 do E. STF, onde se discute a diferenciação do “uso” e “transporte”. Impossibilidade de restrição à livre iniciativa de indústria lícita no Estado de Goiás. Possibilidade de exercício da atividade econômica lícita para fins de exportação. 3. Sentença denegatória reformada. Recurso provido. (TJ-SP – AC: 10049757920218260562 SP 1004975-79.2021.8.26.0562, Relator: Marcelo Berthe, Data de Julgamento: 08/09/2022, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 15/09/2022)

2024-10-08T16:53:10+00:004 de outubro de 2024|

A EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL EM MATÉRIA AMBIENTAL: O CASO DOS BENS TOMBADOS DESAPROPRIADOS NA ÓTICA DO STJ

A recente decisão proferida pela Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do AREsp n. 1886951, suscita uma questão de suma importância no âmbito do direito administrativo, ambiental e da tutela do patrimônio histórico-cultural: a atribuição de responsabilidade pela reparação de danos ambientais ocasionados a bens de natureza histórico-cultural pelo expropriado (proprietário anterior) em hipóteses de desapropriação pelo Poder Público.

A desapropriação, enquanto instrumento jurídico, é um mecanismo pelo qual o Estado pode retirar a propriedade de um particular para atender ao interesse público, conforme previsto na Constituição Federal e regulamentado pelo Decreto-Lei n. 3.365/1941.

O caso ora em análise versou sobre a desapropriação de um imóvel tombado situado no município do Rio de Janeiro/RJ, em que o ente municipal desapropriou o imóvel para a implementação do Projeto “Porto Maravilha”, no contexto de programa de habitação de interesse social.

Contudo, o Ministério Público do Estado do Rio De Janeiro já havia ajuizado uma ação civil pública em razão da existência de danos no imóvel de importância histórico-cultural, os quais, alegadamente, decorreriam de sua não conservação, pleiteando a condenação à execução de projeto de recuperação do bem e ao pagamento de indenização a título de reparação dos danos morais coletivos

Nesse sentido, a Corte Superior decidiu que, após a efetivação da desapropriação, o antigo proprietário não pode ser responsabilizado pela reparação dos danos ambientais (ao patrimônio histórico-cultural) por ele causados no bem – antes da desapropriação.

O Tribunal Superior entendeu, especificamente, que a condenação à parte desapropriada para custear a recuperação do imóvel resultaria em uma infração ao princípio do non bis in idem (proibição de dupla punição pelo mesmo fato). Isso ocorreria porque o proprietário sofreria uma dupla penalização pelo mesmo motivo: primeiramente, receberia uma indenização já reduzida devido ao passivo ambiental existente e, em seguida, seria compelido a arcar novamente com esse mesmo passivo no âmbito do processo judicial.

Assim, o paradigma em comento estabelece um precedente de significativa relevância, redefinindo os contornos da responsabilidade ambiental em casos de desapropriação de bens. Até porque, no âmbito do direito ambiental – que se alinha ao caso, o tombamento é um dos instrumentos do chamado “meio ambiente cultural” –, a responsabilidade civil tem características peculiares, fundamentadas no princípio do poluidor-pagador e na teoria do risco integral, o que torna a questão ainda mais complexa. Nesses casos, tem prevalecido o entendimento de que aquele que deu causa ao dano ambiental, deve ser instado a repará-lo – mesmo que, por exemplo, tenha havido a posterior venda do bem gravado com o passivo.

Nessa ordem de ideias, cumpre salientar que o Superior Tribunal de Justiça reconhece o caráter propter rem das obrigações ambientais, consoante a Súmula n. 623 e o Tema Repetitivo n. 1.204. Tal entendimento implica que essas obrigações podem ser impostas tanto ao proprietário atual quanto aos anteriores (desde que esses “proprietários anteriores” tenham contribuído para ao dano ambiental). Nesse diapasão, seria possível, a priori, responsabilizar o proprietário de um imóvel já desapropriado pela reparação do dano ambiental que causou.

Entretanto, para o caso em apreço a Corte utilizou o instituto do distinguishing e realizou uma análise minuciosa dos fatos específicos, evitando a aplicação automática da jurisprudência. Tal abordagem, em consonância com o princípio da segurança jurídica, buscou obstar que as decisões judiciais fossem fundamentadas em conceitos genéricos que não fornecessem a solução jurídica mais adequada à espécie.

Ao aplicar o distinguishing, o STJ determinou a inaplicabilidade do Tema Repetitivo 1.204 ao caso em questão, especificamente em situações de expropriação de imóveis. A Corte entendeu ser injusta a dupla penalização do ex-proprietário pela recuperação ambiental de uma propriedade cuja indenização expropriatória já fora reduzida em virtude do passivo ambiental existente.

Em outras palavras, o Tribunal concluiu que o ex-proprietário não tem a obrigação de reparar um dano ambiental causado a um bem que lhe foi retirado por meio de expropriação, cujos ônus, nos termos do art. 31 do Decreto-Lei n. 3.365/1941, ficam sub-rogados no preço pago pelo Poder Público [a título de indenização] para a aquisição do imóvel. Isto é: ao adquirir o imóvel, o Poder Público “já descontou o passivo ambiental do valor pago”, de modo que não se há falar em desembolso de novos valores pelo expropriado.

Por outro lado, o STJ entendeu que seria possível a condenação quanto à possível obrigação de compensar eventual o dano moral coletivo. Nesta circunstância específica, a obrigação ou o encargo não estão diretamente vinculados ao imóvel em si, mas sim às ações ou omissões que lesaram os interesses difusos da sociedade. Inexistiria para o STJ, portanto, sub-rogação no preço.

O aresto do STJ, acerca da responsabilidade por danos ao patrimônio histórico-cultural em casos de desapropriação, configura um marco significativo no direito administrativo pátrio. Proporciona clareza quanto à transferência de responsabilidades, mas também suscita novas questões sobre a gestão e preservação do patrimônio histórico nacional, que muitas vezes são desconsiderados em julgamentos de matéria ambiental.

O julgado não apenas redefiniu os limites da responsabilidade do proprietário expropriado, mas também elucidou sobre a complexa interseção entre o direito ambiental, administrativo e a preservação do patrimônio histórico-cultural.

Ao equilibrar os princípios do non bis in idem, da responsabilidade ambiental e da equidade, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um precedente jurisprudencial que requer uma abordagem mais contextualizada em casos futuros. Assim, o aresto em questão não apenas exercerá influência sobre futuras decisões judiciais, como também deverá repercutir nas políticas públicas atinentes à desapropriação e à preservação do patrimônio histórico-cultural. Tal impacto propiciará um equilíbrio mais equânime entre os interesses de natureza pública e privada no âmbito do ordenamento jurídico pátrio.

Por: Monique Demaria

2024-09-18T20:36:41+00:0018 de setembro de 2024|
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