O amianto é uma substância proibida no Brasil? Essa simples pergunta não pode ser respondida com simplicidade, na medida em que, para tanto, necessário que se proceda a uma análise da legislação federal e da de alguns estados, assim como das diversas ações de controle de constitucionalidade julgadas pelo STF, além das normas internacionais ratificadas pelo Brasil.

Em 1995 foi publicada a Lei Federal nº 9.055, cujo art. 1° vedou, em todo o território nacional, a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização do asbesto/amianto e de produtos dele derivados. Contudo, o artigo 2° da norma permitiu o uso controlado do asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco). Essa parcial permissão deu origem a uma controvérsia que ainda hoje permanece em vigor.

O tema foi submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal (STF) em diversas ocasiões, resultando em julgamentos que trataram, não tanto sobre os efeitos do amianto, mas, especialmente, sobre a constitucionalidade das normas estaduais e municipais que procuravam limitar a utilização da substância, apesar da permissão da lei federal. O enfoque maior, portanto, sempre esteve ligado à chamada competência constitucional para legislar em matéria ambiental e de saúde dos trabalhadores.

Os primeiros julgamentos foram todos no sentido de privilegiar a competência da União Federal para editar normas gerais (art. 24, §1º, da CF/88), ou seja, declarando-se inconstitucionais as leis estaduais que, em contrariedade ao aludido artigo 2º da Lei n. 9.055/1995, buscavam proibir a utilização, a comercialização, a exploração, etc. de produtos que contivessem amianto nos territórios dos respectivos estados. É o que se deu nos julgamentos das ADINs n. 2.396-9/MS e n. 2.656-9/SP. Mantinha-se, pois, a permissão relativa ao amianto crisotila (asbesto branco).

Um sinal de mudança no posicionamento da Corte surgiu por ocasião do julgamento da ADIN n. 3937/SP, intentada contra nova lei do Estado de São Paulo (12.684), onde por voto vista, o Ministro Joaquim Barbosa, afastando-se das questões formais, decidiu por priorizar a saúde e o meio ambiente saudável.

Posteriormente, o cenário jurídico sofreu uma alteração substancial no ano de 2017, com o julgamento conjunto de cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 3356, 3357, 3937, 3406 e 3470) e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 109, propostas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI) em face de normas restritivas promulgadas pelos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e pelo Município de São Paulo.

A discussão que se travou, uma vez mais, foi relativa à possibilidade, ou não, de estados e municípios legislarem em contrariedade ao disposto na lei federal.

Já na ADIN 4066, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT) questionavam o dispositivo da lei federal que permitia o uso do amianto crisotila no país.

Ao julgar as ações, o STF reconheceu a validade das leis estaduais e municipal que restringiam ou vedavam a extração e o uso do amianto crisotila para a produção de quaisquer materiais. No mesmo julgamento, foi declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º da Lei federal 9.055/1995 que permitia a extração, a industrialização, a comercialização e a distribuição da fibra mineral no Brasil.

As decisões levaram em conta os danos ao meio ambiente e à saúde dos trabalhadores decorrentes da manipulação do amianto, assim como a impossibilidade do respectivo uso se dar de forma efetivamente segura, além da existência de matérias-primas alternativas.

Em fevereiro de 2023, o Supremo Tribunal Federal encerrou definitivamente o julgamento conjunto dos embargos das ações que tramitavam na Corte, confirmando a declaração de inconstitucionalidade da norma federal sobre a matéria.

O entendimento adotado pelo STF teve repercussão significativa, não apenas por chancelar as leis estaduais proibitivas do uso do amianto, mas também por, ao assim agir, acabar por incentivar que outros estados e municípios adotassem legislações semelhantes.

Imperioso ressaltar que o Brasil sempre figurou entre os maiores produtores mundiais de amianto crisotila e a proibição de sua utilização acarretou evidentes impactos na economia, tendo a Corte, contudo, na ocasião, optado por fazer prevalecer os outros direitos fundamentais envolvidos.

De outro lado, é de se ressaltar que o Estado de Goiás, em resposta à proibição imposta pelo STF, promulgou, em 2019, a Lei nº 20.514, que permite a exportação, extração e o beneficiamen­to do amianto da variedade crisotila no território do estado. Tal norma, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 9.518/19, foi objeto da ADI 6.200/GO. O Ministro Relator da ADI, Alexandre de Moraes, decidiu pela cassação da decisão na Ação Civil Pública que havia deferido o pedido de tutela antecipada para suspender a eficácia da Lei 20.514/2019.

Na decisão monocrática, o Ministro Alexandre de Moraes fundamentou a cassação afirmando que “o efeito prático da decisão concessiva da tutela de urgência equivale ao próprio reconhecimento do vício de inconstitucionalidade da norma” devendo ser presumida a constitucionalidade da Lei 20.514/2019. Atualmente, portanto, a lei goiana está em pleno vigor, até o julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Estamos, pois, diante de uma situação em que vigora uma Lei Federal que proíbe o uso do amianto, ao passo que uma lei estadual vigente permite a sua exploração com o fim de exportação. O Brasil é, na teoria, um país que baniu o amianto em 2017, porém continua no pódio como o terceiro maior exportador dessa substância.

Esse cenário gerou um impasse: como transportar o amianto extraído das minas de Goiás até os portos do litoral para exportação, atravessando estados que expressamente proíbem tal atividade envolvendo o produto? A 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo teve a difícil tarefa de responder a essa pergunta em face de um caso concreto.

A controvérsia foi a seguinte: uma grande empresa mineradora impetrou mandado de segurança em face da apreensão de amianto crisotila destinado à exportação no Porto de Santos. A decisão de primeiro grau julgou improcedente o pedido e manteve a regularidade da fiscalização realizada na carga da empresa, com fundamento na legislação paulista (art. 122 da Lei 10.083/98 e art. 1º da Lei nº 12.694/07) que proíbe o uso, a manipulação e o transporte do material considerado perigoso.

Interposta apelação, a mesma foi provida, concedendo-se a segurança pleiteada[1].

O tribunal entendeu que, embora a legislação do Estado de São Paulo proíba o uso de produtos contendo amianto, não há vedação específica ao transporte do material. Assim, existindo a extração do amianto crisotila no Estado de Goiás, onde há legislação autorizando a atividade para fins de exportação, impedir o transporte pelo território paulista inviabilizaria a produção. Assim, reconheceu-se o direito da impetrante-apelante de exercer sua atividade econômica, transportando o amianto crisotila para fins exclusivos de exportação através do Estado de São Paulo, nos termos da legislação goiana.

Especificamente sobre o transporte de amianto também pendente de julgamento é a ADPF nº 234/DF, em que a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logísticas formalizou arguição de descumprimento de preceito fundamental contra o Estado de São Paulo e que a proibição do uso violaria o seu direito de realizar o transporte interestadual e internacional de carga. Liminarmente, em 2011, foi concedida a cautelar que suspendeu a eficácia das interdições ao transporte de amianto da variedade crisotila.

Percebe-se que a decisão do TJSP, na verdade, é a única solução possível. Enquanto a ADI 6.200/GO e a ADPF nº 234/DF permanecem sem julgamento, e a extração do minério no Estado de Goiás continua em vigor, as legislações estaduais que proíbem seu transporte se tornam inócuas. Na prática, portanto, o transporte de amianto não possui qualquer óbice no Brasil, até o momento.

Por:

Marcelo Buzaglo Dantas

Marcela Dantas Evaristo de Souza

Luna Rocha Dantas

 

[1] RECURSO DE APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MEIO AMBIENTE. 1. PRELIMINAR. PROCESSO CIVIL. Inexistência de falta de fundamentação na sentença. A decisão meritória de primeiro grau enfrentou fundamentadamente todas as teses imprescindíveis ao deslinde da questão de forma lógica e coerente, não havendo qualquer vício que a contamine. 2. AMIANTO CRISOTILA. TRANSPORTE VISANDO A EXPORTAÇÃO. O transporte de amianto crisotila ao Porto de Santos destinado ao mercado estrangeiro é possível no território do Estado de São Paulo. Inexistência de proibição da conduta “transportar”. Restrição ao uso imposta na Lei nº 12.694/07 do Estado de São Paulo. Possibilidade de extração e beneficiamento de amianto crisotila no Estado de Goiás para fins de exportação. Inteligência da Lei 20.514/19 e Decreto Estadual nº 9.518/19, ambos do Estado de Goiás. Normas em vigência após decisão na ADI 6.200/GO do E. STF. Liminar parcialmente concedida na ADPF 234 do E. STF, onde se discute a diferenciação do “uso” e “transporte”. Impossibilidade de restrição à livre iniciativa de indústria lícita no Estado de Goiás. Possibilidade de exercício da atividade econômica lícita para fins de exportação. 3. Sentença denegatória reformada. Recurso provido. (TJ-SP – AC: 10049757920218260562 SP 1004975-79.2021.8.26.0562, Relator: Marcelo Berthe, Data de Julgamento: 08/09/2022, 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 15/09/2022)