Consolidado na Seção XII do Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001), o instituto do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) representa uma importante ferramenta para o processo de ordenamento e ocupação do espaço urbano. Trata-se de um compilado de informações acerca dos efeitos – sejam eles positivos ou negativos – que eventual empreendimento trará para seus entornos.
Seu objeto, em linhas gerais, abarca todos os aspectos sobre os quais haverá influência do novo edifício, tais como adensamento populacional, necessidade de equipamentos urbanos e comunitários, valorização imobiliária, geração de tráfego e demanda por transporte público, ventilação, iluminação, paisagem, patrimônios artístico e cultural, entre outros.
Em outras palavras, na verdade, o EIV não possui outra função senão a avaliação da extensão dos impactos urbanísticos que serão causados por um novo edifício, caso a municipalidade entenda pela existência desses efeitos. E nesse ponto se encontram duas questões fundamentais à compreensão desse instrumento.
O primeiro é que nem todos os projetos de edificação dependem de sua elaboração para que sejam aprovados, mas apenas aqueles que representarem efetivo impacto ao ambiente urbano, nos termos ato regulamentador a ser produzido pela municipalidade. Nos casos em que não existem efetivas repercussões urbanísticas do empreendimento, não há porque o município exigir o EIV, uma vez que seu conteúdo estaria absolutamente esvaziado.
É que esse instituto teve como embrião uma gama de leis municipais que exigiam relatórios de impacto urbanístico para atividades que fossem causadoras de repercussões na esfera ambiental e urbanística. Nesse sentido, na palavra de Hely Lopes Meirelles, “mesmo antes do advento da referida lei, algumas Leis Orgânicas, como a do Município de São Paulo passaram a exigir, para a implantação de obras que tenham significativa repercussão ambiental ou na infraestrutura urbana, a apresentação pelo interessado de Relatório de Impacto de Vizinhança (RIVI)” (Direito de Construir. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 51 – grifo nosso).
A incidência do EIV apenas em algumas situações, inclusive, pode ser depreendida da própria leitura do art. 36 do Estatuto da Cidade, cujo texto disciplina que:
Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.
Afinal, se é necessário que o ente municipal defina quais empreendimentos exigem a elaboração do EIV, há de se presumir que o estudo não é exigível a todos.
E aí reside também o cerne do segundo ponto de atenção: se a Lei Federal delega à municipalidade que liste para quais projetos é necessária a elaboração desse instrumento, caso o ente público municipal não exerça seu papel regulamentador, inexiste obrigação de realizar o EIV.
Isso porque, em inexistindo norma que defina quais empreendimentos merecem e quais não merecem a realização do estudo, eventual necessidade de EIV estaria submetida à mera discricionariedade do ente público licenciador, de modo a trazer significativa insegurança à atividade imobiliária.
Esse tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, em mais de uma oportunidade, entendeu incabível a exigência de EIV nos casos em que não há norma municipal regulamentadora. Vide: 1) Agravo de Instrumento 2012.081671-6, Rel. Des. Rodolfo C. R. S. Tridapalli, de São José, Segunda Câmara de Direito Público, j. em 09/12/2014; 2) Apelação Cível n. 2015.023128-5, de Itajaí, rel. Rodolfo C. R. S. Tridapalli, Segunda Câmara de Direito Público, j. 18/8/2015; 3) Apelação Cível n. 2014.054162-6, de Itajaí, rel. Vanderlei Romer, Terceira Câmara de Direito Público, j. 08-09-2015, entre outras.
Há decisão, inclusive, bastante recente em caso em que se discutia a possibilidade de o Município de Itajaí – para o qual ainda não há norma regulamentadora do EIV – exigir a elaboração do referido estudo. No caso em tela, o Desembargador Sergio Roberto Baasch Luz homenageou a jurisprudência da corte estadual catarinense, a fim de suspender os efeitos de decisão que impediu o licenciamento de certos empreendimentos no Município de Itajaí sem a prévia elaboração do estudo.
Portanto, ao passo que o Estudo de Impacto de Vizinhança é instrumento fundamental para o saudável crescimento e ordenamento do espaço citadino, é imprescindível que o Município exerça seu papel de colorir, com as especificidades da realidade local, a moldura oferecida pela legislação federal. Trata-se não apenas de um movimento de aperfeiçoamento desse instituto frente à heterogeneidade do território pátrio, mas, sem dúvida, de adoção da segurança jurídica como política pública.
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