A lei 12.305, denominada lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), entrou em vigor em 3 de agosto de 2010. Como se sabe, o objetivo principal da norma é a proteção da saúde pública e da qualidade ambiental. Atendendo ao que há de mais moderno em matéria de sustentabilidade como novo paradigma das relações jurídicas, a lei considera, em todo o seu texto, as variáveis social, cultural, econômica, tecnológica e ambiental, para nortear a gestão dos resíduos sólidos e dos rejeitos.
Desde janeiro de 2017, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), vem propondo uma revisão do Plano Nacional de Resíduos Sólidos. Ela se estenderá até agosto de 2018, a fim de tentar solucionar as distorções ocorridas desde quando a lei passou a vigorar.
Contudo, é sabido que a problemática da gestão dos resíduos sólidos, quando relacionada ao conceito de sustentabilidade, envolve, tanto na sua geração quanto no seu gerenciamento, alguns direitos fundamentais da pessoa humana que referem-se ao bem-estar, à vida digna, à saúde etc.
Estabelece uma correlação direta com a proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a saúde, a habitação, o lazer etc. Logo, para o seu ideal funcionamento e aplicação, a PNRS depende da total integração entre diferentes esferas do governo, bem como distintas instituições, ações e instrumentos, além da participação popular no contexto. Além do mais, quando refere-se à efetividade do sistema de logística reversa, ou seja, para que os resíduos sólidos e os rejeitos sejam de fato devolvidos aos responsáveis, é necessária a participação daqueles que, de algum modo, acabam por influenciar na vida do produto.
Entretanto, apesar dos excelentes propósitos da norma, a verdade é que, por variadas razões, “ela ainda não vingou”, para usar a expressão típica do jargão popular. Apesar de determinados avanços aqui e acolá, representados pela celebração de alguns densos acordos setoriais, o fato é que a implementação da lei da PNRS ainda carece de efetividade, seja no que se refere à destinação ambientalmente adequada, seja na coleta seletiva, logística reversa etc. Daí porque, mais do que oportuna se revela a revisão proposta pelo MMA.
Causa espécie, contudo, que o próprio governo federal ainda não disponha de indicadores relacionados aos custos da degradação ambiental decorrente do descarte incorreto de resíduos. Seja qual for a razão para isto, o fato é que, antes de proceder a uma revisão da norma e de sua aplicação, é indispensável que se realize um diagnóstico preciso. Do contrário, como atacar o problema sem saber a sua verdadeira dimensão?
Entre os objetivos desta revisão da norma, está a prospecção de recursos para o correto descarte de resíduos. Para tanto, deveria existir um real e forte incentivo por parte dos governos federal, estaduais e municipais para a elaboração, bem como a execução, de planos de gestão de resíduos sólidos. Trata-se da aplicação prática do moderno e auspicioso princípio do protetor-recebedor, expressamente invocado na lei (art. 6º, II) de maneira extremamente avançada, mas que, em um momento de crise econômica como o que vivemos, dificilmente será posto em prática. De fato, os chamados pagamentos por serviços ambientais (PSAs) são uma alternativa extremamente válida em relação aos históricos mecanismos de comando e controle impostos pela legislação brasileira. Não obstante, para que seja possível a isenção de impostos para a produção sustentável (um exemplo típico de PSA), é necessário que as contas públicas estejam equilibradas – algo que, infelizmente, não ocorre no Brasil de hoje.
O MMA fala em identificar fontes de acesso a recursos para a gestão dos resíduos descartados. Da mesma forma do que se dá em relação à isenção tributária referida no tópico anterior, não há clima favorável para a criação de novo imposto destinado a esta finalidade no atual momento econômico do país. Logo, a solução para a substituição dos lixões por aterros sanitários parece estar novamente na necessidade de intervenção do Poder Judiciário para impor aos municípios o cumprimento das obrigações previstas em lei e na Constituição da República. Lamentavelmente, conquanto esta prática represente inequívoca ofensa ao princípio da separação de Poderes do Estado (CF/88, art. 2º), o fato é que, no Brasil, apenas assim é que se consegue obrigar o mau gestor a direcionar recursos para o que é prioritário e não para o que é supérfluo (publicidade etc.) ou rechaçável (corrupção).
Uma questão que continua adormecida no Brasil é a educação ambiental, prevista na Constituição (art. 225, §1º, VI) e regulamentada em lei federal (Lei n. 9.795/99), para ser desenvolvida em todos os níveis de ensino. Trata-se de ferramenta que, se bem aplicada, pode contribuir em muito para a melhor implementação da PNRS.
É bem provável que, se todos esses aspectos forem trabalhados de forma correta, reduzirão os custos pela gestão dos resíduos, especialmente no que se refere a passivos ambientais já existentes. Além do mais, se as iniciativas forem bem aplicadas, poderão trazer consideráveis retornos financeiros, tendo em vista que a reutilização e o reaproveitamento de materiais na produção podem representar uma considerável economia ao setor produtivo se houver, de fato, uma administração correta dos ciclos produtivos.
Há que se atentar, por fim, para o fato de que 2018 é ano eleitoral e isso pode interferir negativamente na revisão proposta pelo MMA. De fato, sempre se corre o risco de novos adiamentos, como aqueles realizados no passado com vistas a atender a interesses menos nobres. A sociedade deve estar atenta a isso, assim como o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Marcelo Buzaglo Dantas é advogado, professor e autor de livros como Direito Ambiental de Conflitos, Direito Ambiental na Atualidade, Ação Civil Público e Meio Ambiente e Código Florestal Anotado. E-mail: marcelo@buzaglodantas.adv.br
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