Há muito se tem discutido acerca da distribuição do ônus da prova nas ações coletivas de índole ambiental, indagando-se se tal atribuição fica a cargo de quem alega ou de quem se defende.
A antiga regra processual previa que ao autor caberia provar suas alegações, ou, os fatos “constitutivos de seu direito”, ao passo que ao réu restaria a comprovação da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito, cabendo a inversão dessas atribuições em casos específicos, previamente prescritos em lei.
Nos últimos anos, consolidou-se o entendimento nos Tribunais pátrios, inclusive nos Superiores, no sentido de que o ente legitimado (na maioria das vezes o Ministério Público), ao atuar na via judicial em defesa da sociedade e do meio ambiente, se desincumbiria, quase que “automaticamente”, da atribuição de comprovar que o particular, de fato, provocou danos ao meio ambiente, cabendo a esse último demonstrar que não o fez – prova muitas vezes complicada e bastante dispendiosa.
Amparando-se no princípio da precaução – cujo objetivo é a minimização de riscos – julgados de todo o país, vinham e vêm reiteradamente replicando o entendimento de que, aquele que “exerce atividade” possivelmente nociva ao meio ambiente, tem a atribuição de demonstrar em juízo a “segurança” de seu agir, ou seja, quando processado, precisa provar que “está certo”, bastando que o autor (por vezes, o Ministério Público) alegue suposta irregularidade, ainda que não minimamente comprovada.
Esse entender inquisitivo e desproporcional vem sendo, como dito, sistematicamente aplicado nos Tribunais, à luz de interpretação analógica de artigos constantes do Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, mais especificamente).
Abstraído o fato de que ações coletivas de índole ambiental em nada se assemelham às relações consumeristas – que são relações jurídicas travadas eminentemente entre fornecedor e consumidor –, a verdade é que, muito embora a proteção que há se dar aos direitos difusos (sobretudo os que envolvem conflitos com o meio-ambiente), não parece coerente (sobretudo sob o prisma processual) atrelar-se a prova, de maneira estanque e desenfreada, tão somente ao particular.
Isso porque, além de inexistir legislação que assim o preveja, não se vislumbra desequilíbrio (seja financeiro, seja técnico, seja jurídico) entre os integrantes de demandas coletivas, apto a ensejar a automática inversão do ônus de comprovar a efetivação (ou não) de um dano ambiental.
Isso quer dizer: autor e réu, não raro, litigam isonomicamente nesses casos, ambos com arcabouço financeiro, jurídico e técnico a seu dispor.
A novel legislação processual civil – mantendo a concepção de que ao autor cabe provar os fatos constitutivos de seu direito, e ao réu os impeditivos, modificativos ou extintivos desse – trouxe novo comando, que parece solucionar a controvérsia ora apontada.
Diz a nova regra que, a depender da “peculiaridade da causa” (essa relacionada à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo probatório ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário), poderá o julgador “(…) atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
Ou seja, caberá ao Magistrado, em casos não previstos em lei (como é o caso das demandas ambientais coletivas), inverter o ônus probatório, desde que mediante decisão fundamentada, devendo esse fundamento estar relacionado à dificuldade/facilidade de uma ou outra parte na produção de determinada prova (não simplesmente por ser questão ambiental ou o autor ser o Ministério Público).
A partir dessa nova concepção, parece que a inversão do ônus probatório nas demandas coletivas, não mais deverá se dar “automaticamente”, como vinha sistematicamente sendo feito, mas, mediante decisão que aponte a efetiva disparidade entre os litigantes.
Vale lembrar que o novo Código trouxe, novamente, a regra quanto ao ônus de financiar a prova (perícia), que não é daquele a quem incumbe provar, mas daquele que a requereu. Quando ambas as partes tiverem requisitado a perícia, ou esta for determinada de ofício pelo Magistrado, as despesas deverão ser rateadas.
Tudo isso, independentemente de quem está com o ônus de provar em suas mãos.
Ainda que a prática revele que a inversão do ônus da prova pressuponha a inversão do ônus de pagar pela prova, tal postura se encontra absolutamente equivocada. Paga pela prova quem a requereu. Ou, no caso do Ministério Público, o Estado ou a União conforme o caso, consoante entendimento pacificado no STJ (EREsp 981.949/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 15/08/2011).
Com isso, torcemos para que se desmistifique entendimento de que, aquele a quem incumbe provar, deva pagar pela perícia. A regra é clara e objetiva: o ônus probatório não se confunde nem nunca se confundiu com ônus financeiro.
Esperamos que assim passe a se dar na prática.
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