Há algum tempo convivemos com a controvérsia a respeito da aplicabilidade generalizada das normas ambientais nas áreas situadas nos centros urbanos. Essa problemática, que se estende desde o advento do Código Ambiental de 1965, foi recentemente sentida no tortuoso processo de aprovação do Novo Código Florestal (Lei n. 12651/2012), que, caso não tivesse sido alvo de diversos vetos presidenciais, poderia ter previsto medidas diferenciadas para as zonas urbanas e rurais.
Essa aplicação discriminada, ainda que vetada, possivelmente teria sido uma solução interessante para os problemas atualmente sentidos, uma vez que, passados três anos da sua publicação, cada vez mais percebemos que a almejada aplicabilidade equânime da norma vigente não conseguiu refletir na prática as peculiaridades presentes nos distintos zoneamentos. E, por certo, são nas zonas urbanas que os problemas advindos dessa ampla abrangência são mais sentidos.
Isto porque aqueles que buscam empreender nas zonas urbanas podem encontrar diversos percalços no seu caminho, ainda que os municípios expressamente determinem que o desenvolvimento das áreas visadas seja essencial àquela localidade. Isto ocorre, pois diversas normas ambientais preveem restrições gerais que, por vezes, não levam em consideração as particularidades inerentes a determinadas regiões do País.
Assim, não são raras as ocasiões que nos deparamos com pedidos de demolição e recuperação das faixas marginais de elementos hídricos que atravessam regiões centrais de grandes metrópoles brasileiras, ainda que suas margens há anos já se encontrem ocupadas por residências, prédios ou avenidas. Por vezes, esses elementos já se encontram totalmente canalizados e suas margens sequer apresentam suas funções ecológicas originais.
Essas restrições não se circunscrevem às previsões do Código Florestal, pois os empreendedores ainda podem se deparar com diversas condicionantes estabelecidas pela legislação ambiental.
A Lei da Mata Atlântica, muito embora preveja limites diferenciados para as áreas rurais e urbanas, estabelece padrões meramente formais de caracterização das zonas urbanas, não levando em consideração aspectos fáticos usualmente mencionados em outras leis que apresentam conceitos baseados em critérios mensuráveis e objetivos. Além disso, a referida lei pode obstar por completo a supressão de vegetação, ainda que em zonas urbanas, caso sejam identificadas no local espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção, sequer prevendo a possibilidade de adoção de medidas compensatórias e mitigadoras com vistas a assegurar a conservação da espécie.
Nesse mesmo sentido, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, instituído pela chamada Lei do SNUC (Lei n. 9.985/2000), também prevê situações que podem obstar o licenciamento de empreendimentos que pretendam se instalar no entorno das Unidades de Conservação ou das suas Zonas de Amortecimento.
Isto porque o licenciamento de empreendimentos que possam afetar essas áreas, e que sejam licenciados por EIA/RIMA, fica atrelado à autorização do órgão responsável pela administração da unidade eventualmente afetada, mesmo que a área já esteja completamente antropizada. Essa condicionante pode se apresentar ainda mais absurda, pois não é incomum que as zonas de amortecimento das UC’s se estendam por até 10 km, mesmo naquelas que se encontrem nos arredores das zonas urbanas já consolidadas.
Os empreendedores, porém, não estão completamente desamparados, uma vez que o Poder Judiciário (seja o Estadual ou Federal), por vezes decide seguir em sentido oposto ao do que decorre do texto legal, adaptando a aplicação normativa às peculiaridades dos casos concretos. Ressalte-se, porém, que devido à especificidade da matéria, os casos concretos podem e devem ser levados à apreciação do Judiciário, uma vez que a correta transposição da esparsa legislação ambiental vigente à realidade fática das áreas urbanas requer um trabalho interpretativo minucioso.
Contudo, ainda que a busca pelo Poder Judiciário seja a solução mais eficaz em casos pontuais, a sua aplicação generalizada não parece ser a solução permanente ideal, pois os interessados podem ficar à mercê da interpretação e da ideologia aplicada por cada juízo, gerando insegurança jurídica para aqueles que se veem nas mais diversas situações que envolvem a incidência das normas ambientais nas cidades.
Assim, entendemos que a adequação pontual de algumas normas ambientais vigentes, que se apresentam hoje como os maiores pontos de “engarrafamento” nas zonas urbanas, possa ser a solução mais apropriada para os principais problemas da incidência das normas ambientais que são frequentemente enfrentados nas zonas urbanas.
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