Muito se tem comentado, nas últimas semanas, acerca do Decreto 8.437/2015, que estabeleceu as tipologias de empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será de competência da União, regulamentando o art. 7º, XIV, “h”, e Parágrafo Único da LC 140/11.
Além das imprecisões constantes na norma, no tocante aos empreendimentos listados, sobretudo em relação ao critério da “abrangência do impacto” – que vai contra a LC 140/11, que estabelece a localização do empreendimento como critério de definição do órgão competente –, conforme já referenciado em publicação anterior, tem-se que o Decreto foi também inespecífico quanto a alguns fatores definidores da competência.
É que, segundo a dicção do art. 4º da norma referida, os processos de licenciamento e autorização ambiental “iniciados em data anterior à publicação deste Decreto terão sua tramitação mantida perante os órgãos originários até o término da vigência da licença de operação, cuja renovação caberá ao ente federativo competente, nos termos deste Decreto.”, ou seja, a redação, salvo equívoco, dá ensejo a dupla interpretação: poder-se-ia concluir que os empreendimentos que já iniciaram seu “processo de licenciamento”, mas ainda não obtiveram a Licença Ambiental de Operação, passariam, imediatamente, a ser de competência do órgão ambiental federal, ou, ao contrário, permaneceriam no órgão originário até a obtenção da “LAO”, momento em que a competência passaria a ser da União – no caso, no que se refere às futuras “renovações”.
Num primeiro momento, parece-nos que a competência para os “processos” já iniciados – e aqui tomamos por base que o “processo” abarca todas as licenças a serem concedidas, a Licença Ambiental Prévia, de Instalação, ou, enfim – se mantêm na esfera originária (Estadual ou Municipal), até a emissão da Licença Ambiental de Operação, cujas renovações, daí sim, passarão a ser de competência da União, ou, mais especificamente, do órgão ambiental federal – IBAMA. Tal entender parece ser o sensato, sobretudo para que os órgãos ambientais federais não se vejam, “da noite para o dia”, abarrotados de licenças a processar.
Ocorre que, aprofundados os estudos acerca do tema, temos que tal não é de tão simples intelecção: a interpretação aqui pode ir além, de modo a se coadunar com as regras de direito intertemporal do processo civil brasileiro.
Segundo a regra referida, os “atos processuais” podem ser destacados e considerados de maneira isolada, de modo que a lei nova, estando o processo em curso, respeita a eficácia dos atos já realizados e disciplina o processo a partir de sua vigência.
É a chamada teoria do “isolamento dos atos e situações processuais”.
Trazendo-se tal conceito para o caso em estudo, temos que os atos integrantes do processo de licenciamento ambiental podem/devem ser isolados, para que, então, apliquemos a lei nova àqueles futuros ou já iniciados.
Nesses termos, parecer-nos-ia que a interpretação – com base nessa regra, que por analogia se aplica ao processo administrativo – pode ser, também, no seguinte sentido: os empreendimentos que já iniciaram os processos de licenciamento em ente federativo estadual ou municipal, e não chegaram à fase da Licença Ambiental de Operação, deverão ser remetidos ao ente federal competente (IBAMA), caso se encaixem no rol do art. 3º deste mesmo Decreto. Serão mantidas no órgão originário, porém, apenas aqueles empreendimentos cujo procedimento esteja já na fase de obtenção da “LAO” – período de cumprimento de condicionantes, por exemplo.
Ou seja, segundo esse regramento, para que os procedimentos licenciatórios se mantenham no órgão originário, devem rigorosamente estar em fase de “LAO”, caso contrário, serão remetidos ao órgão ambiental federal.
Adiantamos, no entanto, que a nosso ver, a manutenção da competência nos órgãos originários, até a renovação da Licença Ambiental de Operação, parece ser solução que mais se aproxima da razoabilidade, sobretudo pela mudança abrupta de competência que o art. 4ª do Decreto 8.437/2015 traz na prática.
Não é demais lembrarmos, ainda no tema “competência”, a impossibilidade desta, a princípio, ser estabelecida via Decreto, pois o art. 23 da CF/88 é claro: “leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” (grifamos).
Críticas à parte, o tema é recentíssimo e, é claro, objeto ainda de ampla discussão. O importante é ficarmos atentos ao que ocorrerá na prática, pois, a depender a intelecção sedimentada acerca disso, a agilidade na tramitação dos processos de licenciamento/autorização, muito provavelmente, restará prejudicada.
Por: Fernanda Crippa
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