O cenário do licenciamento ambiental no Brasil tem sido, há tempos, marcado por uma paradoxal insegurança jurídica para o detentor da licença. Em vez de um documento que consolide a legalidade de um empreendimento, a licença ambiental muitas vezes se torna um convite à judicialização, um reflexo da falta de clareza na legislação aplicável a cada caso.

Com base na expectativa de que uma legislação mais clara e padronizada pudesse pacificar os conflitos e acelerar o desenvolvimento sustentável surgiu o projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental

No entanto, o longo percurso legislativo, marcado por intensas modificações durante o processo de aprovação bicameral, resultou em um texto que hoje é alvo de severas controvérsias. A versão atual do projeto tem gerado intensa polêmica entre diversos setores da sociedade. A principal fonte das críticas reside na percepção generalizada de que sua eventual promulgação poderia significar uma flexibilização substancial nos critérios de licenciamento, especialmente para empreendimentos com potencial significativo de impacto ou poluição.

Em razão dessa percepção, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, vetou 63 dos 400 dispositivos do projeto aprovado no Parlamento. Contudo, ao retornar ao Congresso, 52 desses vetos foram derrubados. Em que se destaca o seguinte:

Dispensa do Licenciamento Ambiental: A Lei prevê a liberação da necessidade de licenciamento para diversas atividades, incluindo:

  • Atividades fora de uma lista específica a ser elaborada pelos entes federativos.
  • Manutenção e melhorias de infraestruturas já existentes, como rodovias, instalações de energia elétrica, gasodutos e similares.
  • Atividades rurais que ocorram em imóveis com registro no Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente de homologação.
  • Obras de saneamento básico até o atingimento das metas de universalização, conforme previsto na Lei nº 14.026/2020.

Simplificação do Licenciamento Ambiental: Terão o processo de licenciamento simplificado os casos de:

  • Empreendimentos de segurança energética estratégica para o país.
  • Projetos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
  • Obras de ampliação de capacidade e pavimentação de infraestruturas já existentes em rodovias, instalações de energia elétrica, gasodutos e similares.
  • Atividades simultaneamente de pequeno ou médio porte e de baixo ou médio potencial poluidor, nas quais poderá ser aplicada a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). A LAC prevê um compromisso do interessado em obedecer a requisitos preestabelecidos pela autoridade licenciadora e na própria lei.
  • Atividades que hoje se encontram em situação irregular, que poderão ser regularizadas por meio de uma Licença de Operação Corretiva (LOC), com a fixação de restrições ambientais (condicionantes).

Além disso, a Lei prevê uma menor exigência na aplicação de restrições ambientais ao empreendedor (condicionantes), que deverão ser proporcionais à magnitude dos impactos ambientais do empreendimento e ter fundamentação técnica que aponte seu nexo causal com esses impactos.

Maior Autonomia para os Entes Federativos: Os trechos aprovados no Congresso Nacional conferem maior autonomia aos estados e municípios em relação às diretrizes ambientais da União. Eles poderão definir, por exemplo:

  • O conceito de porte da atividade ou do empreendimento.
  • O conceito de potencial poluidor.
  • Tipologias de atividades sujeitas a licenciamento, resultantes da relação entre a natureza da atividade, seu porte e potencial poluidor.
  • Quais atividades poderiam ter licenciamento simplificado por meio da LAC.
  • Os órgãos de fiscalização ambiental dos entes federativos deverão comunicar o órgão licenciador nacional em situações de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, e essa comunicação extinguirá as medidas de proteção adotadas pelo órgão estadual ou municipal.
  • Retira-se a anuência prévia obrigatória que órgãos ambientais federais e municipais dão atualmente para permitir a supressão de vegetação primária e secundária na Mata Atlântica autorizada pelos estados.

Não obstante, as decisões da autoridade licenciadora adquiriram mais força perante os órgãos meramente envolvidos no licenciamento. As decisões da FUNAI, da Fundação Palmares e dos órgãos gestores de unidades de conservação da natureza (como o ICMBio) tornam-se opinativas. Além disso, o atraso desses órgãos em dar suas decisões não impedirá o avanço do processo de licenciamento ambiental.

O cenário percebido após a derrubada dos vetos é de manutenção daquilo que a lei originalmente se propôs, conceder mais segurança jurídica ao licenciamento ambiental. Como se percebe na tentativa de buscar diminuir as discussões entre os próprios órgãos envolvidos no licenciamento, ao conceder poder para a autoridade licenciadora, que não está mais condicionada ao parecer de outros órgãos consultivos.

Nessa mesma toada, a possibilidade de regularização de atividades através da Licença de Operação Corretiva concede um benefício àqueles que, munidos de boa-fé, buscam a regularização ambiental perante os órgãos ambientais, incentivando o diálogo e a transparência entre os particulares e o poder público, evitando também a judicialização em massa.

Por fim, a possibilidade de os Estados e municípios legislarem dentro de sua competência garante que cada ente federativo atue dentro de sua realidade, levando em consideração as peculiaridades sociais e econômicas de cada Estado.

O projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em sua versão promulgada, representa uma aposta significativa na simplificação e na desburocratização. Contudo, evidentemente, a efetividade da norma promulgada dependerá do interesse mútuo do setor público e privado de aplicar a lei com o objetivo comum de pacificar o licenciamento e conferir segurança jurídica aos empreendimentos no Brasil.

Por: Luna Rocha Dantas