Há em trâmite na 9ª Vara Federal de Porto Alegre/RS a Ação Civil Pública n. 5050920-75.2023.4.04.7100/RS, ajuizada pelo Ministério Público Federal visando contestar a licença de operação da Usina Termelétrica Candiota (UTE) III e da Mina de Carvão Mineral Candiota.
O cerne da argumentação reside na urgência da crise climática global e na obrigatoriedade do cumprimento de dispositivos legais como a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e as obrigações estipuladas pelo Acordo de Paris, este último ratificado no Brasil pelo Decreto n. 9.073/2017.
Além das empresas, também figuram no polo passivo da ação coletiva o Estado do Rio Grande do Sul, a FEPAM, o IBAMA, a ANEEL e a União, sob o argumento de que houve inação por parte dessas entidades em relação às normativas que deveriam guiar o processo de transição energética no país, em especial no âmbito do licenciamento ambiental dos referidos empreendimentos.
Recentemente foi proferida sentença no processo em questão que, entre outras deliberações, determinou a suspensão das licenças de operação da Usina e da Mina. Adicionalmente, exigiu a inserção de condicionantes ambientais mais rigorosas nessas licenças, as quais deverão ser acompanhadas e fiscalizadas pelo IBAMA e pela FEPAM, com o propósito de mitigar os impactos climáticos.
Em face da referida decisão foi interposto recurso de apelação, bem como, concomitantemente, pedido de efeito suspensivo ao recurso, visando cessar de imediato a ordem de suspensão das licenças durante o tramite recursal.
E no contexto desse pedido de efeito suspensivo que, no último dia 3 de setembro, o Desembargador Federal Marcos Roberto Araujo dos Santos, integrante da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, deferiu a medida liminar solicitada para determinar a suspensão dos efeitos da sentença, permitindo a imediata retomada das operações dos empreendimentos.
De acordo com o Relator, a compreensão da complexidade desta situação exige a ponderação de múltiplos elementos cruciais, que impactam a tomada de decisão: (i) o prejuízo de R$ 2 milhões por dia no faturamento da empresa; (ii) o impacto no abastecimento de energia da população; (iii) a manutenção dos cerca de 1.500 empregos diretos no Município de Candiota; e (iv) o pagamento de dezenas de milhões em impostos por mês.
Assim, na perspectiva do Desembargador, a avaliação ponderada desses aspectos, sob o prisma da razoabilidade e da cautela, demonstrou que a suspensão das licenças acarretaria prejuízos de séria magnitude e impacto imediato tanto para a empresa quanto para a coletividade.
Sobre esse aspecto, e este evidencia-se o ponto mais relevante da decisão em foco, o Desembargador compreendeu que o pleito de suspensão das licenças se assemelha a ações que visam à concretização de políticas públicas protetivas de direitos fundamentais, especificamente o meio ambiente e a saúde, conforme previsto nos artigos 6º, 196, 198 e 225 da Constituição Federal de 1988. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem atualmente adotado uma postura de autocontenção do Poder Judiciário em tais matérias, intervindo de forma excepcional e supletiva somente quando o Estado ou seus agentes públicos demonstram omissão grave ou inescusável no cumprimento de suas responsabilidades na implementação desses direitos.
Assim, em respeito ao princípio da separação dos poderes, é inevitável a conclusão de que o Poder Judiciário, antes de intervir em determinada situação, principalmente aquelas relacionadas ao licenciamento ambiental, deve prestigiar a atuação do Poder Executivo, que possui corpo técnico qualificado para adotar a melhor solução ao caso concreto, sendo o garantidor do bom funcionamento do Estado, da gestão dos recursos públicos e do planejamento das ações governamentais.
Isso, certamente, não implica na impossibilidade de intervenção judicial em licenciamentos ambientais, especialmente quando evidenciadas sérias falhas no processo administrativo. No entanto, é crucial que, antes de determinar uma suspensão abrupta de atividades, haja cautela e que se analisem os potenciais prejuízos individuais e coletivos decorrentes dessa medida.
A conclusão do Relator corrobora precisamente esse entendimento, como se observa da decisão:
Ainda, só se viabilizaria a interferência judiciária na hipótese das denominadas “escolhas trágicas” dos administradores públicos (A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” – A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADA EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUÍZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDENCIAL DO DIREITO (RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 745.745 – Relator, Min. Celso de Mello). Assim, impende ressaltar que não se constatam no contexto da presente causa as alegadas “escolhas trágicas”, pois não identifico que o Estado priorize um direito sobre o outro, porquanto o Estado agiu em consonância com as regras legais, sem priorizar alguém em oposição a outrem, haja vista que a atuação estatal ocorreu de maneira impessoal e eficiente, conforme preconizado pelo art. 37, caput, da CF/88.
No caso dos autos, a análise alcançou o entendimento de que “não cabe ao Poder Judiciário imiscuir-se no mérito administrativo (no caso, [i]regularidade da Licença de Operação da UTE Candiota III), ressalvando-se o agir do agente público na hipótese de ilegalidade qualificada, desproporcionalidade, abuso de poder ou teratologia.
Ao que se pode concluir, a decisão em apreço, pautada pela indispensável razoabilidade e proporcionalidade que devem nortear as decisões judiciais, evitou a implementação de políticas públicas por via do Poder Judiciário que, por sua vez, conforme expresso na decisão, possui o dever de abster-se de imposições inflexíveis, sob o risco de invadir a independência e harmonia dos poderes, conforme preceitua o artigo 2º da Constituição Federal de 1988.
Ademais, a decisão em questão evidencia não apenas razoabilidade, mas, acima de tudo, proporciona um efeito prático de segurança jurídica indispensável para o empreendedorismo nacional. Tal segurança tem sido, ao longo dos últimos anos, um elemento minado do empreendedor que, mesmo detendo as devidas autorizações ambientais, frequentemente suporta prejuízos irreparáveis decorrentes da ausência de previsibilidade e da fragilidade da confiança nos atos administrativos.
Conquanto proferida em caráter liminar e sujeita a posterior julgamento colegiado e definitivo pela 4ª Turma do TRF4, a referida decisão representa, a princípio, um notável avanço judicial no caminho da segurança jurídica. Esse avanço é particularmente relevante no âmbito do licenciamento ambiental e se alinha de modo especial aos objetivos da recentemente promulgada Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei n. 15.190/2025).
Para acesso à decisão, clique no link a seguir: https://consulta.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_resultado_pesquisa&selForma=NU&txtValor=50277324220254040000&selOrigem=TRF&chkMostrarBaixados=1
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