A recente ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) solicitando que a justiça suspenda as licenças ambientais que foram concedidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) para a Usina Hidrelétrica (UHE) de Itapebi, localizada no extremo sul da Bahia, levanta questões complexas sobre a aplicação das normas ambientais e dos direitos indígenas no Brasil, de modo que a medida merece uma análise aprofundada para avaliar a sua legalidade.

A UHE Itapebi foi construída no ano de 1999 e está localizada no Rio Jequitinhonha, no município de Itapebi/BA. A licença ambiental de operação (LAO) da usina foi concedida pelo IBAMA em 2002 e a sua operação iniciou em 2003, com sucessivas renovações das licenças nos anos de 2013 e 2019, sendo que a atual possui vigência até 2029.

No entanto, segundo argumenta o MPF, o processo de licenciamento da UHE falhou em considerar adequadamente os direitos dos povos indígenas Tupinambá de Belmonte e Encanto da Patioba, eis que, após a instauração de procedimento investigatório, os representantes da Comunidade Indígena Tupinambá apontaram que a construção da UHE teria ocasionado: (i) diminuição de produção agrícola em razão da perda de fertilidade do solo nas margens do rio; (ii) dificuldade de navegação em canoas devido ao baixo nível da água; (iii) assoreamento das margens do rio; e (iv) o comprometimento do seu modo de vida tradicional ocasionado por impactos nas atividades de pesca, plantações e travessia do rio, incluindo o aumento no risco de afogamentos.

Muito embora os impactos percebidos pela comunidade indígena sejam de grande relevância, eventual decisão que suspenda as licenças de forma imediata pode ser vista como uma medida extrema, que se sobreporia a todos os avanços e compromissos já estabelecidos há mais de duas décadas pela empresa responsável pela operação da UHE em relação ao cumprimento das normas ambientais.

Do ponto de vista jurídico, a suspensão de licenças ambientais de empreendimentos de tamanha magnitude e importância pública, sem uma análise detalhada e transparente dos impactos socioeconômicos decorrentes de uma eventual decisão suspensiva, pode criar um precedente perigoso para a região e para o país.

A medida requerida pelo MPF, embora bem-intencionada, pode não ter levado em consideração as significativas implicações econômicas que serão causadas não apenas ao empreendedor, mas para toda a coletividade, o que pode, inclusive, impactar negativamente outros projetos essenciais para o desenvolvimento regional.

Projetos de infraestrutura, como usinas hidrelétricas, são cruciais para o desenvolvimento econômico e para a segurança energética nacional, de modo que a sua interrupção repentina pode resultar em perdas econômicas substanciais ao próprio erário público e afetar negativamente o fornecimento de energia, prejudicando tanto a economia local quanto nacional.

Não se olvida que empresas envolvidas em projetos de grande impacto ambiental têm a responsabilidade de adotar práticas sustentáveis principalmente no que diz respeito aos costumes das comunidades tradicionais. No entanto, é crucial que sejam reconhecidos os esforços das empresas em cumprir com as exigências legais e promover o desenvolvimento sustentável. Medidas punitivas devem ser balanceadas com incentivos para a melhoria contínua e a inovação em práticas ambientais.

A situação em tela ressalta aos olhos os desafios regulatórios enfrentados pelas empresas no Brasil. É inegável que o deferimento de tal pedido representa o cenário de insegurança jurídica em que o país atualmente se encontra, desencorajando investimentos públicos e privados, nacionais ou externos, no setor produtivo local e nacional, afetando diretamente a competitividade do país no cenário global.

Por essa razão, é essencial que haja um diálogo aberto entre o setor público e privado para criar um ambiente regulatório mais previsível e justo. E de igual maneira, ao se identificar entraves socioambientais não previstos inicialmente no processo de licenciamento, outras medidas podem e devem ser adotadas, mas não aquelas extremas, como a suspensão indiscriminada de licenças ambientais concedidas e renovadas ao longo de décadas, medida que se revela não apenas desproporcional, mas potencialmente contraproducente.

O caso da UHE Itapebi certamente influenciará diretamente futuras decisões judiciais envolvendo o setor de produção de energia hidrelétrica, deixando o recado de que as empresas do setor não apenas devem se alinhar estritamente às obrigações legais, mas também antecipar e às crescentes expectativas socioambientais.

Tal cenário demanda uma abordagem holística à conformidade regulatória, integrando práticas de sustentabilidade robustas, engajamento comunitário efetivo e transparência operacional como elementos fundamentais da estratégia corporativa. As empresas que conseguirem navegar habilmente por este ambiente regulatório em evolução, equilibrando interesses econômicos, ambientais e sociais, estarão melhor posicionadas para mitigar riscos legais, fortalecer sua licença social para operar e assegurar a viabilidade de longo prazo de seus empreendimentos no setor energético brasileiro.

A consulta à Ação Civil Pública n. 1004055-33.2024.4.01.3310 pode ser realizada através do link: https://pje1g.trf1.jus.br/consultapublica/ConsultaPublica/listView.seam.

Por: Otávio Augusto do Espírito Santo Neto