A constitucionalidade da prática de queima da palha de cana-de-açúcar no Município de Paulínia/SP (proibida segundo a Lei Municipal n. 1.952/95) foi alvo de Recurso Extraordinário (586224), em que se debateu controvérsia existente entre a Constituição Paulista, que a autoriza, se realizada dentro de padrões de controle ambiental, e a lei municipal, que a proíbe em qualquer circunstância.
O Ministro Luiz Fux, relator do caso, votou pelo provimento do recurso, para declarar a inconstitucionalidade da lei, pois, para ele, tal proibição, além de previamente planejada, deveria se dar de forma paulatina, dados os possíveis reflexos sociais, econômicos e ambientais: necessidade de recolocação dos trabalhadores canavieiros, “mecanização” da colheita, igualmente impactante ao meio ambiente, etc.
Em seu voto, destacou o regramento do Código Florestal quanto à extinção das práticas do uso do fogo como método para o corte de cana, a se dar de modo gradativo, mediante estabelecimento de uma política nacional para essa forma de colheita (art. 40 da referida lei).
Além disso, entendeu o Ministro – acertadamente, diga-se de passagem –, que as normas federais (a exemplo do Código Florestal) e a Constituição Estadual já haviam exaurido o tema, de modo que não haveria competência residual do Município para disso tratar.
O voto foi acompanhado pela maioria dos Ministros presentes, ficando vencida a Ministra Rosa Weber. O acórdão aguarda publicação.
Ao que nos interessa, em verdade, são os reflexos jurídicos desta decisão, sobretudo em demandas que envolvam discussão acerca da competência concorrente dos entes federativos para editar normas, em matéria ambiental.
O tema, apesar de bem delineado na Constituição Federal de 1988, ainda é alvo de constantes debates, e, não raro, passa ao largo da questão de relevo – competência; traz à tona discussões outras, e é aplicado de modo desproporcionado.
De fato, o Município tem competência para legislar sobre meio ambiente, juntamente com a União e os Estados. Tal competência, no entanto, há de ser exercida no limite do seu interesse predominantemente local, desde que em harmonia à disciplina geral pré-estabelecida pelos demais entes federados, ou ainda, de forma plena, caso a lei federal e/ou estadual seja omissa.
Não era o caso.
Além de a Constituição estadual já haver legislado sobre a possibilidade de queima da palha de cana-de-açúcar, o Município também o fez, não de modo a suplementar o regramento estadual, mas a confrontá-lo; previu, justamente, conduta contrária a previamente estabelecida.
É claro que a aplicação de uma mesma norma ambiental pode, vez ou outra, ocorrer de forma diferenciada, a depender das peculiaridades/necessidades de cada região (fato que reforça o porquê da competência ser concorrente em casos que tais), mas nunca contrariar por completo regramento anterior, sobretudo se hierarquicamente superior.
E por falar em hierarquia, sob o prisma da competência para editar normas, andou muitíssimo bem o Ministro relator, ao assim priorizar; é o que diz a Lei Maior.
A decisão segue o mesmo caminho historicamente seguido pelo Supremo Tribunal Federal: norma municipal e/ou estadual não pode ser contrária aos ditames da legislação federal.
Novamente, portanto, o órgão maior do Poder Judiciário dá mostras de que não corrobora com o posicionamento que se criou na doutrina ambientalista de que poderiam ser editadas normas mais restritivas ainda que em descompasso com a legislação federal. A realidade é outra: vale o que diz a Carta Magna.
Por: Fernanda Crippa
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