Uma norma preparada pelo Banco Central (BC) para definir a responsabilidade socioambiental das instituições financeiras preocupa os grandes bancos brasileiros, para quem a medida pode restringir o acesso ao crédito.
Ainda sem data para ser publicada, a regulamentação proposta pelo BC determina que os desembolsos de crédito, financiamentos e até a prestação de serviços só sejam feitos pelos bancos depois que eles constatarem a “regularidade ambiental” dos clientes.
Esse é justamente o ponto central da controvérsia. Em conversas reservadas, fontes dos bancos alegam que o conceito de clientes é demasiadamente abrangente – vai de empresas a pessoas físicas. As instituições defendem que, no lugar de clientes, a exigência seja válida para operações específicas.
No esforço de convencer o BC a fazer ajustes no texto, os bancos têm mantido conversas constantes com o regulador. Nos encontros, manifestam preocupação em relação ao impacto que a regra pode trazer para a oferta de crédito.
O argumento da banca é que as instituições financeiras não têm poder de fiscalização e, dessa forma, seria inviável atestar se um determinado cliente está em conformidade com todas as normas, não apenas com aquelas relacionadas à operação. No limite, afirmam, até o pequeno poupador deveria ser observado.
“A atual redação aumenta o risco de a instituição financeira ser responsabilizada pela reparação de eventual dano ambiental, sob o argumento de que não foi suficientemente diligente no processo de análise de riscos”, afirmava a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em contribuição enviada em 2012 à consulta pública feita pelo BC para discutir o assunto. “A fiscalização é um dever do Estado, que detém o poder de polícia.”
Para a Febraban, a exigência “propiciará o encarecimento do crédito e, eventualmente, a retração na sua oferta”. A entidade defendeu que esse item fosse excluído da norma ou que tivesse a redação alterada para deixar claro até onde vai a obrigação dos bancos.
Segundo fonte que participou da discussão, o objetivo do BC ao adotar o conceito de clientes é evitar que os bancos neguem financiamento a uma operação considerada incorreta do ponto de vista ambiental, mas concedam recursos à empresa responsável pelo projeto. Ou que concedam recursos a uma obra “verde” patrocinada por uma companhia com problema ambiental em outra área.
Outro tipo de abrangência da norma que o BC apresentou aos bancos também recebeu críticas. Para eles, pelo menos em uma fase inicial, as regras socioambientais deveriam ser válidas apenas para operações de crédito com desembolso, com a exclusão do termo “produtos e serviços bancários”.
A Febraban diz, em documento da consulta pública, que isso levaria as instituições a fazer a análise socioambiental na venda de produtos como processamento de folhas de pagamento e Certificados de Depósito Bancário.
Procurado, o BC não se pronunciou sobre o assunto. Os bancos também não quiseram dar entrevistas.
Apesar de isoladamente as instituições continuarem demonstrando preocupação com o tema, a Febraban adota um discurso mais ameno agora do que aquele manifestado à época da audiência pública. “O crédito cresce no Brasil há mais de uma década. Não é uma norma que vai alterar essa tendência”, diz Murilo Portugal, presidente da Febraban. A expectativa da entidade é que a versão final da regulação traga algumas das mudanças sugeridas pelos bancos.
Uma minuta da regulamentação foi colocada em consulta pública pela autoridade monetária em junho de 2012. Pelo documento, os bancos terão de adotar uma política de responsabilidade socioambiental, aprovada pela diretoria e pelo conselho de administração, e se integrar às suas políticas de crédito e gestão de risco. Também terão de designar um diretor responsável por monitorar o cumprimento das regras.
Nessa política, os bancos terão de estabelecer diretrizes que tenham em vista o impacto socioambiental de produtos e serviços financeiros, o risco e as oportunidades em relação a mudanças climáticas e à biodiversidade e o gerenciamento do risco socioambiental. Hoje, nem todos os bancos têm regras vinculando riscos socioambientais aos de crédito.
O texto também afirma que o gerenciamento do risco socioambiental deve levar em consideração sistemas e processos que ajudem a identificar e mitigar potenciais problemas. Áreas de maior impacto ambiental, como mineração e petróleo, devem contar com parâmetros específicos.
Os bancos terão de avaliar as operações conforme o setor a que a empresa pertence, a localização do projeto a ser financiado, a documentação que ateste o cumprimento da legislação ambiental, a qualidade das garantias e a “da gestão socioambiental do cliente”.
“O perímetro estabelecido pelo BC é extremamente amplo”, diz o executivo da área de risco ambiental de um banco privado.
Ao mesmo tempo, o BC vai exigir que as instituições mantenham, por cinco anos, o registro de dados referente a perdas relacionadas a questões socioambientais.
“A criação de regras é válida. O problema é que não somos órgãos ambientais”, afirma um executivo de uma instituição privada.
Sob a supervisão do BC, o controle socioambiental das operações bancárias vai estar sujeito a punições. Apesar de a norma não explicitar as penas às instituições em caso de descumprimento das normas, o BC tem poder de multar, intervir e até liquidar bancos.
Na visão de uma fonte ligada a um banco público, a regulamentação é bem-vinda porque vai uniformizar os procedimentos das diversas instituições. “Exigir que os bancos tenham políticas específicas para determinados setores é uma oportunidade para discutir melhor o assunto”, diz. “Sustentabilidade só faz sentido se houver entrega para a sociedade.”
Regras vão criar padrão mínimo
A norma do Banco Central (BC) criará padrões mínimos para o tratamento das instituições financeiras a questões socioambientais. Hoje, os bancos não são obrigados a ter políticas para a área. Cada instituição segue os princípios que quiser e se quiser.
Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Pine são signatários dos Princípios do Equador, conjunto de normas desenvolvido pelo International Finance Corporation (IFC), braço de atuação do Banco Mundial no setor privado.
Os Princípios do Equador definem aspectos socioambientais a ser considerados pelos bancos em operações de financiamento de projetos que envolvam somas superiores a US$ 10 milhões.
Cada instituição, porém, aplica os princípios à sua maneira. Ao mesmo tempo, a adesão não é garantia de que o banco está imune a questionamentos da sociedade.
Em dezembro de 2012, diversas organizações não governamentais enviaram carta à Caixa questionando a atuação da instituição como repassadora de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) à construção da polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte.
Como o risco de crédito e de reputação é grande, alguns bancos criaram áreas para tratar de questões socioambientais. O Itaú montou uma equipe que conta com especialistas em crédito, advogados e ambientalistas para analisar e acompanhar os projetos antes e durante a liberação dos recursos.
O Santander, também com uma área própria para tratar do tema, tem como política interna avaliar o risco socioambiental de todas as operações de crédito no atacado acima de R$ 1 milhão.
O BTG Pactual, que não é signatário dos Princípios do Equador, tem uma política socioambiental interna. O banco afirma que avalia riscos conforme “políticas setoriais baseadas na legislação, regulamentação e melhores práticas vigentes” e incorpora questões socioambientais ao processo de análise de produtos e serviços.
Maior financiador de projetos de infraestrutura no país, o BNDES segue diretrizes lançadas pelo Ministério do Meio Ambiente nos anos 90 e atualizadas em 2008. O BNDES classifica os projetos em três categorias conforme o risco socioambiental. Para os setores mais sensíveis, requer licenciamento e estudo de viabilidade e impacto ambiental. Dependendo do setor, como pecuária e térmicas movidas a combustíveis fósseis, são feitas exigências adicionais.
“As regras do BNDES já estão em linha com o que determina a norma do BC e poderemos ter aprimoramentos importantes inspirados pelo normativo”, afirma Ana Maia, chefe de departamento de Políticas, Articulação e Sustentabilidade da instituição. Segundo ela, o BNDES quer ser “vanguarda” nessa questão.
Áreas especializadas em temas socioambientais são mais raras entre os bancos de médio porte. É para eles, segundo Mario Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas, que a norma do BC trará mais desafios. “O fato de as regras se transformarem em uma exigência para os bancos médios já é um grande avanço”, diz.
Em documento enviado ao BC sobre a audiência pública, a ABBC, associação que reúne os bancos médios, traz preocupação em relação às normas. “O esforço para o estrito cumprimento das normativas impõe grandes desafios, em função das assimetrias das instituições”, afirma a ABBC.
Fonte: Valor Econômico
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