O presente artigo traz à reflexão um tema incipiente, mas de suma importância, uma vez que confrontados direitos fundamentais de grande prestígio. A colisão entre o direito à moradia e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado tem sido submetida, ultimamente, ao crivo do Poder Judiciário, de maneira que se tem buscado a convivência harmônica desses direitos ou a prevalência de algum deles.
Em 2000, uma alteração constitucional elevou a moradia à qualidade de direito constitucionalmente assegurado, ampliando o rol dos direitos sociais, a partir da Emenda Constitucional n. 26.
A avaliação das condições do direito à moradia no cenário urbano brasileiro implica a compreensão da ocupação e crescimento das cidades, que ocorreu de maneira desordenada na grande maioria das cidades brasileiras, afetando, em maior ou menor grau, o meio ambiente.
Deste modo, ressalta-se que das legislações que orientam o tema meio ambiente, foi só a partir da Constituição Federal de 1988 que este ganhou a qualidade de bem jurídico ou valor constitucionalmente tutelado.
O artigo 225 da Carta Magna afirma que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo, isto é, pertencente à coletividade e impõe a esta, juntamente com o Poder Público, o dever de defender e preservar o meio ambiente para as atuais e futuras gerações.
Assim como o direito à moradia, o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado não é absoluto. Objetiva-se, assim, harmonizar a defesa do meio ambiente com o desenvolvimento econômico e com a justiça social, tendo como maiores finalidades a promoção do desenvolvimento sustentável e a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.
Há, portanto, uma colisão permanente entre os direitos fundamentais à moradia e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que tem sido objeto de apreciação de nossos órgãos julgadores.
Ocorre que há entendimentos diversos, em que alguns casos se privilegia o direito difuso ao meio ambiente e em outros o direito individual de ter uma moradia digna.
Nos casos em que o Judiciário se posiciona favorável à permanência da moradia (cita-se, como exemplo, TJSC, Apelação Cível n. 2010.029244-6, da Capital, Rel. Des. Substituto Ricardo Roesler, decisão de 22/6/11; TRF4, Agravo de Instrumento n. 0006843-46.2011.404.0000/RS, Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, in DJe de 30/9/11; e STJ, Habeas Corpus n. 124.820/DF, Rel. Min. Celso Limongi – Desembargador Convocado do TJ/SP -, in DJe de 22/8/12), é utilizado o argumento de que a ocupação na área é antiga e a existência da moradia, por si só, não oferece risco de degradação ambiental.
Naqueles outros em que a tutela ao meio ambiente teve mais força na hora de decidir (por exemplo nestes casos, TJSC, Apelação Cível n. 2008.067060-5, da Capital, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, decisão de 18/03/2010; TRF4, AC n. 0001715-20.2004.404.7201, Rel. Des. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, in D.E. de 15/04/2011), são adotados os seguintes fundamentos: [a] prevalência dos interesses da coletividade em detrimento ao individual; [b] o princípio da igualdade, visto que todos têm que respeitar a lei na defesa do meio ambiente; [c] a mera probabilidade de dano ao meio ambiente é suficiente para ensejar a demolição da construção.
Conclui-se que a solução é variável, de acordo com o caso concreto. Analisar a questão apenas sob o prisma do direito ao meio ambiente é adotar um posicionamento muito extremista, que ignora as necessidades sociais e função socioambiental da propriedade.
A preocupação ambiental é, sem sombra de dúvida, necessária e urgente. No entanto, é imperiosa a consideração do direito à moradia, sob pena de se emprestar solução jurídica incorreta quanto à interpretação sistemática do direito e à força normativa da Constituição Federal.
Por: Buzaglo Dantas
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