O Tribunal Penal Internacional anunciou, no dia 15 de setembro, que passará a processar e julgar crimes ambientais. Em documento de 18 páginas que anuncia as prioridades para a seleção de casos pela corte, o gabinete do procurador explicitou que a corte dará especial atenção a crimes relacionados à destruição do meio ambiente, à exploração de recursos naturais e à apropriação ilegal de terras.

Essa notícia é de extrema importância para o Direito Internacional Ambiental por três motivos centrais: primeiro, porque não há, hoje, corte internacional exclusivamente dedicada à matéria ambiental; segundo, porque o acesso de atores não-estatais – seja como autores ou réus – às cortes internacionais de competências diversas que apreciam também casos ambientais é ainda significativamente limitado; e, terceiro, porque é vital que a proteção internacional do meio ambiente seja compreendida como preocupação comum da humanidade, ou seja, como parte de um conjunto de valores fundamentais dos quais a coesão da sociedade depende.

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O anúncio do TPI deve ser saudado como um marco no que diz respeito a essas questões. Abrem-se portas para o julgamento de crimes que afetam comunidades inteiras – como a grilagem de terras –, bem como aqueles que são transfronteiriços por natureza e afetam a população global como um todo – como os relacionados às mudanças climáticas. Dado, porém, que na maioria das vezes esses crimes são cometidos por empresas, o mandato do TPI apresenta importante limitação na medida em que, sob o princípio da responsabilidade penal individual estabelecido no artigo 25 do Estatuto de Roma, pessoas jurídicas não estão sujeitas à sua jurisdição.

A proposta da delegação francesa para estender a jurisdição do TPI a empresas e a outras pessoas jurídicas foi rejeitada sob o fundamento de que contradiria o princípio da complementaridade adotado pelo TPI. Com efeito, ainda que países – tais como, notadamente, o Brasil, que dispensou inclusive a necessidade de dupla imputação da sociedade e de seus representantes legais – consagrem a responsabilidade penal ambiental das pessoas jurídicas, esta possibilidade ainda é rejeitada por Estados Partes do TPI.

Sobre os crimes relacionados às mudanças do clima, deve-se notar porém que, dentre os Estados que ratificaram o Estatuto de Roma, há ausências notáveis de grandes emissores de gases de efeito estufa, tais como Estados Unidos, China, Índia e Rússia. Além disso, o TPI julga apenas crimes ocorridos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma, em 1º de julho de 2002 – o que limita a possibilidade de o tribunal apreciar crimes relativos a emissões históricas.

Restrições à parte, a implicação mais relevante do anúncio do TPI reside talvez não em um aspecto prático, mas no reforço da noção de que o meio ambiente constitui uma preocupação comum da humanidade; de que as normas destinadas à sua proteção são jus cogens; e de que o interesse no seu cumprimento e aplicação é erga omnes.

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Fonte: http://www.conjur.com.br/2016-out-16/julgamento-crimes-ambientais-tpi-marco-historico