Ambientalistas acusam explosão do desmatamento ilegal em Madagascar

Explorando uma crise política em Madagascar, os barões da madeira estão roubando o patrimônio florestal desta ilha, derrubando ilegalmente espécies escassas de pau-rosa em parques nacionais pouco protegidos e exportando a maior parte da madeira de valor para a China.
Durante uma década ou mais, este comércio ilegal existiu em pequena escala. Porém, no último ano, ele cresceu mais de 25 vezes, de acordo com grupos ambientais que monitoram os envios de madeira para fora do país. Eles calculam o valor das árvores derrubadas no último ano em pelo menos US$ 167 milhões.
Essa exploração acelerada da floresta coincidiu com um golpe militar ocorrido em março de 2009. Andry Rajoelina, prefeito de Antananarivo,
capital de Madagascar, foi colocado na presidência. Desde então, ele lidera um governo enfraquecido e cambaleante, incapaz – ou talvez pouco disposto – de impedir o contrabando de madeira.
“O governo não faz nada porque também recebe dinheiro”, disse Ndranto Razakamanarina, presidente de uma associação malgaxe de grupos ambientais e funcionário de políticas do World Wildlife Fund. “Muitos
ministros acham que só ficarão três ou seis meses no cargo, então decidem obter todo o dinheiro que podem. A máfia da madeira é corrupta, os ministros são corruptos”.
Madagascar, quarta maior ilha do mundo, é um lugar de abundância botânica extraordinária, com talvez 14 mil espécies de plantas, 90% das quais não existem em nenhum outro lugar. Salvar as árvores de pau-rosa se tornou uma causa internacional. Ambientalistas verificam as escrituras de cargas de navios que partem para o exterior, calculam a quantidade de madeira em cada contêiner e tentam constranger os donos da madeira e das transportadoras que participam do negócio.
O governo já anunciou várias vezes políticas para acabar com o comércio ilegal da madeira.
“Os exportadores são fortes, mas nós também somos”, disse o primeiro-ministro Camille Vital em entrevista recente. “Apenas na semana passada, prendemos 52 pessoas envolvidas”.
No entanto, como admitiu o primeiro-ministro, os homens sob custódia estavam entre as centenas de moradores pobres de vilas, que ganham US$
2,50 por dia para trabalhar na floresta. Dois homens conseguem derrubar uma árvore robusta de pau-rosa em uma hora. Depois, são necessários grupos de 15, 30 e até 50 homens para levar as toras pela
floresta.
No mês passado, o governo anunciou mais um decreto para proteger as florestas afetadas do nordeste do país. A área inclui dois locais considerados Patrimônio Mundial: o Parque Nacional Marojejy, onde a
floresta desce em vales de vegetação densa e sobe em montanhas rochosas; e o Parque Nacional Masoala, situado numa península onde uma alta encosta de floresta virgem mergulha a poucos metros de um litoral
intocado.
Porém, o embaixador americano R. Niels Marquardt considerou as novas regulamentações “uma grande brecha”. Lisa Gaylord, diretora da Wildlife Conservation Society no país, afirmou: “Independente da lei,
este governo sempre encontra uma forma de autorizar uma exceção”.
No passado, o governo algumas vezes apreendeu madeira ilegal e multou os donos. Mas as penalidades correspondiam a um valor muito inferior ao do pau-rosa e, quando as imposições eram pagas, as toras eram
autorizadas para exportação.
“As toras de pau-rosa se amontoam perto de rios; ninguém tenta esconder nada”, disse Guy Suzon Ramangason, diretor-geral da organização que gerencia muitos dos parques.
“Empresários chineses pagam aos exportadores e eles, por sua vez, pagam aos controladores, como policiais e autoridades do governo”.
O pau-rosa malgaxe – avermelhado e bastante granado – está entre as madeiras mais procuradas do mundo, principalmente depois que fontes asiáticas de árvores similares se esgotaram. Na China, a madeira
finalizada é usada principalmente para a produção de réplicas de móveis antigos e instrumentos musicais, alguns para exportação.
Madagascar é um tesouro fantástico. A ilha se desligou da África há 165 milhões de anos e permanece a 480km da costa sudeste do continente. A evolução usou o isolamento com grande inventividade, tirando vantagem da paisagem que combina savana com deserto e longas faixas de floresta. Assim como a vegetação, a maior parte da vida selvagem – lêmures de cauda longa, pássaros coloridos, mariposas
amarelas gigantes – é única do local.
As pessoas começaram a chegar à ilha há dois mil anos, a maioria remando, vindas do que hoje é a Malásia e a Indonésia. Suas necessidades prevaleceram e cerca de 90% das florestas acabaram sendo sacrificadas para a agricultura. No entanto, o povo continua entre os
mais pobres do mundo. Salários de US$ 2,50 por dia não são considerados baixos aqui.
Em Maroantsetra, não muito longe do Parque Nacional Masoala, a evidência da exploração da floresta não é segredo para as pessoas do local. Cerca de 500 toras de pau-rosa estavam empilhadas atrás de uma cerca de bambu trancada com cadeado, em um local de armazenamento cercado por campos de milho e mandioca. Os curiosos eram afastados por cinco jovens guardas que relaxavam sob a sombra de uma árvore de lichia.
“Se eu desse informação a alguém de fora, morreria facilmente”, disse um dos guardas, com voz firme, mas justificando-se.
As árvores foram transportadas por barco e canoa de metal – ou simplesmente amarradas de forma improvisada a uma balsa de toras mais flutuantes.
O rio também fica na Baía Antongil, e do outro lado das águas agitadas estão vilas costeiras, às margens da floresta Masoala. Muitas das famílias possuíam terras dentro do que hoje é o parque nacional e dizem ter recebido falsas promessas de pagamento pelas terras
apropriadas. Eles reverenciam a natureza – mas também sentem que são seus donos.
“Deus nos deu a floresta para tirarmos o que precisamos”, disse Francel, de 23 anos, que usa apenas um nome. “Meus ancestrais não têm raiva. Ainda há muitas árvores na floresta”.
Francel, assim como outros que carregam machados pelas montanhas, acha curioso tamanho valor atribuído ao pau-rosa. Afinal, outras árvores dão alimentos – papaia, coco, jaca.
Porém, foram derrubadas tantas árvores de pau-rosa que a extração da madeira fica mais difícil a cada dia, dizem os moradores das vilas.
Agora pode levar dois ou três dias para encontrar um pau-rosa, até mesmo para homens que percorrem a floresta desde pequenos. Eles sabem como abrir trilhas com facões e quais plantas possuem propriedades
anti-sépticas.
Para as excursões em busca do pau-rosa, os homens carregam arroz e utensílios para cozinhar. Quando podem, eles saboreiam suas refeições com carne – enguias de nascentes de rios, morcegos de frutas pegos com redes, até mesmo espécies altamente ameaçadas de lêmures que saltam as árvores.
Arrastar as toras é um trabalho cansativo. Os homens puxam as cordas de náilon, descansam, depois puxam novamente.
“As pedras no caminho podem prejudicar a madeira, e devemos ter cuidado para não deixar as toras escorregarem pelo vale”, disse Thomas Kiloka, 55 anos, que trabalha junto aos madeireiros como carregador.
Ele reconheceu que derrubar o pau-rosa era ilegal, mas acredita que é melhor um homem pobre derrubar uma árvore da floresta do que roubar da casa de outra pessoa. Além disso, havia poucas chances de ser pego em flagrante. “A floresta é grande”, disse o carregador.

Fonte: G1