A CAPIVARA FILÓ E A RAZOABILIDADE QUE DEVE NORTEAR AS DECISÕES DAS AUTORIDADES PÚBLICAS

Recentemente, foi notícia no País a situação envolvendo um fazendeiro e sua amizade genuína com uma capivara. O fazendeiro, inocentemente, ou não, compartilhava através de vídeos nas redes sociais a salutar relação que existia com o animal silvestre.

O “uso” das espécies da fauna silvestre sem autorização ou em desacordo com a concedida, além de configurar infração administrativa, também é considerado crime ambiental (art. 29 da Lei n. 9.605/98).

Ai se explica (ou ao menos se tenta explicar) a postura inicialmente adotada pelo IBAMA em lavrar autos de infração contra o fazendeiro e determinar a devolução do animal. Isso porque, na leitura fria da lei, deixando-se de lado o bom senso que deve(ria) nortear as decisões de um modo geral, os animais silvestres somente podem permanecer sob guarda se possuírem identificação (anilha) e forem obtidos através de criadouros devidamente autorizados pela autarquia federal.

No caso da capivara “Filó”, por certo, nenhum dos requisitos atendidos.

Não obstante, construiu-se no judiciário o entendimento (firme e sólido) que, a depender da análise do caso concreto, há a possibilidade de o animal silvestre ser mantido no convívio familiar, ainda que não obtido de forma regular. O episódio da capivara “Filó” é um exemplo disso pelas circunstâncias que existiam: não havia maus tratos e o animal estava habituado com a situação em que vive, inclusive, dentro do seu próprio Habitat natural, ou seja, benefício algum traria a sua apreensão e posterior devolução às origens.

Situação similar pode ocorrer, por exemplo, com os papagaios! Animais silvestres, comumente encontrados em âmbito familiar. A convivência do animal com as pessoas que o cercam, regado de carinho, amor e cuidado, em um ambiente sadio e não em lugares insalubres ou em péssimas condições, justifica a sua manutenção, ainda que não tenha sido obtido por meio idôneo. Além disso, analisando pelo contexto do interesse do animal, aquele que foi acostumado a conviver em um determinado ambiente terá grandes dificuldades de adaptação/sobrevivência em um outro, absolutamente estranho, ainda que seja o seu natural.

Embora até onde se tenha conhecimento a multa pela divulgação da imagem da “Filó” não foi retirada, o que pode ocorrer ao longo do trâmite do processo administrativo, foi analisando todo o contexto que envolve a situação que, com o maior bom senso, decidiu-se pela manutenção da capivara junto ao seu “pai”. Também não se espera outros desdobramentos, já que como na matéria ambiental incide a chamada “tríplice responsabilidade ambiental”, sempre há a possibilidade de instauração de investigação criminal ou mesmo de natureza civil.

Caso típico de aplicação dos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, tão consagrados no ordenamento jurídico e aplicado (ainda que não tantas vezes quanto deveriam) no judiciário. A “Filó” deve ser vista como um exemplo a ser seguido por quem convive com animais silvestres não registrados, que muitas das vezes evitam buscar a regularização pelo medo de perderem o animal. Existindo zelo e cuidado na relação humano-animal, as decisões das autoridades públicas devem sempre buscar a resolução do conflito através da melhor solução, sem ideologias ou arbitrariedades, mas pensando no bem estar comum.

Por: Lucas Dantas Evaristo de Souza

2023-04-26T16:44:46+00:0026 de abril de 2023|

O MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO NO BRASIL

O mercado de crédito de carbono busca impedir o aumento da emissão dos gases de efeito estufa – GEE, que provocam diversos problemas ambientais, em sua maioria associados às mudanças climáticas. Trata-se de importante instrumento para que sejam cumpridas as metas de redução de emissões assumidas nas conferências do clima, e seu funcionamento se dá, em um simples resumo, da seguinte maneira:

Cada país, de acordo com as convenções internacionais, pode liberar na atmosfera uma determinada quantidade de gases de efeito estufa. No entanto, alguns países não atingem o limite estabelecido, de modo que podem comercializar sua “cota excedente” na forma de créditos de carbono. Já outros países (normalmente as maiores economias e consequentemente os maiores emitentes de GEE) excedem o limite permitido e, por isso, devem comprar créditos de quem emite menos ou possui áreas de floresta conservada.

Nesse sentido, a cada uma tonelada de dióxido de carbono que se deixa de emitir (seja direta ou indiretamente), considera-se criado um crédito de carbono, que poderá ser adquirido por estados e empresas que pretendam emitir a mais do que lhes é autorizado pela normativa internacional.

Vale salientar que existem dois tipos de mercado de carbono: o primeiro deles é o voluntário, que é formado por empresas comprometidas a compensar emissões através da compra de créditos de quem comprovadamente está tirando carbono da atmosfera, através de atividades florestais ou substituição de uma energia “suja” por outra considerada limpa. É a lei da oferta e procura.

Já o mercado regulado, é mantido por governos dispostos a ajustar de alguma forma o comércio de créditos, e no qual as empresas precisam concordar em tomar medidas para emitir menos. O mercado mais importante atualmente é o europeu, chamado Emissions Trading System.

No Brasil, desde 2021 tramita na Câmara dos Deputados a Proposta de Lei 528/21, que “visa estruturar o mercado regulado e o mercado voluntário, com as devidas estruturas legais, governança, diretrizes, princípios e prazos, de forma a propiciar a comercialização dos direitos de emissões dos GEEs”.

Segundo a consultoria americana McKinsey & Company, o Brasil conta com aproximadamente 58,8% de área florestal. Nesse sentido, pode gerar bilhões por ano em crédito de carbono, uma vez que, com a manutenção das florestas e ecossistemas preservados, também é possível criar créditos pela não emissão de carbono. Ou seja, nesse aspecto, o Brasil sai muito à frente em relação a outros países.

Nesse sentido, países como o Brasil – que possui mais de 80% de sua matriz energética proveniente de fontes sustentáveis, contra míseros 30% da média mundial – estão em uma posição muito privilegiada na possibilidade de produção e comercialização de créditos de carbono.

Enquanto não se tem uma definição sobre o mercado de carbono regulado no Brasil, as empresas aqui instaladas e que pretendem entrar nesse mercado podem procurar empresas especializadas no cálculo e comprovação da redução de emissões. Desse modo, quando realizados projetos de reflorestamento, reconstrução de florestas nativas e a exploração sustentável de florestas, é possível produzir e comercializar créditos de carbono.

Por fim, caso o Brasil adote de fato esse mercado e o popularize em meio ao nosso setor produtivo, a meta de redução de gases de efeito estufa que é de 37% até 2025, ficará mais realista.

Por: Bianca Silva

2023-04-20T11:05:28+00:0020 de abril de 2023|

BREVES NOTAS SOBRE O CHAMADO “COMPLIANCE AMBIENTAL”

As operações mercadológicas estão cada vez mais atentas aos riscos ambientais das atividades econômicas, riscos estes que se tornaram uma variante na tomada de decisões negociais.

Dentro desse contexto, o instituto do Compliance Ambiental ganha força como estratégia apta a reduzir esses riscos, já que tem como alicerces: a) o conhecimento prévio; b) o controle; c) e o monitoramento interno das variáveis/riscos ambientais aplicáveis a cada atividade econômica.

É possível afirmar que, de um modo geral, as atividades econômicas que adotam políticas de Compliance agregam maior valor em termos mercadológicos, geram transparência nas relações e incentivam a atuação regular como cultura empresarial.

Tais atitudes são capazes de trazer muitos benefícios à atmosfera corporativa, na medida em que, em última análise, permitem o conhecimento prévio relacionado aos riscos ambientais a que as atividades empresariais estão expostas e, nesses termos, a adoção de medidas concatenadas aptas a evitar/mitigar a propagação desses riscos.

Diga-se, aliás, que os riscos a que determinadas empresas estão expostas podem ser diversos, dada a infinidade de normas e regras (nacionais e internacionais) dedicadas ao tema [meio ambiente], e que possuem repercussões bastante severas em caso de descumprimento.

Isso sem falar na responsabilidade em caso de irregularidades no trato do bem ambiental, que é tríplice – podendo repercutir em três esferas jurídicas diversas: penal, civil e administrativa.

Daí a necessidade de que toda a atividade empresarial que interaja com o meio ambiente esteja baseada em fermentas de gestão de risco, tal qual o são os Programas de Compliance.

O Projeto de Lei n. 5.442/2019 (já referenciado aqui: https://buzaglodantas.adv.br/2020/05/21/compliance-e-o-direito-ambiental/), em trâmite na Câmara dos Deputados, trata sobre os programas de conformidade ambiental, conceituando-os como “mecanismos e procedimentos internos de conformidade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar, prevenir e sanar irregularidades e atos ilícitos lesivos ao meio ambiente”.

A ideia central da proposição é justamente fomentar a adoção de padrões de integridade, com políticas de detecção e prevenção de riscos ambientais.

A minuta legislativa ainda pende de aprovação, mas já é um demonstrativo acerca da importância do Compliance Ambiental dentro das atividades empresariais, sobretudo como um instrumento pensado para o gerenciamento prévio dos riscos ambientais relacionados.

O que se espera é que o texto seja aprovado em breve.

Por: Fernanda de Oliveira Crippa

2023-04-12T19:35:42+00:0012 de abril de 2023|

PUBLICADA NOVA INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA DO ICMBIO E DO IBAMA N. 03/2023

No dia 22 de março foi publicado no Diário Oficial da União, a Instrução Normativa Conjunta do ICMBIO e do IBAMA n. 03/2023, que disciplina a modalidade de autorização a ser concedida pelo ICMBio, com anuência do IBAMA, para a execução de serviços, atividades, obras e edificações concedidos a terceiros no interior de unidades de conservação federais, nos termos do art. 14-C, parágrafo 4° da Lei 11.516/07.

Para acesso: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/instrucao-normativa-conjunta-n-3-de-10-de-marco-de-2023-471917660

2023-03-22T17:53:55+00:0022 de março de 2023|

DA POSSIBILIDADE DA SOBREPOSIÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE NO CÔMPUTO DO PERCENTUAL DE MANUTENÇÃO QUE DISPÕEM OS ARTS. 30 E 31 DA LEI DA MATA ATLÂNTICA

Como se sabe, a proteção do bioma da Mata Atlântica para fins de loteamento ou edificação em imóveis localizados em áreas urbanas e regiões metropolitanas é regulamentada pelos artigos 30 e 31 da Lei n. 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica) (https://buzaglodantas.adv.br/2022/06/15/os-arts-30-e-31-da-lei-da-mata-atlantica-e-seu-papel-na-ordenada-expansao-da-fronteira-urbana/). Referidos dispositivos permitem que a vegetação secundária em estágios médio e avançado de regeneração sejam suprimidas nos seguintes termos:

  • a) estágio médio: a supressão será admitida para loteamentos ou edificações desde que o terreno esteja inserido no Perímetro Urbano do Município na data de vigência da lei (22/12/2006), e desde que seja garantida a preservação de 30% da área total coberta por essa vegetação; ou, se fora do Perímetro Urbano do Município quando do advento da lei, mantiver 50% da área total coberta por vegetação (art. 31 da Lei);
  • b) estágio avançado: a supressão será admitida para loteamentos ou edificações desde que o terreno esteja inserido no Perímetro Urbano do Município na data de vigência da lei (22/12/2006), e desde que seja garantida a preservação de 50% da área total coberta por essa vegetação; nos Perímetros Urbanos aprovados após o advento da lei, não será permitida a supressão (art. 30 da Lei).

Diante disso, um questionamento que pode surgir é sobre a viabilidade de contabilizar áreas de preservação permanente (eventualmente existente dentro de um imóvel) no percentual de manutenção/preservação da mata atlântica nos casos dos artigos 30 e 31 da Lei 11.428/2006 (Lei da Mata Atlântica)

Sobre o questionamento, entendemos que é absolutamente viável, considerando que, a princípio, inexiste qualquer disposição legal que impeça a sobreposição desses ecossistemas. Nesse sentido, faz-se fundamental destacar o princípio da legalidade, que deve nortear as relações jurídicas. A propósito, o art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988 determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Ademais, considerando-se que a área de manutenção assim o é justamente para manter o equilíbrio ambiental – e que tal pode ser atingido pela destinação com espaços ambientalmente protegidos – há a possibilidade de sobreposição de APPs no cômputo do percentual de manutenção exigido nos artigos 30 e 31 da Lei n. 11.428/2006.

Veja-se, que a Lei da Mata Atlântica estabelece apenas que o percentual deve ser calculado em relação à área total da cobertura por vegetação, sem qualquer impedimento do cômputo das Áreas de Preservação Permanente. Ora, caso pretendesse restringir essa possibilidade, o próprio legislador teria feito, o que como já visto, não ocorreu.

Portanto, por absoluta ausência de legislação que vede essa prática (princípio da legalidade) e pela normativa que dispõe, exclusivamente, que devem ser preservados os percentuais mínimos (30% ou 50%) da área total a ser mantida coberta pela vegetação, independentemente de este percentual constituir um espaço especialmente protegido, como APP, reserva legal, AVL –  parece-nos clara a possibilidade de utilização das áreas de preservação permanente no cômputo do percentual da manutenção da área de vegetação prevista nos artigos 30 e 31 da Lei da Mata Atlântica.

Por: Marcela Dantas Evaristo de Souza

2023-03-22T17:52:40+00:0022 de março de 2023|

O PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO NOS CRIMES AMBIENTAIS E SUA APLICABILIDADE

O princípio da consunção, popularmente chamado de princípio da absorção, é aplicado nos casos em que são cometidos dois ou mais crimes, mas um(uns) dele se torna(m) meio necessário para a execução de outro. Desta forma, apenas um único crime será imputado.

Na questão ambiental, como já tivemos oportunidade de escrever em outras oportunidades (https://buzaglodantas.adv.br/2012/06/15/comentario-ao-julgado-do-trf4-que-absorveu-a-conduta-do-art-48-da-lei-dos-crimes-ambientais-pelo-do-art-64-do-mesmo-diploma-legal/), pode-se utilizar como exemplo as condutas relacionadas aos artigos 48 (impedir ou dificultar a regeneração natural de vegetação) e 64 (construção em solo não edificável) da Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais).

A conduta de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação se dá como meio para se atingir a um único propósito, qual seja, o de construir em local não edificável. Isto, é claro, se a intenção final for a edificação, caso contrário, ainda que em solo não edificável, se houve apenas a supressão da vegetação, não há consunção.

Portanto, nos casos em que a pretensão é construir, a supressão da vegetação é mero exaurimento para este fim, havendo consunção entre os dois tipos penais, ou seja, um absorve o outro, existindo tão somente um único crime.

A consequência disso é que, entre outros fatores, não haverá concurso de crimes o que, consequentemente, possibilita a realização de acordos, seja antes da ação criminal ser promovida (transação penal), seja depois de a denúncia ser oferecida (suspensão condicional do processo).

Apesar de outros tribunais ainda apresentarem um posicionamento contrário ao princípio da consunção em relação aos artigos 48 e 64 da Lei n. 9605/98, o STJ, em recentes julgados (REsp n. 1.925.717/SC), posiciona-se no sentido de haver a absorção de um delito por outro, entendimento este que, espera-se, seja seguido pela jurisprudência.

Por: Monique Demaria

2023-03-09T12:37:03+00:009 de março de 2023|

CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA EM MATÉRIA AMBIENTAL

Após várias décadas de considerável desorganização no que diz respeito à competência de licenciamento e fiscalização, o Direito Ambiental brasileiro ganhou no ano de 2011 a Lei complementar n. 140, cuja redação distribuiu entre os entes da federação responsabilidades específicas acerca da matéria.

Em relação ao licenciamento ambiental, a norma estabeleceu algumas regras com o intuito de guiar a separação de competências entre União, Estados e Municípios, alocando sob a esfera de cada um deles atividades de distintas complexidades e abrangências.

O ente federal, por exemplo, ficou responsável pelo licenciamento de empreendimentos e atividades que: 1) sejam desenvolvidos pelo Brasil em conjunto com outro país; 2) estejam localizadas no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; 3) estejam em terras indígenas; 4) estejam em Unidades de Conservação federais, excetos APAs; 5) estejam em dois ou mais Estados; 6) sejam de caráter militar ou relacionados a material radioativo e 7) atendam tipologia específica estabelecida por ato do Poder Executivo (art. 7º, inciso XIV).

Às Unidades da Federação, no entanto, foi estabelecida uma competência licenciadora mais ampla. É que, sob a tutela dos Estados ficou apenas o licenciamento de “atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental” (art. 8º, inciso XIV), ressalvados os casos de competência da União, é claro. Além disso, por simetria, também ficou reservada a competência para licenciar atividades em unidades de conservação instituídas pelo Estado (art. 8º, inciso XV), excetuadas APAs.

Por fim, aos Municípios foi reservada a competência para licenciar atividades que causem impacto ambiental local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, bem como aquelas localizadas em unidades de conservação instituídas pelo Município, excetuadas APAs (art. 9º, inciso XIV).

Se por um lado a competência para licenciamento foi definida por meio de uma série de regras referentes a cada ente federativo, a competência fiscalizatória foi fixada por uma única regra geral: o órgão responsável pelo licenciamento ambiental de uma atividade será também encarregado de fiscalizá-la, lavrando auto de infração e instaurando processo administrativo para apurar eventuais irregularidades (art. 17, caput).

Muito embora seja uma regra simples, aplicável a todos os casos, a Lei Complementar instituiu uma hipótese de fiscalização suplementar, na qual é cabível que o ente que não é responsável pelo licenciamento realize ato fiscalizatório. Nesse sentido, “nos casos de iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, o ente federativo que tiver conhecimento do fato deverá determinar medidas para evitá-la, fazer cessá-la ou mitigá-la, comunicando imediatamente ao órgão competente para as providências cabíveis” (art. 17, §2º).

Além disso, o §3º do mesmo artigo indica que a regra geral de competência não impede o exercício da atribuição comum de fiscalização pelos entes federativos, com a ressalva de que deve prevalecer o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento da atividade.

Em outras palavras, nos casos em que há iminência ou ocorrência de degradação da qualidade ambiental, é cabível a atuação suplementar do ente federativo desprovido da competência licenciatória.

Em que pese a justificável e necessária disposição trazida pela Lei, sua interpretação tem sido feita de maneiras bastante distintas pelo país, sobretudo no âmbito dos órgãos ambientais e do próprio Poder Judiciário. Isso porque, em diversas situações, órgãos ambientais incompetentes para o licenciamento de certa atividade realizam a sua fiscalização sem que exista, no entanto, risco ambiental apto a justificar essa atuação.

Tenha-se por exemplo a operação de uma planta industrial que perde o prazo para renovação de licença ambiental de operação e, por isso, opera por um curto espaço de tempo sem a licença. Nesse sentido, seria cabível a autuação fiscalizatória supletiva de órgão ambiental não competente para o licenciamento?

Vejamos: De fato, há aí uma irregularidade merecedora de sanção na via administrativa. No entanto, a mera operação da indústria sem a licença, logo após um período de operação devidamente licenciada (de um ano, que é normalmente o prazo de validade das Licenças de Operação) não pressupõe um risco ambiental, quiçá qualquer dano ao ambiente. Afinal, se a planta tinha sua operação licenciada em momento anterior, toda a sua instalação, seus equipamentos e edifícios, seus procedimentos e repercussões foram analisadas e devidamente aprovadas em momento prévio. Todos os riscos e danos que eventualmente pudessem ser causados foram avaliados e atenuados, sendo o licenciamento de operação uma forma de acompanhamento da manutenção da atividade nos parâmetros autorizados.

Por esse motivo, não seria cabível, dentro do espírito e da redação da LC 140/11, que o órgão não licenciador, sem qualquer aviso ao órgão competente para o licenciamento, lavrasse auto de infração contra a indústria em questão e impusesse a ela uma multa.

Ora, não há risco ou iminência de degradação ambiental que justifique essa atuação que, pela redação da Lei Complementar, é extraordinária, excepcional. Há, nesse caso, uma usurpação de competência. Uma deturpação do sentido que a LC 140/11 quis dar à organização do direito ambiental no território brasileiro.

Por esse motivo, muito embora a fiscalização supletiva seja bem vinda, sobretudo em sendo um instituto que estende o alcance dos órgãos ambientais sobre as atividades potencialmente poluidoras, sua utilização deve seguir as hipóteses e requisitos trazidos por lei. Do contrário, se estaria admitindo uma usurpação da separação de competências e um desrespeito ao pacto federativo, tão caro num país com a extensão e os desafios que o Brasil possui.

Essa instrumentalização da Lei como forma de distensão das competências – talvez numa lógica de competição por verbas provenientes de sanções – em nada incrementa a proteção do meio ambiente. Apenas reforça uma atmosfera de insegurança jurídica no país, diminuindo a eficiência dos órgãos ambientais e atrasando o desenvolvimento econômico e social.

Por: João Pedro Carreira Jenzura

2023-03-02T11:51:18+00:002 de março de 2023|
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