Comentário ao Julgado do STJ que indeferiu pedido de suspensão da decisão do TRF3 que concedeu a uma empresa o direito de acesso ao patrimônio genético da manteiga de cacau sem prévia autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN)

Os autos dão conta de Agravo de Regimental interposto pela União Federal em face da decisão monocrática que indeferiu seu pedido de suspensão dos efeitos da decisão proferida pelo Tribunal Regional da 3ª Região (TRF3), que concedeu a uma empresa o direito de acesso ao patrimônio genético da manteiga de cacau sem prévia autorização do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN).

Na decisão agravada, inicialmente, o i. Desembargador Federal afirmou que a Medida Provisória nº. 2.186-16/2001 traz em seu bojo conceitos precisos e que uma mera leitura da norma demonstra que autorização da autoridade competente é exigida apenas para o “acesso” ao patrimônio genético, sendo este definido como a mera obtenção de amostras.   Nesse sentido, as demais atividades de pesquisa, comercialização e aproveitamento do patrimônio genético nacional estariam isentas de autorização prévia, estando submetidas apenas à fiscalização dos órgãos competentes.

Em pese a questão analisada envolver a “coleta” do cacau e, portanto, depender de prévia autorização, em nova ressalva, o Desembargador afirma a MP nº. 2.186-16/2001 só deve ser aplicada em casos de acesso a “espécimes de nossa flora ou fauna nativa, inseridos no respectivo meio ambiente original e não objeto de cultivo comercial de larga escala.”Assim, considerando que o cacau está disponível em diversos locais do mundo, declarou a empresa dispensada de qualquer autorização prévia para acesso ao cacau.

Inconformada, a União interpôs um pedido de suspensão dos efeitos da referida decisão afirmando, síntese, que ela esvazia as atribuições do CGEN, colocando em iminente risco o patrimônio genético brasileiro, bem como compromissos assumidos pelo Brasil no plano internacional. Contudo, por não vislumbrar perigo de dano eminente, o Ministro Relator indeferiu o pedido de suspensão da União, tal entendimento foi compartilhado pelos demais Ministros e o Agravo Regimental foi não foi provido.

Apesar do mérito da decisão não ter sido analisado pelos Ministros, que se restringiram a verificar a presença dos requisitos para concessão do pedido de suspensão, considerando que escassez de decisões sobre o tema, o julgado acima possui extrema relevância e deve ser analisado com cuidado.   Deve-se ter em mente que a decisão acima, foi baseada em cognição sumária e que o juízo não analisou laudos do CGEN ou qualquer documento técnico relativo à diversidade genética. Ademais, não foi considerado o uso sustentável do recurso vegetal a repartição dos benefícios financeiros advindos da exploração e utilização dos recursos naturais.

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-22T14:44:42+00:0022 de agosto de 2012|

Comentário à Resolução CONAMA n. 436/11, que estabeleceu os limites máximos de emissão de poluentes atmosféricos para fontes fixas instaladas ou com pedido de licença de instalação anteriores a 02 de janeiro de 2007

A partir dos impactos ambientais muitas vezes causados pela frequente instalação de novas empresas e indústrias, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA editou a Resolução n. 436 de 22 de dezembro de 2011, em complemento às Resoluções n. 05/1989 e n. 382/2006, estabelecendo os limites máximos de emissão de poluentes atmosféricos para fontes fixas instaladas ou com pedido de licença de instalação anteriores a 02 de janeiro de 2007. Para as licenças posteriores a essa data, a Resolução aplicável continuou sendo a CONAMA n. 382/2006.

Para que às empresas se instalem ou permaneçam operando é necessário saber os poluentes gerados e a forma de controle de emissão dos gases para diminuir o impacto. Isto é, qualquer empresa que possua uma caldeira e forno a óleo, a madeira ou a gás, deve possuir um sistema de controle de poluentes e ser devidamente monitorada. Assim também ocorre com as indústrias que fabricam celulose, ligadas ao refinamento do petróleo, de produção de cimento, fábricas de vidros e fertilizantes, as quais devem observar o tipo de poluente e os padrões estabelecidos para controle da poluição do ar previstos nos anexos I a XIII da Resolução n. 436/2011.

Cabe salientar que esta resolução se refere ao limite de emissão de poluente de fontes fixas, que, de acordo com o art. 3º, I, g, consistem em “qualquer instalação, equipamento ou processo, situado em local fixo, que libere ou emita matéria para a atmosfera, por emissão pontual ou fugitiva”.

A Resolução também retoma um conceito importante de capacidade de suporte do meio ambiente (art. 3°, I, a), em que as características do meio onde está localizado o empreendimento poderão indicar situações limites variadas de aceitação daquele.

Além desta possibilidade de variação dos limites de emissão de poluentes, o art. 2° apresenta outras premissas em que foi baseado o estabelecimento desses padrões, como por exemplo, a adoção de tecnologias ambientalmente adequadas, que abrangem todas as fases, desde a concepção, instalação, operação e manutenção das unidades.

Os limites de emissão para as fontes não especificadas em resolução do CONAMA deverão ser estabelecidos pelo órgão ambiental licenciador do empreendimento (art. 7º).

Portanto, o CONAMA, ao editar outra resolução para atender uma demanda anterior a janeiro de 2007, considerou a necessidade de uma avaliação permanente das ações de controle estabelecidas no Programa Nacional de Controle da Qualidade do Ar – PRONAR, e de fixação de padrões de qualidade do ar como ação complementar e referencial aos limites máximos de emissão estabelecidos.

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-22T14:41:29+00:0022 de agosto de 2012|

Questões Jurídicas sobre o Acesso ao Patrimônio Genético da Biodiversidade

O grande potencial econômico proveniente dos recursos genéticos existentes em nosso país, somados aos custos da repartição de benefícios com as localidades de onde são extraídos e a dificuldade encontrada para se ter acesso aos mesmos junto à Administração Pública, faz com que formas ilegais de apropriação, exploração, manipulação e comercialização desses recursos, conhecidas como biopirataria, se tornem cada dia mais corriqueiras.

A Convenção de Diversidade Biológica (CDB) buscou compatibilizar a conservação da biodiversidade à utilização sustentável e à partilha dos benefícios gerados pelo uso e exploração dos recursos genéticos, além de reafirmar o direito soberano dos Estados sobre seus próprios recursos naturais, sejam eles biológicos ou genéticos.  Por conseguinte, ficou a cargo dos Estados detentores de biodiversidade; a regulamentação ao seu acesso.

No Brasil, o texto da Convenção foi promulgado pelo Presidente da República, tornando-se vigente internamente, em 16/03/1998, com o Decreto 2.519. Após várias iniciativas de Projetos de Lei para implementação, no que tange ao acesso a recursos genéticos da CDB, foi editada a Medida Provisória 2.186-19, de 23/08/2001, que passou a regulamentar o acesso ao patrimônio genético, o acesso e a proteção ao conhecimento tradicional associado, a repartição de benefícios e o acesso e transferência de tecnologia para sua conservação e utilização, entre outras providências.

Um grande debate jurídico tem se criado ao redor de algumas provisões da MP, entre elas: a diferenciação entre coleta e acesso ao patrimônio genético; a necessidade de anuência prévia do Poder Público a algumas finalidades de acesso, e a incongruência de informações quanto aos valores a serem repartidos às comunidades ou localidades de onde foram extraídos os recursos genéticos.

Com relação à distinção entre a coleta e o acesso ao patrimônio genético, a Medida Provisória não havia deixado claro se a coleta, ou seja, a remoção da espécime, era equivalente ou não ao acesso ao patrimônio genético. Na tentativa de dirimir tal dúvida, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) editou a Orientação Técnica 1/2003, a qual definiu o acesso como “a atividade realizada sobre o patrimônio genético com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem genética ou moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de extratos obtidos destes organismos.”

No entanto, sobre o mesmo assunto, o Sr. Ministro Ari Pargendler, do Superior Tribunal de Justiça, em decisão ao agravo regimental, a posteriori a Orientação Técnica do CGEN, desenvolveu outro entendimento, partindo da interpretação da própria letra da lei.  Para o relator, a rápida leitura do texto legal (art. 7º, IV da MP) é o suficiente para precisar o conceito chave ao deslinde da questão: “acesso ao patrimônio genético é mera obtenção de amostras. […] Acesso ao patrimônio genético não é pesquisa, não é o estudo, não é a construção da ciência que tem o patrimônio genético como objeto. Repita-se: acesso ao patrimônio genético é coletar amostras. É isto que está escrito no ato normativo.” (STJ, AgRg na SLS n. 1438, Ministro Relator Ari Pargendler, in D.J.E 28/02/2012) Ou seja, na decisão, o Relator equivaleu coleta à acesso, sendo ambas regulamentada pela Medida Provisória.

O art. 2º da Medida Provisória dispõe que, “o acesso ao patrimônio genético existente no País somente será feito mediante autorização da União e terá o seu uso, comercialização e aproveitamento para quaisquer fins submetidos à fiscalização, restrições e repartição de benefícios nos termos e nas condições estabelecidos nesta Medida Provisória e no seu regulamento”. A discussão aqui paira sobre a necessidade ou não de autorização do Poder Público a algumas finalidades de acesso, eis que a exigência se torna muito rigorosa à pesquisa cientifica, considerando que apenas uma pequena parcela chega a desenvolver um produto ou processo sujeito à exploração econômica.

Nesse sentindo, na mesma decisão o referido Relator do STJ questionou e ponderou: “[…] quando serão, então, necessárias as prévias licenças da União para o “acesso” de material para pesquisa genética? […] A resposta que se impõe é que a restrição é aplicável sempre que tratarmos de coleta (i. e. “acesso”) de espécimes de nossa flora ou fauna nativa, inseridos no respectivo meio ambiente original e não objeto de cultivo comercial de larga escala. Nestas hipóteses sim, em se tratando de animais e vegetais nativos, que remanescem inseridos no contexto de seus ecossistemas originários (pouco importando se ameaçados de extinção ou não), impõe-se a prévia autorização da União para a respectiva coleta.”

Com relação aos valores a serem repartidos às comunidades ou localidades de onde foram extraídos os recursos genéticos, o IBAMA, através da operação Novos Rumos, tem autuado diversas empresas multinacionais, sob alegação de que as mesmas estariam fazendo uso de recursos nativos sem a devida repartição de lucros. Contudo, vale destacar que não existe, hoje em dia, legislação específica que defina o valor ou percentual a ser repassado, motivo pelo qual, abre-se uma brecha para tal discussão até que se regulamente.

Por fim, o objetivo de regularizar as atividades previstas na MP 2.186-16, que de alguma forma estão em desconformidade com a norma, o Ministério do Meio Ambiente, em abril do ano passado, baixou a Resolução 35/2011, definindo diretrizes e critérios para análise de tais atividades concluídas após 30 de junho de 2000. Destaque-se que a regularização de que se trata esta norma, dar-se-á sem prejuízo da apuração pelas autoridades competentes das responsabilidades civil, penal e administrativa, nos casos de acesso ao patrimônio genético e/ou ao conhecimento tradicional associado em desacordo com normas vigentes (Art. 8º). Ademais, os processos já protocolados na Secretaria-Executiva do CGEN que visam à regularização das referidas atividades, antes da edição da norma, serão processados como solicitações de regularização, devendo ser complementados pelos requisitos presentes na Resolução (Art. 6º).

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-22T14:37:18+00:0022 de agosto de 2012|

Lei municipal impõe contratação de responsável técnico em meio ambiente

Empresas que atuam em setores considerados potencialmente poluidores (e.g., papel e celulose, metalúrgica, química, de veículos automotores, pneus, pilhas e baterias, transporte, terminais, depósitos e comércio, entre outras) pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) podem começar a planejar ao menos uma nova contratação para o próximo ano. Este planejamento deve ocorrer devido à recente aprovação na Câmara de Vereadores de Curitiba (15 de agosto de 2012), do projeto de lei n. 005.00174.2009, que as obriga a contratar profissionais da área de meio ambiente.

Aprovado pela Câmara quase três anos após a vigência da Lei Estadual n. 16.346/2009 – que trata do mesmo assunto –, o projeto de lei municipal segue para aprovação pelo atual prefeito e, após sua sanção, entrará em vigor no prazo de 120 dias. Assim que vigorar, a responsabilidade técnica do estabelecimento deverá ser comprovada por declaração de firma individual, contrato social, estatuto de pessoa jurídica ou pelo contrato de trabalho do profissional responsável. O responsável técnico ambiental deverá produzir programas que garantam condições de segurança ambiental, trabalhando na prevenção de acidentes e medidas emergenciais caso aconteçam. Além disso, deverá assegurar, por meio de laudos periódicos, que o plano está sendo cumprido e que não há contaminação do meio ambiente, por atividades do empreendedor.

Em casos de irregularidade ambiental, o técnico deverá dimensionar os danos, apresentar o laudo com o resultado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP), contendo às medidas de compensação e de contenção do dano, assim como deverá arcar com as despesas necessárias à recuperação do ambiente. O não cumprimento, de acordo com a proposta, implicará em multa a ser estabelecida pela Secretaria do Meio Ambiente.

Já nos licenciamentos ambientais de novos empreendimentos, o órgão ambiental deverá exigir o integral cumprimento desta lei quando da emissão da licença de operação.

Curitiba segue assim o exemplo de Natal/RN (Lei Municipal n. 6.222/11) e Feira de Santana/BA (Lei Municipal n. 3.230/11), que já possuem lei sobre o tema. Nota-se, aqui, uma tendência, uma vez que projetos de lei indicando a contratação de profissionais da área ambiental em empresas com potencial poluidor tramitam, também, em outros estados, como por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro (Projeto de Lei n. 1.688/12) e em âmbito nacional (Projeto de Lei n. 2.775/11).

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-20T12:44:34+00:0020 de agosto de 2012|

Comentário à decisão do TRF4 que cassou a liminar e manteve a audiência pública do Parque Hotel Marina Ponta do Coral, em Florianópolis

Um dia antes da realização da Audiência Pública para apresentação do Estudo de Impacto Ambiental – EIA do projeto “Parque Hotel Marina Ponta do Coral”, empreendimento de titularidade da empresa Hantei Construções e Incorporações Ltda., que está em processo de licenciamento ambiental junto ao órgão estadual ambiental de Santa Catarina (FATMA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBIO ajuizou a Ação Civil Pública n. 5013424-86.2012.404.7200 requerendo, em caráter liminar, a suspensão do referido processo de licenciamento e, como consequência, audiência pública.

O argumento central da ação cinge-se ao fato de que o processo de licenciamento ambiental em questão deveria ter sido submetido à análise dos técnicos do ICMBio, órgão gestor responsável pelas Unidades de Conservação Federais, tendo em vista que o empreendimento da ré estaria, supostamente, gerando danos à Estação Ecológica de Carijós.

Ao analisar o pleito liminar, o e. Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Criminal de Florianópolis, em regime de cooperação na Vara Ambiental da mesma subseção judiciária, há pouco menos de 05 horas para o início da audiência pública, deferiu parcialmente a medida suspendendo a realização do ato.

Imediatamente após a divulgação da decisão no site da Justiça Federal, os advogados da empresa interpuseram perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região o Agravo de Instrumento n. 5012177-39.2012.404.0000, para o fim de reverter a decisão e manter a realização da audiência pública.

O feito foi distribuído ao e. Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, que prontamente analisou o recurso e suspendeu a liminar proferida pela Justiça Federal de Florianópolis, ao argumento de que “a suspensão da audiência pública acarretará prejuízo ao empreendimento, porém, sem acarretar, a realização dessa audiência, qualquer prejuízo ao meio ambiente”.

A decisão do relator, que segue o entendimento majoritário dos Tribunais do país, avaliou, com clareza, a desproporcionalidade do pedido do ICMBio, demonstrando que a suspensão de audiência pública além de causar dano ao empreendedor, tendo em vista os gastos despendidos para a realização do ato, traria prejuízo à toda comunidade local, que seria impedida de tomar conhecimento sobre o projeto e ter garantida sua participação no processo de licenciamento ambiental do empreendimento.

Em razão de sua sensatez e da agilidade com que foi proferida, cassando a equivocada liminar, aliada à magnitude do projeto, um dos maiores em licenciamento em Santa Catarina, a decisão proferida ganhou grande destaque da mídia, sendo, inclusive, noticiada na pagina virtual do TRF4.

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-08T16:02:33+00:008 de agosto de 2012|

Audiência Pública: a participação popular no licenciamento ambiental

A Constituição Federal, em seu artigo 225, §1°, inciso IV, exige, na forma da lei, a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório (RIMA) para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental. Além disso, expressamente determina que a esse estudo se dará publicidade, que visa justamente a oportunizar que a população participe ativamente das discussões a respeito da viabilidade ambiental do empreendimento a ser licenciado.

A publicidade preconizada pelo texto constitucional é garantida no processo de licenciamento ambiental por meio da realização de audiência pública, instrumento democrático essencial para a efetiva e informada participação popular. Devido à sua importância, a audiência pública foi regulamentada em âmbito federal pela Resolução CONAMA n. 09/87, que deixa clara a sua finalidade, a saber: expor aos interessados o conteúdo do RIMA, dirimir as eventuais dúvidas e colher críticas e sugestões ao projeto (art. 1º).

Sua realização será sempre obrigatória quando o órgão de meio ambiente a julgar necessária ou quando for solicitada por entidade civil, pelo Ministério Público ou por 50 ou mais cidadãos, devendo ocorrer em local de fácil acesso aos interessados. No caso de haver essa solicitação e a audiência não acontecer, eventual licença concedida não terá validade (art. 2º).

Em Santa Catarina, o instrumento foi definido pelo Decreto n. 2.955/10, que restringiu a discricionariedade do órgão licenciador, impondo-lhe a obrigatoriedade de realizar audiência pública nos licenciamentos de todos os empreendimentos que exigem a elaboração de EIA/RIMA. Nos demais casos, em que a atividade é licenciada mediante estudos ambientais simplificados, incide regra semelhante à da legislação federal. A norma estadual ainda deixou expresso que a audiência não possui caráter deliberativo, de modo que suas discussões devem ser consideradas no licenciamento, mas sem vincular a decisão do órgão ambiental (art. 29).

Ademais, o princípio da publicidade é observado por meio da disponibilização dos estudos ambientais para consulta pública pelo prazo de 45 dias, devendo a audiência ser convocada com antecedência mínima de 15 dias, sempre mediante publicação no diário oficial (art. 28). Em homenagem a evolução tecnológica e ao fácil acesso de grande parte da população às mídias digitais, deve-se também prestigiar a divulgação dos estudos ambientais na internet, embora isso ainda não esteja previsto na legislação.

Portanto, diante de sua relevância para informar e receber contribuições da população, a audiência pública deve ocorrer sem restrições. Não há risco algum ao meio ambiente na sua realização. Tentar impedi-la atenta o princípio democrático, só interessando àqueles que querem silenciar a sociedade, restringir a livre-iniciativa e, assim, impedir o desenvolvimento sustentável e informado do país.

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-08T15:48:42+00:008 de agosto de 2012|

Muito além da Justiça

Como no teatro, existe hora de entrar e sair de cena, na peça real é importante. Poucas coisas geram tamanha emoção no roteiro de nossas vidas. Dizem que o futuro começa em nossa mente e a verdade vem do tempo (Berthold Brecht). Dentro deste quadro, sobressaindo aos modelos e à moda, transpondo o dead point, dois jovens magistrados foram buscar a realização de seus sonhos, pois entenderam que, sem eles, os intelectuais se tornam estéreis, a coragem se dissipa e o sorriso vira um disfarce. Ricardo Roesler não teme os erros e, tal como Alvin Toffler, sabe enfrentar os desafios: pensa antes de reagir e é impulsionado por seus sonhos. Muito prestigiado profissionalmente, é um escultor de pensamentos sempre bem gerenciados.

Conheci Ricardo, jovem na década de 1980. Mais tarde, como juiz substituto, já se revelava brilhante. No auge da carreira, em junho deste ano, tomou posse, pelo critério de merecimento, no cargo de desembargador do TJSC. Como construtor de ideias, é fonte de sensibilidade, amando os estudos, sempre conectado na realidade. Seu discurso de posse foi um exercício de cidadania e idealismo, lembrando Abraham Lincoln e Martin Luther King. Na sua vibrante fala, colocou toda a inteireza de sua alma. Observou, não raras vezes, que o jurista da área ambiental se depara com normas muito boas no papel, mas sem qualquer eficácia prática.

Nelson Schaefer Martins, homem inteligente, ético, afetivo, de princípios sólidos, fiel à sua consciência e de trajetória profissional marcante, na sessão do Tribunal Pleno de 2 de maio não se calou e fez a oração dos sábios: solicitou que fosse registrada nos anais da história, crônica que lembrava o seu saudoso colega Solon Gama D’Eça. Solon era daqueles que via o sol mesmo atrás das densas nuvens. Ele nos fazia repensar a vida ao imaginar um homem social mais livre e mais feliz. Era o amigo que “renascerá a cada primavera, nas minhas melhores lembranças” (Mário Pereira, em Saudade do Futuro, p. 34).

Por: Buzaglo Dantas

2012-08-08T10:47:24+00:008 de agosto de 2012|

Comentário ao julgado do TRF4 que entendeu que o simples fato de um empreendimento estar localizado próximo a uma unidade de conservação federal não é suficiente para caracterizar a competência do IBAMA para o licenciamento ambiental

Os autos se ocupam de Embargos Infringentes n. 2002.71.07.013965-0/RS, interpostos pelo Ministério Público Federal, contra acórdão da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que, por maioria, vencida a Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, reformou a sentença de primeiro grau proferida nos autos da Ação Civil Pública n. 2002.71.07.013965-0/RS, por entender que a competência para licenciar empreendimento localizado próximo a unidade de conservação federal seria do órgão ambiental federal, cabendo ao IBAMA apenas sua anuência.

Em suas razões recursais, o Ministério Público Federal requereu a prevalência do voto-divergente da Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, no sentido de que o empreendimento, no caso, o aeroporto do Município de Canela, em razão de estar localizado próximo da zona de amortecimento de unidade de conservação federal Floresta Nacional de Canela deveria ser licenciado pelo IBAMA, tendo em vista que a atividade se inseriria dentre as atribuições do órgão ambiental federal.

No julgamento do recurso, o voto da relatora originária, acolhia as razões recursais aduzidas pelo Parquet Federal e dava provimento ao recurso. Contudo, o relator para o acordão dos embargos infringentes (Juiz Federal João Pedro Gebran Neto) votou no sentido de prevalecer o voto do Des. Federal Fernando Quadros da Silva proferido na Terceira Turma, no sentido de que a competência do licenciamento deveria ser do órgão estadual por duas razões, a saber: a) manifestação do próprio IBAMA informando que não era o responsável pelo licenciamento; e b) ausência de impacto nacional da obra. Com esses fundamentos, a 2ª Seção (que reúne os membros da 3ª e 4ª Turmas) do TRF4, por maioria, vencida a relatora, reafirmou o entendimento do acórdão proferido pela Terceira Turma.

A relevância desse julgado se deve ao fato de ele, além de contrariar o entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça, ter sido proferido em sede de embargos infringentes, ou seja, contou com a participação dos 6 (seis) desembargadores integrantes das duas turmas de direito público do TRF4. Ademais, a discussão sobre o caso foi bastante intensa, conforme se pode observar das notas taquigráficas juntadas.

Da leitura do acórdão é possível perceber que, mesmo a localização de empreendimento próxima a uma unidade de conservação, por si só, não atrai a competência do licenciamento ambiental para o IBAMA. Com esse entendimento, a tese que vem sendo defendida pelo Ministério Público Federal de que teria legitimidade para propor ação coletiva pelo simples fato do empreendimento estar localizado nas proximidades de uma unidade de conservação vem a cada dia perdendo mais força e a tendência é que os julgados daquela Corte Federal venham a rechaçá-la, conforme já vem ocorrendo em outros casos similares.

por Lucas Dantas Evaristo de Souza

2012-07-25T15:29:31+00:0025 de julho de 2012|

Comentário ao Decreto 99.556/90, que dispõe sobre a proteção das cavidades naturais subterrâneas

As cavidades naturais subterrâneas, também conhecidas como cavernas, são consideradas bens da União pela Constituição Federal. Tendo em vista sua importância técnico-científica, étnico-cultural, turística, recreativa e educativa, as cavidades subterrâneas foram objeto de proteção específica, estabelecida pelo Decreto n. 99.556/90, alterado posteriormente pelo polêmico Decreto n. 6.640/08.

Esses diplomas legais preveem que a cavidade natural subterrânea será classificada de acordo com seu grau de relevância em máximo, alto, médio ou baixo, considerando seus atributos e seu enfoque, se regional ou local. Essa classificação deve observar os critérios estabelecidos pelo Ministério do Meio Ambiente e será feita pelo órgão competente para o licenciamento ambiental com base nos estudos apresentados pelo empreendedor.

A relevância da classificação decorre das restrições que são impostas à sua utilização. A cavidade natural subterrânea com grau de relevância máximo e sua área de influência não podem ser objeto de impactos negativos irreversíveis (aqueles que alteram a cavidade de modo permanente, impossibilitando seu retorno à situação a quo ante), sendo que sua utilização deve fazer-se somente dentro de condições que assegurem sua integridade física e a manutenção do seu equilíbrio ecológico. Por sua vez, as classificadas com grau de relevância alto, médio ou baixo poderão ser objeto de impactos negativos irreversíveis, mediante licenciamento ambiental. Sendo assim, é de suma importância que sejam observados rígidos critérios técnicos e jurídicos na classificação, de modo a não causar incertezas a empreendimentos e a evitar exigências não previstas na legislação, que podem até mesmo comprometer todo um projeto.

No caso de projeto que ocasione impacto negativo irreversível, as medidas que devem ser adotadas pelo empreendedor também levam em consideração a classificação da cavidade afetada. Se for de relevância alta, o empreendedor deverá adotar, como condição para o licenciamento ambiental, medidas e ações para assegurar a preservação, em caráter permanente, de duas cavidades naturais subterrâneas. Caso a relevância seja média, deverão ser adotadas medidas nos termos definidos pelo órgão ambiental competente, que contribuam para a conservação e o uso adequado do patrimônio espeleológico brasileiro. Já no caso de impactos irreversíveis em cavidade com grau de relevância baixo, o empreendedor não estará obrigado a adotar medidas e ações para assegurar a preservação de outras cavidades.

Além disso, nos casos de atividades de significativo impacto ambiental, também incide a compensação ambiental prevista na Lei do Sistema Nacional das Unidades de Conservação (Lei n. 9.985/00), que deverá ser prioritariamente destinada à criação e implementação de unidade de conservação em área de interesse espeleológico. O valor dessa compensação é fixado pelo órgão responsável pelo licenciamento, não podendo ultrapassar o limite de 0,5% dos custos totais do empreendimento.

Por: Buzaglo Dantas

2012-07-25T15:26:36+00:0025 de julho de 2012|

Incentivos Econômicos como Contrapartida aos Riscos Ambientais dos Aterros Sanitários

Dados da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (IBGE), dos mais recentes disponíveis, indicam que, no ano de 2008, em 50,8% das cidades brasileiras o principal destino dos resíduos sólidos eram os lixões. Se comparado com a situação no ano 2000, quando esse percentual era de 72,3%, nota-se uma evolução significativa. Contudo, o fato é que a gestão dos resíduos sólidos vem evoluindo, mas não na velocidade necessária. Diante disso, é fundamental a adoção de medidas com urgência para reverter essa situação e, assim, atingir as metas estipuladas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), especialmente a de dar a disposição final adequada a todos os rejeitos até agosto de 2014 – o que pressupõe a eliminação dos “lixões”.

Entre as medidas indispensáveis para atacar esse problema está a desconstituição de um paradoxo existente na gestão dos resíduos sólidos no Brasil: as dificuldades enfrentadas para o licenciamento ambiental de aterros sanitários. Não é racional se tentar evitar a implantação, com base em supostas justificativas relacionadas à proteção ambiental, de empreendimentos que foram concebidos justamente para proporcionar uma solução a um dos maiores vilões do meio ambiente, extremamente prejudicial à qualidade de vida de toda a sociedade se não for lhe dada a destinação adequada: o “lixo” – ou os resíduos sólidos como prefere a PNRS.

Para que fique bastante claro, não se está a sustentar a desnecessidade de que aterros sanitários respeitem a legislação ambiental. Pelo contrário, devem ser estabelecidos controles rigorosos dos padrões legais na sua instalação e funcionamento. Mais do que isso, deve o empreendedor considerar os critérios técnicos, ambientais, operacionais e sociais do local onde pretende se instalar, evitando e mitigando os riscos ao meio ambiente. O que se defende, na verdade, é que os órgãos competentes avaliem com bastante cautela os impactos ambientais positivos e negativos de sua implantação, como já o fazem, e que, sobretudo, o Poder Judiciário, pautado na legalidade, respeite as conclusões técnicas do órgão ambiental, tendo consciência de que inexiste “poluição zero” e, assim, evite intermináveis discussões judiciais que vão de encontro ao interesse público.

Além disso, são coerentes com uma política pública comprometida com o desenvolvimento sustentável a implementação de incentivos econômicos aos aterros sanitários, o que não foi previsto na PNRS. Isso porque, além de serem serviços de utilidade pública, como expressamente assentou o Novo Código Florestal, estão submetidos a inúmeros riscos jurídicos e ambientais. Também os municípios que hospedam os aterros merecem uma contraprestação financeira negociada com os municípios que são por eles atendidos ou, então, por iniciativa do próprio Estado, a exemplo do ICMS Ecológico adotado em Pernambuco e Minas Gerais. Afinal, são aqueles que assumem os riscos e arcam com o encargo de dar uma disposição adequada aos rejeitos produzidos por toda a população.

Portanto, os incentivos previstos na legislação às iniciativas de “não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos” devem ser compatibilizados com os benefícios aos aterros sanitários, que fazem a disposição final dos rejeitos, e aos municípios que lhes abrigam. Deve-se, portanto, privilegiar soluções intermunicipais articuladas, envolvendo a iniciativa privada. Somente assim, com a implementação dos instrumentos econômicos adequados e com uma mudança de conduta dos gestores públicos e dos atores sociais, incluindo dos operadores do direito, será possível alterar o cenário atual e se aproximar das ousadas e otimistas metas da Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Por: Buzaglo Dantas

2012-07-11T16:20:25+00:0011 de julho de 2012|
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